Mostrando postagens com marcador sabine scho. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador sabine scho. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Nota sobre minha leitura ontem à noite na Literaturwerkstatt e os poetas alemães presentes, com tradução para pequeno poema de Volker Braun



Ontem à noite, participei da leitura de "abertura da temporada" na Literaturwerkstatt, o mais importante instituto cultural dedicado à poesia em Berlim. O centro entrou em seu vigésimo segundo ano de trabalhos, leituras, traduções e festivais exclusivamente voltados para a poesia, que a Literaturwerkstatt (Oficina de Literatura) vem organizando desde 1991.

Quem abriu a noite foi Volker Braun, nascido em Dresden em 1939, e um dos mais importantes poetas alemães contemporâneos – ganhador no ano 2000, dentre vários outros prêmios literários, do mais importante  no país, o que leva o nome de Georg Büchner e pode ser comparado ao Prêmio Camões. Começou a publicar na Alemanha Oriental, onde permaneceu até a Queda do Muro, apesar dos vários problemas que teve com o Governo. Sua estreia foi em 1965, com a peça Die Kipper e a coletânea de poemas Provokation für mich ("Provocação para mim"). Em 1977, publicou um dos mais importantes romances da Alemanha Oriental, Unvollendete Geschichte ("Histórias inacabadas"). Não há traduções de seus poemas no Brasil, até onde pude averiguar. Não espanta, já que o Brasil valoriza primordialmente o que chamo de ala órfica da poesia germânica, ignorando quase por completo o que chamo de ala telúrica desta tradição. Gosto muito de sua poesia e foi uma honra dividir o palco com ele. Ao fim desta postagem, você pode ler o longo "Lagerfeld", com tradução para o inglês, um dos meus poemas favoritos e que estou tentando traduzir para o português. Abaixo, um pequeno poema para o qual creio ter já chegado a uma versão apresentável.

Oh Chicago! Oh Discrepância!

Brecht, teu charuto acabou se apagando?
Durante os terremotos que provocamos
Nos Estados construídos sobre a areia.
O Socialismo vai-se, lá vem Johnny Walker.
Não consigo fixá-lo nos pensamentos
Que aliás estão caindo. As ruas quentes
De outubro são as trilhas frias
Da economia, Horácio. Enfio o chiclete
     na bochecha
Eis que é chegado o nada significante.


(tradução de Ricardo Domeneck)

:


O Chicago! O Widerspruch!
Volker Braun

Brecht, ist Ihnen die Zigarre ausgegangen?
Bei den Erdbeben, die wir hervorriefen
In den auf Sand gebauten Staaten.
Der Sozialismus geht, und Johnny Walker kommt.
Ich kann ihn nicht an den Gedanken festhalten
Die ohnehin ausfallen. Die warmen Straßen
Des Oktober sind die kalten Wege
Der Wirtschaft, Horatio. Ich schreibe den Gum in 
    die Backe
Es ist gekommen, das nicht Nennenswerte.


§

Fui o segundo a ler, alternando com Sabine Scho, a poeta alemã residente em São Paulo. Já escrevi sobre ela algumas vezes aqui. Ela leu poemas novos, um deles dedicado a São Paulo. Eu fiz a performance de "Mula", minha colaboração com o duo Tetine, e li, em alemão, meu longo "X + Y: uma ode", na tradução de Odile Kennel e com a projeção dos vídeos de vários moços alemães que venho retratando desde 2006. Abaixo, o vídeo da leitura de Sabine Scho na Oficina de Tradução do Festival de Poesia de Berlim em 2008.

Sabine Scho lê seus poemas em alemão. Eu, as minhas traduções.
Festival de Poesia de Berlim 2008

§

Mas o momento mais genial da noite não poderia ter sido outro: a leitura de Ulf Stolterfoht. Nascido em Stuttgart em 1963, Stolterfoht é um dos poetas contemporâneos mais geniais que conheço, ao menos na escala global da minha ignorância. No Festival de Poesia deste ano, trabalhou com Dirceu Villa e estou muito feliz que ao menos alguns de seus poemas logo estarão disponíveis no Brasil, na tradução de um poeta tão bom como Villa. A leitura de Stolterfoht foi Alta Literatura, Poesia Oral, Performance... o homem é simplesmente um ótimo poeta. Um Goliardo-Filósofo. Publiquei, há alguns anos, traduções feitas por Rosmarie Waldrop para o inglês em minha Hilda Magazine


Jargons IV (1)

opens brightly: sentences exist. deduces claims:
full of words. and that is all there is.
in overtones a merely as what’s surely commonly:
good perception of fruit — may well
stand for other things. complete perception of
good fruit — here’s how it functions:

like apples eyes and. not to mention pears.
presumes pending corroboration: the apple does not
see itself. in this it’s like the eye. you can’t tell from
the looks of one (please look at this as a sentence)
it’s being looked at by another. “please look at this as
a sentence” likewise to be looked at as a sentence etc.

