Mostrando postagens com marcador política. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador política. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Stuart Hall fala sobre o livro "Policing the Crisis" (1978)


.

R.I.P. Stuart Hall (1932 - 2014).

Resta seu legado, que me parece extremamente atual, e é um possível guia pelo labirinto brasileiro hoje, em especial o volume colaborativo Policing the Crisis (1978).

.
.
.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Ibn Sahl & Lorca. O sexo. A idade. A morte. De poetas e seus leitores.


Aos atuais e futuros assassinos nossos

Este texto começou como uma celebração dos poetas Ibn Sahl e Lorca, e foi, ao longo do fim de semana, após as últimas notícias da República Federativa, transformando-se em outra coisa, entre o ponto do choro e o do vômito.



Descobrir um texto do jovem poeta Abu Ishaq Ibrahim Ibn Sahl al-Isra’ili al-Ishbili, ou apenas Ibn Sahl, dito de Sevilha, porque ali nasceu em 1212, no al-Andalus. Ler seu poema.

Muitas vezes um belo rapaz de lábios rubros
me pergunta sorrindo: – qual a tua religião?
Eu lhe respondo: em teu amor encontro minha fé,
meu paraíso, meu Deus e minha eternidade.



(Tradução de Paulo Azevedo Chaves, in Nus. Editora Comunicarte, 1991).


Ler que era judeu homossexual convertido ao Islã, de quem o regente almorávida de Ceuta, Abu Ali Ibn Khallas, diria quando morto num naufrágio: "a pérola retornou ao mar". Pensar então em Federico García Lorca, na mesma Andaluzia, agora sob domínio cristão, escrevendo 700 anos depois.

El amor duerme en el pecho del poeta
Federico García Lorca

Tú nunca entenderás lo que te quiero 
porque duermes en mí y estás dormido. 
Yo te oculto llorando, perseguido
por una voz de penetrante acero.

Norma que agita igual carne y lucero 
traspasa ya mi pecho dolorido
y las turbias palabras han mordido 
las alas de tu espíritu severo.

Grupo de gente salta en los jardines
esperando tu cuerpo y mi agonía
en caballos de luz y verdes crines.

Pero sigue durmiendo, vida mía.
Oye mi sangre rota en los violines.
¡Mira que nos acechan todavía!



Pensar em rapazes de lábios rubros que me tiraram o fôlego. Como aquele berlinense dentre os favoritos, que foi batizado, por seus pais, Lorcan. Lorcan?! Como não o celebrar como príncipe, não de forma arcana, mas lorcanamente?



Ricardo  Domeneck - "Lorcan" (2010)


Ciúmes
Ana Cristina Cesar

Tenho ciúmes deste cigarro que você fuma 
Tão distraidamente


Perceber então que os dois poetas morreram com a mesma idade. Ibn Sahl em 1251, Lorca em 1936, ambos com cerca de 38 anos de idade. Perceber que eu próprio estou quase com 38. Escrever, em inglês e português, versinhos de desespero amuado.


RSVP
Ricardo Domeneck

Ey pesar, chico, boy oh boy, 
you are so real, it´s surreal. 
I'm as old as Lorca, Ibn Sahl, 
as they died. Please, hurry.


:

Ey pesar, chico, boy oh boy,
és tão real, parece surreal.
Tenho a idade de Ibn Sahl
e Lorca mortos. Vem, corre.




Ver que menino, em persa, é pesar. Pensar que apropriado. Todo amuado na vida individual.

Mas então ler a notícia de que outro adolescente homossexual foi torturado e assassinado no Brasil este fim de semana. Sentir-se imerso, para além da solidão pessoal, na vida de outros. Na morte de outros. Pensar nos direitos humanos na República. Não a de Catulo, mas a minha, onde, cidadão, sou meteco, membro de segunda categoria. Escrever outro poema de desespero amuado, entre o ponto do choro e o do vômito.


Hino à Bandeira
Ricardo Domeneck

Recebe o afeto que se encerra
em meu peito putanil, querido,
este címbalo da nossa guerra.

Não é à toa que colegas persas
a clamar vocativos a meninos
vocalizavam aquele Ey pesar.

