sexta-feira, 22 de agosto de 2008

As vanguardas vivas

Publiquei ontem na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. um texto sobre o poeta belga/flamengo Paul de Vree, que fez parte dos poetas que retomaram as estratégias est-É-ticas das primeiras vanguardas, após as catástrofes históricas das duas guerras mundiais. Esta postagem, com poemas sonoros e visuais, une-se às outras da revista, sobre poetas como Rosmarie Waldrop, Ghérasim Luca, Henri Chopin, Bob Cobbing.

É um prazer imenso, ligado a necessidades e princípios pessoais, seguir mostrando trabalhos das vanguardas do início do século XX e dos grupos que retomaram suas estratégias a partir da década de 50, crendo que nelas residem algumas das melhores possibilidades de aprendizagem para os jovens poetas que estão a surgir no país, os interessados em uma investigação da conjunção entre estética e ética. Discordamos com veemência, justamente pelas implicações est-É-ticas do debate, de poetas que abusam de conceitos como "trans-historicidade", que nada têm a ver com sincronia histórica, para retornarem a parâmetros que levam a uma prática de elefantíase semântica, metaforização arcaica, preciosismo vocabular e exotismos típicos do decadentismo do fim do século XIX, reestabelecendo dualismos e dicotomias que os artistas mais interessantes do século XX combateram. Obviamente, esta discussão só pode ser conduzida nestes termos a partir da crença na historicidade do fazer poético. Não é apenas uma discussão formal, mas também uma discussão sobre as funções milenares da poesia. Conversar sobre as funções milenares da poesia nada tem a ver com render-se ao utilitarismo capitalista contemporâneo. Uma das belezas da poesia está justamente no fato dela ser inútil e ao mesmo tempo sempre ter tido funções muito claras e nobres nas comunidades.

Enquanto isso, em outras partes do mundo, os grupos de experimentação e vanguarda seguem e sucedem-se. Não me refiro apenas ao grupo da revista L=A=N=G=U=A=G=E (de poetas extremamente politizados como Ron Silliman, Bruce Andrews e Charles Bernstein, acompanhados de perto pela gender-guerrilha de Rosmarie Waldrop, Lyn Hejinian e Susan Howe), do fim da década de 70 e início de 80, o que já questiona o discurso de Haroldo de Campos no ensaio de que abusam tais poetas de hoje, sobre a suposta poesia pós-utópica, "ensaio" que acaba se tornando um manifesto da retaguarda.


O alívio existe no fato de que muitos poetas e grupos de poetas seguem adotando estratégias das chamadas vanguardas históricas, como os jovens poetas MULTIMEDIEVAIS europeus contemporâneos (como Anne-James Chaton, Jörg Piringer, Joachim Montessuis, Eduard Escoffet, Nathalie Quintane, Maja Ratkje, Julien Blaine, Christophe Fiat, Nora Gomringer, entre tantos outros) ou, como outro exemplo, os dois grupos de vanguarda americanos atualmente mais conhecidos: o da Conceptual Poetry e o grupo da flarf poetry, inicialmente ligado à Flarflist Collective, do qual eu destacaria o poeta Michael Magee. Num exemplo de "kindred spirits", estes poetas renovam certas estratégias de DADA, de forma parecida à de poetas que a Modo de Usar & Co. aprecia e publica, tanto vivos como já mortos, sem mencionar as googlagens de Angélica Freitas, autora que já liguei em um ensaio a poetas como Christian Morgenstern e Hans Arp.

Se este debate todo estivesse apenas ligado à decisão sobre quais poetas passarão a integrar secretarias de governos e diretorias de instituições culturais públicas, assim como o dinheiro de bancos também públicos ou privados para eventos literários, tudo não passaria de picuinha entre egos de poetas. No entanto, são as implicações est-É-ticas deste debate que guiam a veemência crítica que parece seguir sendo necessária.

Apesar de poetas essenciais para o debate terem morrido cedo demais, como Ana Cristina César (1952 - 1983), Paulo Leminski (1944 - 1989) ou Philadelpho Menezes (1960 - 2000), há ainda no Brasil, felizmente, poetas vivos que seguem dedicando sua atenção a estas questões, de formas obviamente distintas, como Augusto de Campos, Sebastião Nunes, Glauco Mattoso, Horácio Costa, Ricardo Aleixo, Arnaldo Antunes, Marcos Siscar ou Carlito Azevedo, entre outros.