“is to say” takes place. aspects apace. one owes/
thanks/is obliged. “is to mean” goes haywire. also
“more later” belongs here. strong feelings of happiness
through fruit. a newer. a better. a dapper
perhaps. perhaps mere structures but at least crude
and pure. leads from needy to approximate. the word

of fruit in the eye of the beholder. the post as
beam or mote. the sentence of the hereditary
branch. the word of trunk a hybrid. first: the
wrong fruit in the right place. then: the tree as
word — a good sentence. then if I’m not mistaken
the whole tree on the left as strongest branch.

(Translated by Rosmarie Waldrop)

:


fachsprachen IV (1)
Ulf Stolterfoht

eröffnet lebhaft: sätze gibt es. schließt behauptet:
wörter füllen sie auf. das sei dann auch schon alles.
im oberton ein lediglich wie was gewiß gemeinhin ist:
die gute wahrnehmung des obsts - sie mag für
manches andre stehen. die ganze wahrnehmung des
guten obsts - hier wie sie funktioniert:

wie äpfel augen und. von birnen ganz zu schweigen.
vermeint gemäß bekräftens: der apfel sieht sich
selber nicht. darin ist er dem auge gleich. dem
einen ist nicht anzusehen (die bitte dies als satz
zu sehen) daß ihn ein zweites sieht. "die bitte dies als
satz zu sehen" als gleichfalls einen satz zu sehen usw.

"will sagen" findet statt. aspekte satt. man schuldet/
dankt/vermuß. "soll heißen" legt sich quer. auch
"später mehr" gehört hierher. ein starkes glücksgefühl
durch obst. ein neueres. ein besseres. ein heiteres
vielleicht. vielleicht strukturen nur doch dafür grob
und pur. führt von bedarft zu ungefähr. das wort

vom obst im auge des betrachters. der pfahl als
balken oder splitter. der satz vom angestammten
ast. das wort vom stamm ein zwitter. mal so: das
falsche obst am rechten platz. dann so: der baum als
wort - ein guter satz. dann wenn nicht alles täuscht
der ganze baum als stärkster zweig zur linken.


§

Encerrou a noite a poeta Ulrike Almut Sandig, com suas colaborações musicais com Marlene Pelny. Abaixo, o vídeo da canção "im Märzwald". 




§

Encerro, como havia dito acima, com o ótimo poema de Volker Braun, "Lagerfeld", com tradução para o inglês.