Dos pênis eretos, ponte pênsil
que une amores sim místicos
pelo épico de nosso epidídimo

a um Eros que chega, perpassa
todas as lágrimas geográficas
a inundar a nossa casta poesia.

Séculos depois, gosto de pensar
em Lorca, naquela Andaluzia,
dizer Ey pesar, que mono estás!

einem Buben, to a boy, un chico,
ciente de Ibn Sahl e Jack Spicer
a mirar por meus olhos meninos:

declarar este nosso ato vingativo
a vós que vos fazeis açougueiros
de príncipes, persas e brasileiros.



Perceber que eu tenho quase a idade dos poetas quando mortos. Pensar em outros que chamo de parapatriarcas. Frank O´Hara e Jack Spicer mortos aos 40. Pensar que outros de minha laia morreram ainda mais cedo. Mario Faustino, Ana Cristina Cesar.

Mas que muitos de nós foram mortos, torturados, enforcados, condenados à morte por servir a um Eros talvez tão-só reflexivo, sem escrever poemas que nos fizessem lamentá-los. Sentir uma penúria enorme, uma vontade de atiçar-se e acender-se em fogo perante um Congresso, um Parlamento, uma Igreja. Escrever mais versinhos de desespero amuado.


Certidão de ineficiência
Ricardo Domeneck

No trigésimo-sétimo de minha anuidade,
marinando no próprio suor, estirado
num colchão, a barba já cinza,
cansado de livros e filmes,
como os dias, um após o outro, as mãos
doloridas da ninharia de Onan
que entretem por minutos a ciência
de todos os usos mais lúcidos
do corpo, percebo que me foi dado 
o mesmo tempo que tiveram 
Cruz e Sousa, Radnóti, Maiakóvski, Lorca,
ainda assim mais que outros. E daí? 
Não há linha de chegada, não há troféu, 
que imbecilidade 
seria me comparar ao sucesso 
destes que hoje são ossos e obras
completas. 

Houve um tempo em que cria
que sobreviveria 
se passasse dos trinta e dois 
por ser a idade em que alguns favoritos 
fizeram o check-out
Augusto dos Anjos, Pedro Kilkerry,
para mencionar apenas os que compartilharam
comigo desta terra que ora os cobre,
e vejo que qualquer faixa etária 
é boa para a morte
e garante farta companhia de poetas.

Fui útil, funcional, coringa da comunidade,
moringa lacrimal? Só enxuguei o choro
onde devia ter tolhido a lágrima pelo corte
conjunto da cabeça, distraí por segundos
o que talvez
estivesse desperto para as manchetes
do jornal e quase a tirar da bainha
a parúsia, mas meus lullabies
poetizados tão-só
o mandaram de volta ao sofá.
Mesmo os punti luminosi 
pessoais, que assíduo 
coletei e colhi, eram coisa baça, baça.
O tempo pedia contenção de energia.
O tempo queria a ironia do pássaro
já acostumado com a gaiola,
que só canta 
por doubles entendres
para não ofender 
o captor.



Este pequeno artigo começou como uma celebração. Mas, como? Sentir-se inútil, a grande inutilidade da poesia, aquela propagandeada por poetas, em geral homens que respondem, nos formulários do censo, com o X nas caixas apropriadas, corretas. Casado e caucasiano. Ser apenas a palmeira, furiosa e vertical. Fechar-se entre quatro paredes, como quer a população dominante, para que não perturbemos a criação e educação de seus filhos e filhas, os que estão sendo cuidadosamente preparados para se tornarem os nossos futuros assassinos.





Ricardo Domeneck, Bebedouro, estado de São Paulo, 16 de julho de 2014.



