Estou relendo o trabalho do amigo Victor Heringer (1988-2018), enquanto trabalho no posfácio para o volume que reunirá seus poemas. Está sendo muito forte, à luz de tudo o que veio depois na escrita de Victor, reler seu primeiro livro de poemas, Automatógrafo (2011). Abaixo, um dos meus textos favoritos no volume.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022
"Balada para Aníbal Barca" -- Victor Heringer (1988-2018)
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022
Pedro Lucas Bezerra - "A memória de Salomé"
O poema abaixo está no livro de estreia de Pedro Lucas Bezerra (Natal, 1993), intitulado Trem fantasma (2021), e publicado pela Quelônio.
No limiar
toda cabeça que se pede é a dele
de iocanaan
se no silêncio
uma voz vem a ti e fala “salva-me”
essa voz é a da cabeça de iocanaan
se num sonho rubro
tu vês a pálida cabeça
iluminada com lanternas
é essa a de iocanaan
se iocanaan disser que sua cabeça é de outro
que não tem nome
cabeça ori
cabeça que surge em combate
não acredite em iocanaan
porque ele não tem mais cabeça
se você está ouvindo uma música
e nela alguém assobia fora do tempo
é ela lá
a cabeça de iocanaan
se uma cabeça sem lábios
atravessa a noite e invade a festa
é essa ela
a cabeça de iocanaan
terça-feira, 1 de fevereiro de 2022
quarta-feira, 26 de janeiro de 2022
Caetano Romão - MAU-MAU E A MEDICINA [poema inédito]
MAU-MAU E A MEDICINA
mau-mau na outra ponta do sofá
sentado feito um buda
cheio de farelo no colo
me faz recomendações
a calvíce a rinite a nicotina
de perna cruzada
comendo biscoito de maisena
prescreve xaropes medicinas
conhece bem minhas manias
mau-mau é bom
só o sapato no estofado desmente
logo ele que diz
não pisa com o pé no sofá
mau-mau hoje está terrível
muito sabido
toma meu pulso
cheira minhas partes
desconfiado
querendo saber
de onde eu vim
ii.
a partir de agora
se faz necessário
certo recuo
não tão brusco:
mau-mau estralando meu dedão
do pé esquerdo
me elogia dizendo
você parece ser simples
tento responder
mordo a língua na pontinha
me espremo contra o sofá
agudo de aflição
sua fala cirúrgica
limpa os óculos
na borda da cueca
pra ver de perto
pra ver melhor
mau-mau que
me conta verdades
como se catasse pulgas
diz assim
como um doutor
me dá o outro pé
iii.
recuar
como um ossinho volta ao lugar
depois que puxa
sei de gente que estralava
os lugares mais improváveis
escápula cotovelo bacia
isso pra não falar do resto
quem estrala o corpo
teima com o corpo
quer prolongar o corpo
está de mal com o corpo
como se padecesse
de um soluço no osso
digo já chega pro mau-mau
esse sou eu encolhendo as pernas
eu que muitas vezes sinto cócegas
em lugares indevidos
esquecendo as coxas
em lugares indevidos
gargalho quando não quero
confundindo com bitucas
minhas unhas cortadas no chão
iv.
gente que pigarreia antes de falar
mau-mau é desses
como se trouxesse notícias muito novas
o rapaz é profissional
mau-mau corrige minhas lições
e meus ossos
v.
faz de conta que ele
guardasse um estetoscópio
ao redor do pescoço
a brincadeira é essa
quem tira a roupa sou eu
quem fica vestido é ele
conhecemos bem
os papéis
eu digo é aqui que me dói
já ele apalpa outro canto
assim vai
decifra meus centímetros
os pentelhos
todos no mesmo lugar
fica pasmo quando tusso
interroga anota cutuca
caxumbas catarros
insinua o caso é grave
entre nós alguma malícia
de ciência ou suborno
diz que tenho dor de dentes
no coração
não acredito
não peço a receita
não pago a consulta
– Caetano Romão
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terça-feira, 25 de janeiro de 2022
Frederico Nercessian - DISCURSO [poema inédito]
segunda-feira, 10 de janeiro de 2022
DEVOÇÃO - um poema inédito de Ismar Tirelli Neto
Ismar Tirelli Neto (Rio de Janeiro, 1985) |
DEVOÇÃO
Estou doce doce de condicionais
Todos os dias capacito-me de um crânio
A cultura coloca-me certo número de buracos onde meter minha devoção
Estou doce doce de diretivas
De meio a formidáveis reescrituras tenho caminhado
Caminhado com emparedamento cada vez maior
Encarregue de certo ritmo na roseira
Arrasto pelo mundo aparição e desaparição
Arrasto o triz até o tram
Quando subo
O mesmo vazio de consecução
Olhos choram contracorrentes
Onde um assento vazio?