Lagerfeld

Rome: an open city A lager
Down the catwalk troop the fashions
Of the millennium, bulletproof vests
For copulation Two gladiators
Are fighting for the job, long practised
In the tricks of throttling, they win applause
That´s what they went to school for HIM OR ME
The stink of fear In his empire
Lagerfeld is making a dream come true A PACK
OF WOMEN THE PICK OF BEAUTY
The winter collection for the wars in Dacia
Has made him rich IT IS ENOUGH TO TURN YOUR STOMACH
They are bearing my ideas, these are summer clothes
To the spoilt world A festival of beauty
Helena Christensen in evening wear Meanwhile
The two craftsmen have not let go
One is Commodus, the wild son
Of a cool father, the mother´s indiscretion
When he croaks the throne stands empty
And Septimius Severus the African
Will march with the XIVth from the wilderness of Vienna
Against the capital POOR ROME A barbarian
Emperor On his heels the rest of the world
Lgerfeld doesn´t watch He has a problem
He can make them more beautiful but not better
More and more beautiful Outfit of the brute beasts
RICH AND POOR A divided clientele
ATROCIOUS Paying and thieving
I enjoy undivided attention But
He knows what´s going on, he isn´t blind
The fifteen-year-old killer from Springfield
A MOUNTAIN OF CORPSES IN THE HIGHSCHOOL CAFETERIA
He has learned to lend a hand
he is in custody now in paper clothes
Another fashion From America Gangs of children
Are combing North Rhine-Westphalia trainees
Looking for food at Hertie´s and Woolworth´s
A light-fingered tribe from the future
In the employment exchanges carrion
Is waiting to be recycled It will wait a long time
Those in work are waiting on machines
The others are waiting to be allowed to wait on something
Legions While the world  turns black
As Africa VIOLENCE MUST NOT ONLY BE THREATENED
IT MUST ALSO BE USED The Foreign Office
Inwardlygrinning states its position
On Bosnia We´ll show you what work is
A machine with limps sexually neutral
The mannequin for tomorrow´s work
AT THE END OF THE DAY YOU ARE A JUST ANOTHER
PRODUCT
Thinking is, precisely, what I try to avoid
Day after day the covering of paper with print
Custody, to prevent the suicide of the species
I don´t read it, I don´t watch
A theatre full of equanimity
THE ONLY PLACE I FEEL AT EASE
DESPAIR Kleist on the edge
At Stimming´s Inn MY ONE TRIUMPHANT CONCERN
TO FIND A DEEP ENOUGH ABYSS he lends a hand
Two dots near Potsdam Waiting for nothing
That´s the drama: there is no action
We know otherwise and refrain from action No
We can do no other The dress
Fits like a second skin NOWADAYS THEY DO EVERYTHING
IN HUMAN FLESH Goes on and on
Look at Commodus, a death of the peg /
Lagerfeld or Serenity He
Doesn´t love the beauties he can have His heart
Seeks beauty everywhere Beauty
Is a son of the gutter, has previous convictions
See here, his description, black skin
I enjoy the luxury of having been expelled
An idiot in the third millennium A citizen of the world
Helena Christensen leaves the catwalk
Why should I become fashionable
In the throwaway society
The arena full of the last screams Ideas
Rome´s last era, unseriousness
Now watch the finale ME OR ME
Greetings, barbarians

(Volker Braun : © Translation: David Constantine)

:

Lagerfeld
Volker Braun

Rom: offene Stadt Ein Feldlager
Auf dem Laufsteg defiliert die Mode
Der Jahrtausendwende Panzerhemden
Für den Beischlaf Zwei Gladiatoren
Kämpfen um den Arbeitsplatz mit Würgegriffen
Eine alte Übung, die Beifall findet
Dafür haben sie die Schule besucht ER ODER ICH
Der Gestank der Angst In seinem Imperium
Erfüllt sich Lagerfeld einen Traum EIN RUDEL
FRAUEN AUSGESUCHTE SCHÖNHEITEN
Die Winterkollektion für die Daker-Kriege
Hat ihn reich gemacht ZUM ABGEWÖHNEN
Sie tragen meine Ideen, es sind Sommerkleider
In die verwöhnte Welt Ein Fest der Schönheit
Helena Christensen im Abendkleid Die beiden
Handwerker lassen indessen nicht locker
Der eine ist Commodus, der ausgelassene Sohn
Eines gelassenen Vaters und Fehltritt der Mutter
Wenn er verröchelt steht der Thron leer
Und Septimius Severus der Afrikaner
Marschiert mit der XIV. aus der Wildnis Wien
Auf die Hauptstadt ARMES ROM Ein Barbar
Imperator An seinen Fersen der Rest der Welt
Lagerfeld schaut nicht hin Er hat ein Problem
Er kann sie schöner machen, aber nicht besser
Immer noch schöner Das Outfit der Bestien
ARM UND REICH Eine geteilte Kundschaft
ES IST GRAUENHAFT Bezahlen und stehlen
Ich genieße das ungeteilte Interesse Aber
Er weiß was vor sich geht, er ist ja nicht blind
Der fünfzehnjährige Killer aus Springfield
EIN LEICHENBERG IN DER CAFETERIA DER HIGH SCHOOL
Er hat gelernt Hand anzulegen
Sitzt in Papierkleidern in Gewahrsam
Auch eine Mode Aus Amerika Kinderbanden
Durchkämmen Nordrhein-Westfalen Lehrlinge
Auf der Nahrungssuche bei Woolworth und Hertie
Ein fingerfertiger Völkerstamm aus der Zukunft
In den Arbeitsämtern  wartet das Aas
Auf die Wiederverwendung Es kann lange warten
Wer Arbeit hat wartet die Automaten
Sie warten darauf, etwas warten zu dürfen
Legionen Während die Welt schwarz wird
Wie Afrika MAN DARF GEWALT NICHT NUR ANKÜNDIGEN
MAN MUSS SIE AUCH AUSÜBEN Das auswärtige Amt
Erklärt sich mit inwendigem Grinsen
Zu Bosnien Man wird euch zeigen was Arbeit ist
Eine Maschine mit Gliedmaßen geschlechtsneutral
Das Mannequin für die Arbeit von morgen
AM ENDE DES TAGES BIST DU EIN PRODUKT
Das Denken ist genau das was ich vermeide
Das täglich bedruckte Papier
Der Gewahrsam gegen den Selbstmord der Gattung
Ich lese es nicht, ich schaue nicht hin
Ein Theater gefüllt mit Gleichmut
DER EINZIGE ORT WO ES WOHLTUT
VERZWEIFELN Der ausgelassene Kleist
In Stimmings Krug MEINE GANZE JAUCHZENDE SORGE
EINEN ABGRUND TIEF GENUG ZU FINDEN  legt Hand an
Ein Doppelpunkt bei Potsdam Das Warten auf nichts
Das ist das Drama: es gibt keine Handlung
Wir wissen es anders und handeln nicht Nein
Wir können nicht anders Das Kleid
Ist angewachsen MAN ARBEITET HEUT ZU TAGE
ALLES IN MENSCHENFLEISCH Aber sie dauert
Sehen Sie Commodus, ein Tod von der Stange /
Lagerfeld oder Die Gelassenheit Er
Liebt nicht die Schönen, die er haben kann Sein Herz
Sucht die Schönheit überall Die Schönheit
Ist ein Sohn der Gosse Sie ist vorbestraft
Sehn Sie den Steckbrief, schwarze Haut
Ich genieße den Luxus, ausgestoßen zu sein
Ein Idiot im 3. Jahrtausend Ein Bürger der Welt
Helena Christensen verläßt den Laufsteg
Warum soll ich Mode werden
In der Wegwerfgesellschaft
Das Stadion voll letzter Schreie Ideen
Roms letzte Epoche des Unernsts
Sehn sie nun das Finale ICH ODER ICH
Salute, Barbaren

.
.
.

sábado, 4 de agosto de 2012

Sobre minha leitura ontem em Berlim e algumas notícias de colegas e amigos

 Lendo com Alexander Gumz no Z Bar, Berlim. Foto de Andrea Schmidt.

Fiz uma leitura ontem em Berlim, no Z Bar, ao lado do poeta alemão Alexander Gumz (Berlim, 1974). É uma nova série de minha editora alemã, a Verlagshaus J. Frank, em que poetas "da casa" convidam poetas de outras editoras para uma leitura e uma conversa. Li uma seleção de poemas que entrarão em meu livro alemão: "Vida longa à poesia pura", "Corpo", "X + Y: uma ode", "Texto em que o poeta celebra o amante de vinte e cinco anos", "Carta a Antínoo", "Seis canções óbvias" e "Cantiga de ninar para amante surdo". Alexander Gumz leu poemas de seu livro de estreia, e único até o momento, intitulado ausrücken mit modellen (Berlin: KOOKbooks, 2011), pelo qual recebeu o prêmio Clemens Brentano deste ano. Foi muito bom testar as traduções ("X + Y: uma ode" funcionou muito bem com a plateia alemã), conversar com Gumz sobre narratividade, indeterminação, política na poesia, etc. Tentarei traduzir um dos poemas de Gumz em breve. No momento, estou mergulhado num artigo sobre a recepção alemã de Jorge Amado para a Deutsche Welle, por ocasião de seu centenário este mês. Deixo vocês com um original alemão do poeta.  

Später Besuch
Alexander Gumz

er dreht die lider runter wenn er lacht: windet sich
auf seiner sprache (das nennen wir mal alkoholproblem)

wie er ins waschbecken kotzt (seebäder drübermalt)
hat schon was von keine ansichtssache
eher: sauberwerden mit den farben

oder kurz nochmal die hände heben (in eine flasche beten
wie in eine mutter) um später zu entdecken
er hat den humor einer stadt von sehr weit oben

etwas schneidet sich durch seine falten: mehr zu sein
als der ekel davor in einem bett aus bier zu schlafen

sein gesicht zu legen auf etwas das nicht bleibt

§

Discoteco hoje à noite no Honecker Lounge do Kino International ao lado de meu amigo Uli Buder, produtor alemão mais conhecido como Akia, sobre o qual falo com frequência aqui. Ouça abaixo uma gravação de sua última apresentação ao vivo.