Este texto é dedicado a Kaique Augusto e  Alexandre Ivo, in memoriam




.
.
.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Poema dedicado a Nadezhda Tolokonnikova, Yekaterina Samutsevich & Maria Alyokhina


Nadezhda Tolokonnikova, Yekaterina Samutsevich & Maria Alyokhina, 
da banda Pussy Riot




O anjo agachado 

             a Nadezhda Tolokonnikova, Yekaterina Samutsevich & Maria Alyokhina

Sobre uma desgraça, outra.
Eterno retorno e catástrofe,
já não há espaço entre teto 
e monturo para aquele Anjo 
Novo. Ele, torcicolo, manco 
há muitos séculos. Exemplo:
os russos. Estes enxergam 
no escuro, pois só o escuro 
os olha. Ao fim das células
-cone, a luz adiante no túnel 
é um trem. Rasputin, Stálin,
de certo Nicolau II a Putin.
Quiçá piore tudo um putsch.

Que importa, se pode
seguir lendo Tchecov.
A isso nós chamamos
democracia pós-Muro.
Se uma rebelião-pussy
contra os machos-alfa
vier, que ela nos traga
à "Origem do Mundo".
Mas os falos que falam
nos mantêm mudos.
"Que globo, meu Deus!",
disse eu, feito um rato,
e voltei a roer as unhas.


Ricardo Domeneck, Berlim, 9 de agosto, 2012.


.

.
.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A falta que faz uma voz: dentro de um quadro pintado por Anonymous Porsche. Dedicado a Milton Santos



O Brasil, copiando sempre bem o Mundo, parece invariavelmente caminhar à beira do abismo. Pelo menos, certamente desde a Invasão Portuguesa e o genocídio que desencadeou, permitindo-nos falar agora deste conjunto de crimes com nome luzidio. À beira do abismo? Para muitos dos povos que viviam neste território, que hoje chamamos com pompa de República Federativa do Brasil, o fim do mundo já ocorreu há séculos. Um apocalipse de matança, doença (nossos pais inventaram a Guerra Biológica), tortura e escravidão que faria inveja a Hieronymus Bosch, este que tampouco vislumbrou nosso próprio Inferno hodierno, que melhor seria pintado por um possível Anonymous Porsche. A cada época, o seu terror. A nossa parece carregar o tom cínico que a pinta como puro progresso e desenvolvimento. Mas às custas de quem? De quantos? Será possível que certos canastrões do Futurismo eram mais que falsos profetas? Neste momento que parece crucial para a possível (des)instituição de uma verdadeira democracia no país; com os atos de um Governo Federal cego à destruição que está disposto a fazer sobrecair sobre povos que sobreviveram aos sucessivos apocalipses impingidos desde Lisboa, o Rio de Janeiro e agora Brasília; em atas e atos que deveriam ser inexprimíveis em seu horror e ainda assim encontram aconchego na mais burocrática e falsamente jurídica das linguagens a sair da pena dos detentores do poder judicial, legislativo, executivo e midiático nesta nossa República pós-imperial de aberrações; neste momento, nesta noite, sem saber sequer entoar um canto de guerra numa língua resistente, eu-preso a línguas colonialistas que foram usadas para tanto horror neste território ao qual ora me dirijo; eu-preso volto-me à falta que certas mulheres e homens nos fazem, mortos; insistindo porém que não se trata de glorificação do passado, pois bem sei que ainda há mulheres e homens pensando e agindo no País, e sabendo que o discurso crítico corrente, de que os grandes já estão mortos, não passa de estratégia para silenciar o pensamento dos vivos; mas hoje, com um desespero legítimo ao ler e reler textos sobre esta coisa a que foi dado o nome de Belo Monte e no qual reconheço veramente apenas o pico do iceberg ou quiçá sintoma avançado de uma distopia infernal; aqui, agora, eu peço licença aos leitores deste espaço para dedicar esta página e este momento à voz de um homem que nos deixou, e peço que façam esta dádiva a suas próprias mentes, dando um pouco do seu tempo esta noite à voz que carrega seu pensamento, o de Milton Santos, em um dos vídeos abaixo.



"Globalização: O Mundo Visto do Lado de Cá", de Silvio Tendler, com Milton Santos. 