Na minha frase
Onde um assento vazio?
Estou doce doce de hibridação
Para sentar às centelhas sobre o veículo já não se tem idade
Para sentar às estrelas
Para tomar café-da-manhã com as estrelas
Já não se tem idade
Não lhes parece o caso?
Sou eu quem deve preponderar na minha frase
Não lhes parece o caso?
Quem deve preponderar na minha frase sou
Eu fora
Fora todos os ouvidos
Preciso de um vagão vazio para dizer o ouvido
Um ouvido inteiro
A cultura corta um buraco redondo entre os reservados do banheiro
Volvam volvam as vontades quebradas
Estou virado como século
Vemos um filme extremado
Tenho pelo menos a virtude de realmente existir
Trabalho por adesivos de coração
Jogo ao cisco
Ganho em urbanidade
Muro-me de Introduções Guias Manuais
Tacanhado em cômodo com todos os quadrantes da Terra
Concateno frêmito no escroto à chegada do significado
A cultura coloca-me certo número de histórias de conversão a memorizar
Estou por assim dizer
– Ismar Tirelli Neto
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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021
Morticínio ancestral
"Morticínio ancestral" é um poema inédito que incluí numa seleção a ser publicada em Portugal, sob o título Canção da benzedura e outros poemas, pela Livraria Poesia Incompleta, do querido Changuito. Nesse volume, incluí poemas que venho chamando de localistas, centrados na cultura interiorana da minha infância.
Morticínio ancestral
a Rosária Cardoso in memoriam
Quando minha avó torcia o pescoço
dos frangos, não raras vezes
chegando a decapitá-los,
e os lançava ao chão frio de cimento
para aquela dança assustadora,
não havia em seu rosto
paixão, prazer, ou pena.
Na escuridão escondida dentro do meio-dia,
aqueles morticínios eram os atos
mais honestos na violência
daquela casa e daquela infância.
Afogando na água fervente
os cadáveres sem cabeça
[que ficara de banda no quintal
interrogando seu Criador],
ela passava a depená-los, ágil,
qual fosse ela um gavião-pedrês.
Como o cafuné do crânio da onça
no crânio da capivara,
ou o abraço anelar das garras do carcará
ao redor do corpo todo-torso da cobra,
nada naquela velha
era cogitado
para além da missão simples:
alimentar a prole.
Como todo animal que não questiona
a cadeia alimentar diante da fome,
minha avó foi o bicho mais inocente
da minha casa e da minha selva.
Mais do que os gatos e pombos,
mais do que os jabutis e coelhos,
com certeza
era mais inocente minha avó
do que as cachorras da casa,
aquelas cachorras grandes e gordas
com os dentes afiados — mas inúteis,
esperando também daquela mamífera-anciã
que manchasse ela as mãos de sangue.
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terça-feira, 23 de novembro de 2021
André Capilé - excerto de "madrugada pombagira do absoluto", do livro inédito SERENO
vocabulário do ódio é o que resta na boca / violenta, a malta só ruge -- estila sua baba louca / já não me sobra mais nada na presa lisa da víbora / se a vida te levar a pulso, o soldo da sorte é a mirra
domingo, 7 de novembro de 2021
CARTOGRAFIA DO FUNDO DO POÇO
País solitário,
de um só
habitante
só,
fronteiriço
aos fundos
dos poços
de todos
os outros.
2-
Feito o último exemplar
de uma espécie:
um rinoceronte
velho e reumático,
um dodô dodói,
um neandertal
com dor de dente.
3-
Até planetas acabam presos
num travamento gravitacional,
a rotação capturada,
um mesmo e único hemisfério
encarando sua estrela,
e o outro, numa noite eterna.