AKIA - LIVESET LOOPACUT - Snipit by Akia


§

Foi muito bom ter a poeta, romancista e minha querida tradutora Odile Kennel (n 1967) ontem na plateia. O trabalho com ela tem sido maravilhoso. Odile lançou o romance Was Ida sagt no ano passado, pela importante editora alemã Deutscher Taschenbuch Verlag - dtv. Abaixo, um vídeo em que lê um trecho do romance.




A mesma editora lança seu primeiro livro de poemas no ano que vem. Traduzi alguns para a Modo de Usar & Co. 

Por sorte a névoa chegou

tarde. Mais abaixo, eu sei
com certeza, nadavam girinos
num tanque de pedra, as vacas
traçavam com patas cautelosas
veias na montanha, visíveis. Sobre
nós circulava um busardo. Não

é um busardo, você disse, mas
nos faltavam binóculos e dicionário
de inglês. E havia o ruído
dos planadores. Eles abocanhavam o ar
em goles ávidos. Riscavam verticais acima

e abaixo cambaleavam nossos
olhos uns nos outros, mergulho cauteloso
das palavras vale abaixo, cartografado
de montanha a montanha.

Por sorte a névoa chegou tarde
para que pudéssemos
admirar na capela o
Senhor Jesus transsexual, suas unhas
pintadas. Para que nossos olhos
patas cautelosas sob
círculos intraduzíveis, para que nossos
olhos tais como girinos
no tanque de pedra nadassem
uns pelos outros se medissem uns nos outros
mergulhassem por sorte

a névoa chegou tarde.

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Zum Glück kam der Nebel
Odile Kennel

verspätet. Weiter unten, ich weiß es
genau, schwammen Kaulquappen
in einem Steintrog, Kühe legten
mit bedächtigen Hufen die Adern
des Berges bloß. Über uns kreiste
ein Bussards. Das ist kein

Bussard, sagtest du, aber wir hatten
kein Fernglas und kein englisches
Wörterbuch. Und das Geräusch kam
von den Segelfliegern. Sie rissen die Luft
an sich in gierigen Zügen. Rissen sie aufwärts und

abwärts taumelten unsere Augen
ineinander, bedächtiges Tauchen
der Wörter ins Tal hinab
geschwungen, ausgelotet
von Berg zu Berg.

Zum Glück kam der Nebel verspätet
so dass wir in der Kapelle den
transsexuellen Herrn Jesus
bewundern konnten, lackiert
seine Nägel. So dass unsere Augen
bedächtige Hufe unter unübersetzbaren
Kreisen, so dass unsere
Augen Kaulquappen gleich
im Steintrog schwammen
sich aneinander maßen ineinander
tauchten zum Glück

kam der Nebel verspätet.


.

Pensar sálvia e você

Eu penso sálvia quando eu
vejo sálvia penso folhas de veludo
verde-cinza pareadas opostas ou
labiadas ou temperadas e amargas
ou eu penso em nada nem sálvia nem
planta nem cheiro pois por tanto
pensar a sálvia se encontra
à janela se desencontra na mente
pois ela para mim não existe mas
existe para si nada sabe de
seu nome nada sabe de seu
existir presume-se que nonada sabe.

Eu penso você quando eu não
penso sálvia quando não penso que
os andorinhões cochilam nas altas
camadas do ar e nós deitadas
despertas à janela eu penso
você e o cheiro amargo
e temperado infiltra-se no seu
no meu existir de que nada sabe
e assim origina-se um desequilíbrio
existencial na luz pós-meridiana
pois sabemos sabemos muito bem
que todo tempo é uma xícara a
despenhar-se aos céus ou óleo etéreo
ou a maquinaria da solidão, presume-se.