 §

   

.

sábado, 14 de julho de 2012

"Marat/Sade" (1967) - Weiss/Mitchell/Brook




Trata-se de um daqueles momentos em que tudo coopera para a criação de uma obra excepcional. O texto brilhante do dramaturgo alemão Peter Weiss (1916 – 1982), conhecida como Marat/Sade (1963), ou, em seu título completo, A Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat encenado pelos internos do Hospício de Charenton sob direção do Marquês de Sade (em alemão: Die Verfolgung und Ermordung Jean Paul durch die dargestellt Marats Schauspielgruppe des Hospizes zu unter Charenton Anleitung des Herrn de Sade). Ao texto genial, une-se a tradução para o inglês de um poeta tão bom quanto injustamente ignorado, o britânico Adrian Mitchell (1932 – 2008), com sua sensibilidade histórico-política aproximando-o do autor do texto original. Não consigo imaginar poeta britânico melhor preparado para a tarefa. E, last but not least, a encenação e direção do genial Peter Brook (n. 1925), com atores como os brilhantes Patrick Magee, Glenda Jackson, Ian Richardson e Clifford Rose

Assisti ao filme pela primeira vez em 1998, no Cinusp, o pequeno cinema dentro da Universidade de São Paulo. Eu tinha 21 anos e lá estava cursando Filosofia na FFLCH. Foi um verdadeiro furacão político-poético em minha mente e me marcou profundamente. Considero esta noite, em que vi este filme, ainda um dos punti luminosi da minha vida mental (outro, entre alguns poucos, foi a noite em que assisti com minha amiga Lígia Borges à peça Vozes Dissonantes, de Denise Stoklos). Anos mais tarde pude ler o original alemão de Weiss, aumentando ainda mais minha admiração por este texto central da poesia e teatro do século XX. Há pouco, redescobri o filme na íntegra na Rede e o revi, percebendo que não perdeu sua força para minha imaginação. Quis, tive que o compartilhar aqui. Recomendo-o com todas as minhas forças. Parece-me atualíssimo e mui necessário para a poesia/pensamento brasileiro atual.

 

.

terça-feira, 10 de julho de 2012

As perguntas que Miguel Conde, curador da FLIP 2012, infelizmente não encontrou tempo para responder



A Deutsche Welle publicou ontem meu artigo opinativo sobre a parca presença de mulheres entre os autores convidados pela FLIP em geral e neste ano. Pude apenas de leve apresentar também o problema da parquíssima presença de autores de fora do âmbito cultural europeu e norte-americano, assunto ao qual voltarei em breve, num artigo aqui neste espaço. Já espalhei o artigo "Com poucas autoras, Flip não reflete a produção literária atual" por algumas redes sociais. Ele será republicado aqui, em forma expandida, em alguns dias. Achei por bem, em primeiro lugar, publicar aqui minha tentativa de entrevista com o curador deste ano, o jornalista Miguel Conde. Estive em contato com a assessoria de imprensa da FLIP entre os dias 13 de junho e 25 de junho, por correio eletrônico e telefone. Devo dizer que a assessoria de impresa, através da A4 Comunicação, foi extremamente educada e prestativa, ainda que o contato tenha se tornado mais difícil após o envio de minhas perguntas, que podem ser lidas abaixo. Segundo a assessoria, Miguel Conde estava ocupado demais com os preparativos da festa que se aproximava, e não estava mais encontrando tempo para qualquer entrevista. Imagino que o teor de minhas perguntas também não tenha ajudado. De minha parte, tratava-se de honestidade, deixando claro desde o princípio que tipo de abordagem eu faria sobre a curadoria, sem qualquer intenção de publicar um artigo celebratório, mas consciente e crítico. Busco com esta discussão, insisto, simplesmente colaborar com a melhora de um evento que me parece sim importante, mas que só poderá realmente causar um impacto tanto na Literatura como na sociedade brasileira, se se livrar de certo elitismo, não de qualidade literária, mas socioeconômico, de gênero, de etnia, tanto em sua curadoria como em sua organização e acesso. Abaixo, minha mensagem à assessoria de imprensa e as perguntas que eu tentei fazer chegar ao curador Miguel Conde. Publico-as aqui pois as considero boas introduções e resumos aos problemas que venho discutindo nesta série de artigos sobre a FLIP.


18 de junho de 2012.

Mensagem à Assessoria de Imprensa da FLIP 2012.