4-
Todas as marés
aqui
são baixas.
5-
Conheço palmo a palmo
este chão
de arranha-céus do avesso,
seco — onde os olhos
labutam, incessantes,
para doar-lhe um mar.
6-
Os mais antigos, escolados
nos despenhadeiros,
haviam alertado para a necessidade
do equipamento de montanhismo.
Arqueólogo dos próprios barrancos,
eu trouxe ao fundo do poço
apenas o equipamento de escavações.
Das pás fazer asas.
Das tripas, cipó e escada.
7-
Recomendam todos
que eu vá ao encontro
daqueles cavaleiros,
não da Távola Redonda
mas da Tabula Rasa.
Gosto dessa companhia,
a dos que nada mais têm
a perder.
8-
É costume erguer-se,
dizer o próprio nome,
e confessar
limpezas e sujidades.
Levanto a carcaça
desse trono da nulidade,
e digo:
“Este sou eu,
Sísifo-Dido,
o limpo-sujo,
o sujo-limpo.”
9-
Esta é a minha tribo,
estes felizes
que se desiludiram
mesmo de si.
10-
Este não é seu país de origem.
Este não é seu país de destino.
Também aqui aplica-se
a lei da usucapião?
quarta-feira, 22 de setembro de 2021
"Regresso ao agreste", um poema-canção de Makely Ka
Makely Ka é um trovador contemporâneo brasileiro, nascido em Valença do Piauí, em 1975.
REGRESSO AO AGRESTE Regresso ao agreste Esse reverso de floresta E do pouco que ainda resta Esse progresso ao revés Regresso ao agreste Do eucalipto ao cipreste Entre a transgênica semente E a hidrelétrica da vez E hoje a meta-resposta É talvez Um deserto, essa réstia De través Hoje tudo que pasta É a rês E um trator que arrasta Tudo ao rés Nessa terra de xerife Onde tudo se decide Na base do cassetete Não duvide O sujeito te agride Um sozinho contra sete Você pensa no revide E arremete DDT e neocide Com a monsanto quem compete Com o imposto que incide Quem resiste Qual o custo desse bife Qual o lucro dessa thread Isso tudo é muito triste E só regride Regresso ao agreste Seguindo por essa reta Onde aponta uma seta Leio a placa em português Regresso ao agreste Onde a commodity reveste Todo lucro que se investe Do que vende-se ao chinês E hoje a meta-resposta É talvez Um deserto, essa réstia De través Hoje tudo que pasta É a rês E um trator que arrastaMais ou menos de mim
Projetos Paralelos
Leituras de companheiros
- Adelaide Ivánova
- Adriana Lisboa
- Alejandro Albarrán
- Alexandra Lucas Coelho
- Amalia Gieschen
- Amina Arraf (Gay Girl in Damascus)
- Ana Porrúa
- Analogue Magazine
- André Costa
- André Simões (traduções de poetas árabes)
- Angaangaq Angakkorsuaq
- Angélica Freitas
- Ann Cotten
- Anna Hjalmarsson
- Antoine Wauters
- António Gregório (Café Centralíssimo)
- Antônio Xerxenesky
- Aníbal Cristobo
- Arkitip Magazine
- Art In America Magazine
- Baga Defente
- Boris Crack
- Breno Rotatori
- Brian Kenny (blog)
- Brian Kenny (website)
- Bruno Brum
- Bruno de Abreu
- Caco Ishak
- Carlito Azevedo
- Carlos Andrea
- Cecilia Cavalieri
- Cory Arcangel
- Craig Brown (Common Dreams)
- Cristian De Nápoli
- Cultura e barbárie
- Cus de Judas (Nuno Monteiro)
- Damien Spleeters
- Daniel Saldaña París
- Daniel von Schubhausen
- Dennis Cooper
- Dimitri Rebello
- Dirceu Villa
- Djoh Wakabara
- Dorothee Lang
- Douglas Diegues
- Douglas Messerli
- Dummy Magazine
- Eduard Escoffet
- Erico Nogueira
- Eugen Braeunig
- Ezequiel Zaidenwerg
- Fabiano Calixto
- Felipe Gutierrez
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- Hugo Milhanas Machado
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