(tradução de Ricardo Domeneck)


(Odile Kennel lê em Berlim, a 19 de agosto de 2008, em evento que contou ainda
 com leituras do belga Damien Spleeters, da espanhola Sandra Santana e minha)

:

Salbei denken und Du
Odile Kennel

Ich denke Salbei wenn ich Salbei
sehe denke grüngraue samtene
Blätter paarweise gegenständig oder
Lippenblütler oder bitter und würzig
oder ich denke nichts nicht Salbei nicht
Pflanze nicht Duft weil vor lauter
Denken der Salbei wohl vorkommt
am Fenster doch verkommt im Kopf er also
für mich nicht existiert er aber
für sich existiert und nicht weiß wie er
heißt und nichts weiß von seiner
Existenz vermutlich gar nichts weiß.

Ich denke Du wenn ich nicht
Salbei denke nicht denke dass
die Mauersegler dösen in den höheren
Schichten der Luft während wir wach
liegen am Fenster ich denke
Du während der bittere und
würzige Duft in deine und meine
Existenz dringt von der er nichts weiß
und so entsteht ein existenzielles
Ungleichgewicht im Nachmittagslicht
denn wir wissen wir wissen sehr genau
dass alle Zeit nur eine himmelwärts stürzende
Tasse ist oder ätherisches Öl oder eine
Apparatur der Einsamkeit, vermutlich.


(Zitat: Ulrike Draesner)

§

Também foi bom ver na plateia minha querida amiga Sabine Scho, a poeta alemã que divide seu tempo entre Berlim e São Paulo. É uma pena que a cena poética paulistana não a tenha ainda descoberto. Scho está na Alemanha, onde recebe este mês o prêmio de poesia Anke Bennholdt-Thomsen do Instituto Schiller. Um poema traduzido:

green

alguém quer que eu diga
erva e uma toalha es-
tenda, erva da boa, a pura
opulência dos ruminantes
não é nada, dou voluntaria-
mente a entender, nada mais que
vento nos salgueiros, aptidão
para Marte, macacão azul
lavado a seco, de preferência
fotossíntese, campos de
estromatólitos, quedas de
temperatura em florescência
desértica, paisagem incrustada,
gravura grátis a laser, nem nada
de nada de precipitações

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

green
Sabine Scho

jemand will, dass ich gras
sage und eine decke aus-
breite, gutes gras, die reine
üppigkeit der wiederkäuer
es ist nichts, gebe ich bereit-
willig zu verstehen, nichts als
wind in den weiden, marstaug-
lichkeit, ein blaumann aus der
schnellreinigung, vorzugsweise
photosynthese, stromatolithen-
felder, temperaturstürze in wüster
blüte, verkrustete aussicht, kosten-
lose lasergravur, nichts und kein
bisschen niederschlag


§

Outra amiga na plateia foi a fotógrafa Adelaide Ivánova, que está preparando sua exposição na França em setembro, com um título lindamente longo e inspirado em um dos meus poemas favoritos, de Wislawa Szymborska. O nome da exposição é "Autotomy is the ability some animals have to change or mutilate their bodies in order to look like something else and protect themselves from the world and I was amazed to notice that we all do it and not just sea cucumbers." Deixo vocês com uma foto de Ivánova, que não está na exposição mas é uma de minhas favoritas (logo verão o porquê). Neste aniversário, ganhei dela uma versão enorme da foto (o modelo é seu namorado), que doravante estará na parede do meu quarto. A segunda é outra foto linda de seu namorado (às vezes penso que Ivánova e eu somos as versões fotógrafa e poeta de uma pessoa muito parecida), e a última é um dos últimos retratos que fez de minha imponderada pessoa.


Foto de Adelaide Ivánova (2012)

Foto de Adelaide Ivánova (2012)

 Foto de Adelaide Ivánova (2012)


§

Encerro com o poema de Wislawa Szymborska.

autotomia
Wislawa Szymborska (tradução coletiva da Inimigo Rumor n. 10)

 

diante do perigo, a holotúria se divide em duas:
deixando uma sua metade ser devorada pelo mundo,
salvando-se com a outra metade.

ela se bifurca subitamente em naufrágio e salvação,
em resgate e promessa, no que foi e no que será.

no centro do seu corpo irrompe um precipício
de duas bordas que se tornam estranhas uma à outra.

sobre uma das bordas, a morte, sobre outra, a vida.
aqui o desespero, ali a coragem.

se há balança, nenhum prato pesa mais que o outro.
se há justiça, ei-la aqui.

morrer apenas o estritamente necessário, sem ultrapassar a medida.
renascer o tanto preciso a partir do resto que se preservou.

nós também sabemos nos dividir, é verdade.
mas apenas em corpo e sussurros partidos.
em corpo e poesia.

aqui a garganta, do outro lado, o riso,
leve, logo abafado.

aqui o coração pesado, ali o Não Morrer Demais,
três pequenas palavras que são as três plumas de um vôo.

o abismo não nos divide.
o abismo nos cerca.