Meu artigo pretende abordar a pequena presença de autoras na programação da FLIP nos últimos 10 anos e especialmente na edição de 2012. Quando iniciei a série de artigos (já escrevi sobre a presença algo limitada de poetas numa feira que tem um Grande Poeta como homenageado), dos 40 autores apenas 5 eram mulheres. Hoje, quando o número de autores subiu para 44, são 7 mulheres, contando obviamente Laerte Coutinho entre elas. É um dos números mais baixos em toda a história do evento.

Pretendo ainda analisar a presença não-europeia e não-americana na Festa. Portanto, trata-se de uma entrevista e, principalmente, a oportunidade do curador para comentar a situação antes do artigo ser publicado na Deutsche Welle.

Minhas perguntas seriam, dessarte, estas:

1- Caro Sr. Conde, a História da FLIP tem sido marcada por uma parca presença de autoras na programação. Este ano, com sua curadoria, o evento chegou a uma de suas porcentagens mais baixas nestes termos. Ao iniciar meu trabalho, eram 5 entre 40. Hoje, 13 de junho de 2012, a programação apresenta 7 autoras (incluo aqui Laerte Coutinho) entre 44. Esta minúscula presença feminina na FLIP deste e de outros anos, em sua opinião, reflete verdadeiramente a produção literária de qualidade no mundo hoje, ou apenas espelha as políticas editoriais brasileiras? A que o senhor creditaria esta mínima presença de autoras em sua curadoria para a FLIP 2012?

2- O evento deste ano homenageia Carlos Drummond de Andrade, um dos grandes poetas brasileiros do século XX. Segundo seu texto de apresentação, "Embora hoje seja considerado um clássico, por muito tempo Drummond recebeu críticas duras de pessoas para as quais o que ele escrevia não merecia nem mesmo ser chamado de poesia." Pude contar 10 poetas entre os 44 convidados até o momento. O senhor diria que a porcentagem é adequada, num ano que tem um poeta como homenageado, e seria possível dizer que a seleção de sua curadoria buscou encontrar hoje no país aqueles que neste momento estão expandindo o conceito de poesia contemporânea?

3- O número de autores de fora do âmbito cultural europeu e norte-americano da FLIP, e especialmente este ano, é baixíssimo. Talvez apenas o poeta Adonis e o prosador Teju Cole possam ser realmente considerados autores de fora do âmbito europeu ou americano. Há escritores com histórico de imigração, é certo, mas sendo imigrantes ou filhos de imigrantes vivendo nos Estados Unidos ou Reino Unido. Não conheço sua formação e quantas línguas domina, mas não seria possível dizer que se trata de uma responsabilidade grande demais para um único curador, com formação linguística específica, preparar a programação de um evento que se chama Festa Literária INTERNACIONAL? Como se deu o processo de seleção?

4- De acordo com as respostas às perguntas acima, eu pediria que o senhor comentasse se é realmente possível chamar o evento de Festa Literária Internacional, ou se tem se mostrado mais como uma festa demasiado dependente do mercado editorial brasileiro e das traduções disponíveis no mercado.

abraço,

Ricardo Domeneck

.
.
.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Lula e Maluf: um acerto de mãos





Um acerto de mãos

Aos poucos, tanto pulso
que dita como reivindica
confundem-se no fundo
sem vilões e sem puros
da História: arte narrativa.

Cerradas, mãos se agitam
no ar. Depende da boca,
porém, o que significam
a lobos e ovelhas passivas
em conluio na mesma toca.

Ora Lula e Maluf dão
-se os punhos, um novo
pacto (o eterno retorno)
de apoio e não-agressão.
Tudo em nome do polvo,

os interesses do polvo
são supremos. Limites?
Mas o que são limites?
Limites são coisas
para os lemingues.


Rocirda Demencock, com os movimentos peristálticos na contramão, 21 de junho de 2012.

.
.
.

sábado, 2 de junho de 2012

Como estão sendo tratados na Rússia seus cidadãos homossexuais

Eu pretendia escrever aqui sobre o início do Festival de Poesia de Berlim ontem à noite. Mas após ver este vídeo, com as prisões de ativistas dos direitos humanos – da parcela homossexual da Humanidade vivendo hoje na Rússia, não pude celebrar coisa alguma. As filmagens foram feitas no dia 27 de maio, em Moscou, quando ativistas tentaram protestar contra as leis homofóbicas pululando hoje no país.


