Quando ele disse isso, não me surpreendi muito. Lembrei-me imediatamente de uma outra situação, em que outro amigo aqui em Berlim disse, quando a conversa descarrilhou para literatura, e então poesia, sem o menor pudor: "Detesto poesia... com Heine como única exceção." Em seu ABC of Reading, se não me engano, Heinrich Heine é um dos poucos alemães a quem Pound menciona com certo apreço.

É interessante que, em outros países, os poetas alemães "privilegiados" sejam os de outra linhagem. Pois, talvez em um mundo de hegemonia literária sobre o poético, unida à busca do que João Cabral de Melo Neto chamava de meditabúndio da poesia profunda, "poeta que canta" tenha se tornado metáfora para o vate apenas, daquele que parece estar sempre a um passo do órfico. E o órfico, em nossa cultura, passou a ser associado a um único ato: a descida ao Hades. Ou seja, na língua alemã, a linhagem de Novalis, Hölderlin, Rilke, Celan.
É como se o mundo esperasse de germânicos que eles se entregassem tão-somente ao metafísico, ao abstrato, ao eixo da transcendência, nunca ao plano da carnalidade.

Florian Pühs apresenta-se hoje em nossa intervenção semanal Berlin Hilton, com sua banda Herpes. Uma das minhas canções favoritas de sua banda chama-se "Neue Dresdener Schule", em que Puehs toma os primeiros versos do poema "Nachtgedanken", de Heine: "Denk ich an Deutschland in der Nacht / Dann bin ich um den Schlaf gebracht", versos tristes e ambíguos de Heine, em que a idéia de "pensar na Alemanha à noite" traz tanto o sonho, quanto o pesadelo, com "todos os que afundam às covas", como escreve Heine adiante, no poema. O contexto político da escrita de Heine desapareceu, mas repetir-se-ia de forma constante nas décadas e décadas que se seguiram na Alemanha.
Florian Pühs reatualiza o contexto político, retirando do poema, no entanto, toda nostalgia de exilado, fazendo da canção algo de resistência interna, daquele que fica para resistir à "Vaterland", dando à canção, com sarcasmo, o nome de "Neue Dresdener Schule", como é conhecida certa associação alemã em que resistem ideais fascistas.
(HERPES - "Neue Dresdener Schule",
gravado em Leipzig, janeiro de 2009)
Hoje à noite, na Berlin Hilton:

Nenhum comentário:
Postar um comentário