.

.

.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Para celebrar minha passagem por São Paulo: "Mula": Tetine + Ricardo Domeneck ::: livre para baixar pelo selo Slum Dunk Music + texto/traduções/vídeo

Tetine


O duo Tetine está inextricavelmente ligado a minha memória afetiva de São Paulo, mesmo que morem já há uma década em Londres, onde produziram seus últimos discos, lançaram álbuns pelo prestigioso selo Soul Jazz, organizaram compilações da música paulistana da década de 80, expuseram na Whitechapel e colaboraram com Ladytron, Robin Rimbaud e outros. Estão, de certa maneira, também inextricavelmente ligados a minha memória afetiva de Londres. Mas lembro-me de caminhar pela Rua dos Pinheiros escutando os álbuns Alexander´s Grave (1996) e Música de amor (1998), de trombar com eles em inferninhos paulistanos. Ter-me tornado amigo de Bruno Verner e Eliete Mejorado, colaborado com eles e ainda lançado em vinil na Alemanha seu L.I.C.K. My Favela (2007), estão entre as coisas que me alegram nesta existência.

Em São Paulo por estes dias, celebro estar na Pauliceia Desvairada com minha colaboração com o duo Tetine (São Paulo/Londres)

::::: "Mula" (2007) ::::::



música de Bruno Verner e Eliete Mejorado, texto meu. Livre para ser baixado a partir da página do selo Slum Dunk Music no Soundcloud (basta clicar em MULA - Tetine + Ricardo Domeneck).

Encerro com o texto no original, as traduções para o castelhano do poeta argentino Cristian De Nápoli (Buenos Aires, Argentina, 1971) e para o alemão, da poeta Sabine Scho (Ochtrup, Alemanha, 1970); e, por fim, o vídeo de Eugen Braeunig para a faixa e uma entrevista que conduzi com o Tetine em Londres em 2006.


Mula
Ricardo Domeneck


..............Minha
senhora: os unicórnios
que caem com a raiz
não
voltam mais; ainda
que van-goghs até
que engasgues,
.......sigo mula
a indiciar o caso
excepcional
do sem espécie,
self-archived tool, exílio
............dos catálogos
a especificar o espaço
para a porcentagem da escolha
do puro, alheia que se agita
antes de abrir, dose cavalar
de juramento e
egüidade. Poupa-me,
Popeye: longe de mim
impor-me híbrida
à tua hípica -
brutalmente homogênea,
especialista em fronteiras,
.......eject de habitat,
eis-me, excelentíssimo,
a de cascos
.......não-retornáveis,
nula nulla
tal qual high bred hybrid
relinchando o já morto:
muslos de mulícia,
esterilizável, aureolar,
............multívaga
....... ambiqüestre
....de mulas prontas,
perdoai vossa serva
preguiçodáctila aos berros
perturbando vosso áureo
piquenique do sublime,
.......illicit mule
espirrando em vosso épico.
............Não
há Blade
Runner que resista
mesmo euzim
..............fake mullah,
insciente dos teus métodos,
ó sussurrável, hoof muffler
da palha de meu estofo.
Prometo-me estóica
.........e subcutânea,
bem fazes em esporear-me
o couro catecúmeno à chuva
do teu cuspe, inestimável
senhor de eco intumescido:
.......até que a mula
.......aqui fale
como manda
o figurino,
e encontre a exit
de quem às caras
me dera lamber o mundo
com a própria língua: mulo
fundindo
.......com a função da forma
os extremos do exorcício e
a fanfarra do sem categoria.