 

.
.
.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Pensando sobre o trabalho de Adrienne Rich, seu contexto e suas implicações


Ao ler a poesia de Adrienne Rich pela primeira vez, no fim do século passado, ela não captou muito do meu interesse. À época eu estava preocupado e interessado demais em outros aspectos do fazer poético, pesquisando a instância experimental e particularmente antidiscursiva dos poetas norte-americanos, extremamente diversos entre si, ligados à Black Mountain College, como Charles Olson, Robert Creeley, John Cage ou Robert Duncan; os poetas da Escola de Nova Iorque, especialmente Frank O´Hara e John Ashbery, com sua poética pós-dadaísta; e, numa geração posterior, a pesquisa de autoras associadas à revista
L=A=N=G=U=A=G=E, especialmente Lyn Hejinian, Rosmarie Waldrop e Susan Howe.

Voltei a ler o trabalho de Adrienne Rich por volta de 2006, ano em que dediquei muito do meu tempo à leitura de crítica, ao ler o livro Self and Sensibility in Contemporary American Poetry (1984), do crítico norte-americano Charles Altieri, no qual faz uma discussão longa e elaborada sobre os papeis socioculturais que a poesia lírica pode ainda assumir em nossa era. Nele, o crítico discute três poetas de forma mais detida: Robert Creeley, num capítulo intitulado "Robert Creeley´s poetics of conjecture: the pains and pleasures of staging a self at war with its own lyric desires"; John Ashbery, no capítulo "John Ashbery: discursive rhetoric within a poetics of thinking"; e nossa poeta em questão, no capítulo "Self-reflection as action: the recent work of Adrienne Rich". Charles Altieri aponta ali John Ashbery e Adrienne Rich como aqueles que melhor cumpriram algumas das funções ainda possíveis para o poeta como voz comunitária no pós-guerra norte-americano. O livro, polêmico em suas asserções, afirmaria que a poesia de Robert Creeley seria falha neste aspecto. Como escrevi em minha pequena nota sobre Rich para a Modo de Usar & Co., não me subscrevo às opiniões do crítico, mas recomendo o livro como discussão bastante interessante e inteligente sobre os dilemas que poetas líricos enfrentam nos dias de hoje. Naquele momento, o que me interessava era a maneira como Ashbery, munido de uma poética muitas vezes tão antidiscursiva, podia assumir tais funções aos olhos do crítico.

Foi apenas mais recentemente, pesquisando sobre poetas que lidaram em sua poesia com a conturbada relação GENDER/GENRE, que retornei a Adrienne Rich. Vejamos um dos seus poemas mais famosos, o que dá título a seu primeiro livro importante, Diving into the wreck (1973):

Diving into the Wreck
Adrienne Rich

First having read the book of myths,
and loaded the camera,
and checked the edge of the knife-blade,
I put on
the body-armor of black rubber
the absurd flippers
the grave and awkward mask.
I am having to do this
not like Cousteau with his
assiduous team
aboard the sun-flooded schooner
but here alone.

There is a ladder.
The ladder is always there
hanging innocently
close to the side of the schooner.
We know what it is for,
we who have used it.
Otherwise
it is a piece of maritime floss
some sundry equipment.

I go down.
Rung after rung and still
the oxygen immerses me
the blue light
the clear atoms
of our human air.
I go down.
My flippers cripple me,
I crawl like an insect down the ladder
and there is no one
to tell me when the ocean
will begin.

First the air is blue and then
it is bluer and then green and then
black I am blacking out and yet
my mask is powerful
it pumps my blood with power
the sea is another story
the sea is not a question of power
I have to learn alone
to turn my body without force
in the deep element.

And now: it is easy to forget
what I came for
among so many who have always
lived here
swaying their crenellated fans
between the reefs
and besides
you breathe differently down here.