Assim como, à sua própria maneira, meus queridos companheiros Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia, ou outros jovens poetas como Dirceu Villa, Laura Erber, Marcelo Sahea, Diego Vinhas, Gabriel Beckman, Walter Gam, Eduardo Jorge, Izabela Leal ou Juliana Krapp, para ficar apenas entre os que estão mais próximos do meu campo de visão e audição. Vale também avisar, antes que a fobia das listas de nomes espirale alguns em histeria: trata-se de debate e não de proposta de cânone.

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Como antídoto contra o veneno das mordidas de bestas difásicas sedentas por hegemonia, diante de uma poesia de penduricalhos semânticos, nossa defesa de uma POESIA POVERA é uma resistência possível, por suas implicações est-É-ticas. Ainda há vivos e mortos com quem aprender:


("La mémoire", poema sonoro de Gil J. Wolman /1929 - 1995/)

§§§


Eduard Escoffet, vivo-da-silva, apresentando-se em Berlim)

§§§


"Alphabet of fishes", de Bob Cobbing (1920 - 2002)

§§§


(poema de Sebastião Nunes, vivo-da-silva em Belo Horizonte)

§§§

Her wound apologizes —
In public — Like a Sailor —
Permeating the postwar years
“Like a” throbbing — Hangover —

Excuse — to show His ass — in Public —
Like a “Good Idea” —
And this goes ON and ON and ON
Like a courtier —


(from "My Angie Dickinson", poema de Michael Magee, membro do grupo Flarf)

§§§


During a drunken argument in Brussels, Verlaine
shot at Rimbaud, hitting him once in the wrist On 10
July 1875, in a drunken quarrel in Brussels,
Verlaine shot Rimbaudin the wrist, and was
imprisoned for two years at Mons. Together again in
Brussels in the summer of that year, Verlaine shot
Rimbaud in the wrist following a drunken argument.
Verlaine, drunk and desolate, shot Rimbaud in the
wristwith a 7mm pistol after a quarrel. At one
point, the tension between them became so great
that Verlaine shot Rimbaud in the wrist. about 2
o'clock,when M. Paul Verlaine, in his mother's
bedroom, fired a shot of revolver. the subject of
various books, films, and curiosities, ended July
12, 1873 when a drunken Verlaine shot at Rimbaud and
injured him in the wrist. Verlaine shot Rimbaud in a
fit of drunken jealousy.


"Love", uma googlage de Angélica Freitas)

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2 comentários:

Anônimo disse...

caro Ricardo,

os debates sempre são necessários! receio que as noções de "reacionário" e "revolucionário" possam ser re-pensadas, trazidas pro seu uso cotidiano. Sou radicalmente contra os ideais de "trans-historicidade", aliás, nosso investimente deve ir de encontro a esse tipo de nefasta influência que faz da poesia uma maquiagem blasé sobre a própria língua, o que politicamente é nocivo, sem contar no âmbito do "artístico", se é que é possível pensá-lo fora do esquadro do político. Não é, amigo?

Ah, eu incluiria Paulo Henriques Britto, em seu resgate pelo cotidiano, na sua lista de poetas brasileiros.

Abraço,
L.

Ricardo Domeneck disse...

Luiz,

palavras como "reacionário" e "revolução" têm realmente cargas muito pesadas e preciso tomar cuidado com elas. De qualquer forma, queria dizer que a lista de poetas ao final do texto não se quer canônica ou exaustiva, muito menos totalitária. Já mencionei o trabalho de Paulo Henriques Britto em outros momentos, você sabe que respeito muito o trabalho dele. Conheci-o em Berlim, no Festival de Poesia, e foi um prazer encontrá-lo.

Quanto a um debate fora do "esquadro do político", já seria uma discussão mais complicada. Tento enfatizar o conceito de est-É-tica. Como leitor de Benjamin e Wittgenstein, você sabe o que quero dizer. Muitos entendem minha preocupação política como se fosse crítica marxista ou estudo sociológico, mas não é o caso, ainda que eu aprenda muito com poetas como Ron Silliman e Bruce Andrews ou críticos como Fredric Jameson, que demonstram uma formação política bastante específica. Geralmente prefiro a intervenção de mulheres como Susan Howe e Lyn Hejinian.

Que o debate é necessário e é a única atuação possível para um poeta neste campo, deveria ser mais evidente.

Grande abraço do Ricardo.

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