Ricardo Domeneck
Berlim – agosto mês de desgosto, 2007

:

Mula

..............Minha
senhora: los unicornios
que caen de raíz
no
vuelven más; aunque
guadañes cual vangogh
hasta que te atragantes,
.......sigo mula
testimoniando el caso
excepcional
de lo sin clase,
self-achived tool, exilio
............de los catálogos
delimitando el espacio,
el porcentual de la elección
de lo puro, ajena que se agita
antes de abrirse, en dosis de caballo
los juramentos y la
yegualdad. Para un poco,
Popeye: lejos de mí
plantarme híbrida
sobre tu hípica –
brutalmente homogénea,
especialista en fronteras,
.......eject de habitat,
heme aquí, excelentísimo,
la de cascos
.......no retornables,
nula nulla
tal cual high bred hybrid
relinchando lo ya muerto:
muslos de mulicia,
esterilizable, aureolar,
............multívaga
........ambicuestre
....mula tan lista para el viaje,
perdonad a vuestra sierva
perezodáctila en berridos
perturbando vuestro áureo
picnic de lo sublime,
........illicit mule
estornudando en vuestra épica.
............No
hay Blade
Runner que resista
ni que fuera
..........fake mullah,
ignorante de tus métodos,
lo susurrable, hoof muffler
de la paja en mi colchón.
Prométome estoica
......y subcutánea,
bien haces al espolearme
el cuero catecúmeno a la lluvia
de tu saliva, inestimable
señor de eco inflamado
......y que la mula
............comience a hablar
como dios
manda
y alcance la exit
del que asomara
cabeza dando a lamer
mundo con su propia lengua: mulo
que funde con la función
....de la forma
los extremos del exorcicio y
la fanfarria de lo sin categoría.

(traducción de Cristian De Nápoli)


:


Muli


...........Meine
Dame: Einhörner
die wie Haarwurzeln
ausfallen, wachsen
nicht wieder; selbst
wenn du vangoghst bis
du erstickst,
.......bleibe ich Muli,
um den besonderen Fall
des unspeziellen
anzuzeigen,
self-archived tool, exiliert
............von Katalogen,
die Sphäre zu spezifizieren
für den Prozentsatz der reinen
Auslese, das vor dem Öffnen
geschüttelte Andere, Pferdedosis
an Eseleid und
Stutenähnlichkeit. Piss off,
Popeye: verschone
mich Hybrid
in dein Gestüt zu zwingen –
unbehauen homogen,
Grenzgangspezialist,
...........eject aus dem Habitat,
so bin ich, Euer Ehren,
von den Hufen an
...........vom Umtausch ausgeschlossen,
eine amulierte null
wie ein high bred hybrid
wiehernd den Toten gelyncht:
Muskli der Muliz,
sterilisierbar, auratisch,
............umherirrend
..........doppelpferdig,
.......stutbereit,
verzeiht Eurem Kuli
sein unpaarhuffaules Geblöke,
das Euer goldenes
Picknick des Sublimen stört,
.......illicit mule
spuckt Euch in die Epik.
...........Kein
Blade
Runner kann widerstehen,
auch meine Wenigkeit nicht,
.......fake mullah,
deiner Methoden nicht fähig,
großer Anmurmelbarer, hoof muffler
aus Stroh meines Polsters.
Ich schwöre, stoisch
..........und subkutan zu sein,
du tust gut daran, meinem Fell
.....die Sporen zu geben
unter dem katechumenen Regen
deiner Spucke, unermesslicher
Herr des angeschwollenen Echos:
.......bis dieses Muli
.......hier spricht
wie es der gute Ton verlangt,
und den Exit derer findet,
die vor aller Augen
die Welt ablecken
mit dem eigenen Zungenschlag: Maulesel
verschweißt
...........mit der Funktion der Form
die Extreme der Exorzitien und
die Parade des Kategorielosen.

August im Verdruss, 2007

(Übersetzung von Sabine Scho)


§

Abaixo, você pode ver o vídeo de Eugen Braeunig para esta faixa:



§

Conduzi esta entrevista com o Tetine em Londres, em 2006, postada mais tarde na revista eletrônica FLASHER, que eu editava naquela época.



§

Você pode saber mais sobre o Tetine AAQQUUII.

.
.
.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Maratona chega ao fim

Uma da matina, acabo de chegar de Leipzig, onde Sabine Scho, Daniel Falb, Pedro Sena-Lino e eu fizemos leituras para apresentar a antologia de poesia em língua alemã e portuguesa. Foram muito boas as leituras, mas eu estava um caco por causa do aniversário da Berlin Hilton na noite anterior, que foi, diga-se de passagem, excelente. Posto vídeos e fotos e relatórios em breve, mas agora eu quero cama.

Vou dormir ao som de Soap & Skin:

Arquivo do blog