I came to explore the wreck.
The words are purposes.
The words are maps.
I came to see the damage that was done
and the treasures that prevail.
I stroke the beam of my lamp
slowly along the flank
of something more permanent
than fish or weed

the thing I came for:
the wreck and not the story of the wreck
the thing itself and not the myth
the drowned face always staring
toward the sun
the evidence of damage
worn by salt and away into this threadbare beauty
the ribs of the disaster
curving their assertion
among the tentative haunters.

This is the place.
And I am here, the mermaid whose dark hair
streams black, the merman in his armored body.
We circle silently
about the wreck
we dive into the hold.
I am she: I am he

whose drowned face sleeps with open eyes
whose breasts still bear the stress
whose silver, copper, vermeil cargo lies
obscurely inside barrels
half-wedged and left to rot
we are the half-destroyed instruments
that once held to a course
the water-eaten log
the fouled compass

We are, I am, you are
by cowardice or courage
the one who find our way
back to this scene
carrying a knife, a camera
a book of myths
in which
our names do not appear.



A estratégia aqui, numa linguagem imagético-discursiva e extremamente direta, ainda que se entregue a certas circunvoluções metafóricas, é claramente formada por escolhas bastante distintas das de poetas que começaram a escrever à mesma época, como Lyn Hejinian e Rosmarie Waldrop. Vejamos dois textos destas últimas, especificamente de
My Life (Hejinian) e Lawn of excluded middle (Waldrop):


The windows were open and the morning air was, by the smell of lilac and some darker flowering shrub, filled with the brown and chirping trills of birds. As they are if you could have nothing but quiet and shouting. Arts, also, are links. I picture an idea at the moment I come to it, our collision. Once for a time, anyone might have been luck's child. Even rain didn't spoil the barbecue, in the backyard behind a polished traffic, through a landscape, along a shore. Freedom then, liberation later. She came to babysit for us in those troubled years directly from the riots, and she said that she dreamed of the day when she would gun down everyone in the financial district. That single telephone is only one hair on the brontosaurus. The coffee drinkers answered ecstatically. If your dog stays out of the room, you get the fleas. In the lull, activity drops. I'm seldom in my dreams without my children. My daughter told me that at some time in school she had learned to think of a poet as a person seated on an iceberg and melting through it. It is a poetry of certainty. In the distance, down the street, the practicing soprano belts the breeze. As for we who "love to be astonished," money makes money, luck makes luck. Moves forward, drives on. Class background not landscape--still here and there in 1969 I could feel the scope of collectivity. It was the present time for a little while, and not so new as we thought then, the present always after war. Ever since it has been hard for me to share my time. yellow of that sad room was again the yellow of naps, where she waited, restless, faithless, for more days. They say that the alternative for the bourgeoisie was gullibility. Call it water and dogs. Reason looks for two, then arranges it from there. But can one imagine a madman in love. Goodbye; enough that was good. There was a pause, a rose, something on paper. I may balk but I won't recede. Because desire is always embarrassing. At the beach, with a fresh flush. The child looks out. The berries are kept in the brambles, on wires on reserve for the birds. At a distance, the sun is small. There was no proper Christmas after he died. That triumphant blizzard had brought the city to its knees. I am a stranger to the little girl I was, and more--more strange. But many facts about a life should be left out, they are easily replaced. One sits in a cloven space. Patterns promote an outward likeness, between little white silences. The big trees catch all the moisture from what seems like a dry night. Reflections don't make shade, but shadows are, and do. In order to understand the nature of the collision, one must know something of the nature of the motions involved--that is, a history. He looked at me and smiled and did not look away, and thus a friendship became erotic. Luck was rid of its clover.

My Life, Lyn Hejinian.

§


It’s a tall order that expects pain to crystallize into beauty. And we must close our eyes to conceive of heaven. The inside of the lid is fertile in images unprovoked by experience, or perhaps its pressure on the eyeball equals prayer in the same way that inference is a transition toward assertion, even observing rites of dawn against a dark and empty background. I have read that female prisoners to be hanged must wear rubber pants and a dress sewn shut around the knees because uterus and ovaries spill with the shock down the shaft.

Lawn of excluded middle, Rosmarie Waldrop.


Estou ciente de que os dois livros de Hejinian e Waldrop são posteriores (1984 e 1993, respectivamente) ao de Rich, mas as diferenças aqui vistas marcam o trabalho das poetas. A indeterminação, para usar expressão de uma crítica como Marjorie Perloff que já ironizou a poética imagético-discursiva de outras poetas como Adrienne Rich, é o que comanda a atenção composicional de Hejinian e Waldrop, buscando uma intervenção política mais na maneira como uma mulher usa a língua que naquilo que é dito ou na ironia contra a imagética geralmente usada para definir a sensibilidade feminina, esta última estratégia a que Adrienne Rich prefere. No trabalho de uma poeta como Bernadette Mayer, que já discuti algumas vezes aqui, talvez encontremos um ponto de equilíbro entre estas estratégias, como no grande poema "Eve of Easter", que Mayer lê no vídeo abaixo a 26 de abril de 1978:



No entanto, imagino que para uma poeta-ativista como Adrienne Rich, tais estratégias parecessem demasiado oblíquas. Basta lermos seu discurso ao aceitar o National Book Award de 1974, justamente pelo livro Diving into the wreck, escrito a seis mãos com Alice Walker e Audre Lorde, esta última ainda mais direta na batalha (peço aos homens brancos heterossexuais que pensem duas vezes antes de enviar mensagens ou comentários protestando - já que são sempre homens brancos heterossexuais que protestam nestes momentos):





Audre Lorde (1934 – 1992) , que também assinou o discurso/manifesto acima, teve um papel muito importante neste debate durante a segunda metade do século XX, denunciando o que a seu ver seria uma espécie de miopia racial dentro do discurso feminista, acusando feministas brancas de ignorarem diferenças entre as experiências de mulheres de grupos étnicos e sexuais distintos.





O poema de Adrienne Rich habilmente escolhido e traduzido por Ismar Tirelli Neto (leia-o ao final desta postagem), que publicamos esta semana na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., talvez seja um exemplo perfeito para demonstrar a qualidade do trabalho de Adrienne Rich a partir de suas escolhas de intervenção. Sua linguagem faz-me pensar no belo poema precursor de Mina Loy, "The Effectual Marriage or the Insipid Narrative of Gina and Miovanni":


The Effectual Marriage or the Insipid Narrative of Gina and Miovanni (excertos)
Mina Loy

(...)

In the evening they looked out of their two windows
Miovanni out of his library window
Gina from the kitchen window
From among his pots and pans
Where he so kindly kept her
Where she so wisely busied herself
Pots and Pans she cooked in them
All sorts of sialagogues
Some say that happy women are immaterial

So here we might dispense with her
Gina being a female
But she was more than that
Being an incipience a correlative
an instigation of the reaction of man
From the palpable to the transcendent
Mollescent irritant of his fantasy
Gina had her use Being useful
contentedly conscious
She flowered in Empyrean
From which no well-mated woman ever returns

(...)

While Miovanni thought alone in the dark
Gina supposed that peeping she might see
A round light shining where his mind was
She never opened the door
Fearing that this might blind her
Or even
That she should see Nothing at all
So while he thought
She hung out of the window
Watching for falling stars
And when a star fell
She wished that still
Miovanni would love her tomorrow
And as Miovanni
Never gave any heed to the matter
He did
(...)

Os trabalhos de poetas como Mina Loy e Muriel Rukeyser têm sido aos poucos reivindicados como precursores de tantas destas intervenções, por críticas como Marjorie Perloff (que escreveu longamente sobre Loy) e por poetas como Rachel Blau DuPlessis ou a própria Adrienne Rich, que viria a escrever sobre a última: "Rukeyser was one of the great integrators, seeing the fragmentary world of modernity not as irretrievably broken, but in need of societal and emotional repair." Talvez como o de outros poetas da década de 30 norte-americana, geração tão politizada e ativista quanto a brasileira, britânica e alemã da mesma década, o trabalho de Rukeyser, como o de Rexroth e Patchen, por exemplo, parecem sofrer do mesmo silêncio que por anos caiu sobre George Oppen e Louis Zukofsky, até que os poetas do pós-guerra os reivindicaram como mestres.

Satirizando um dos clichês sobre mulheres, numa intervenção sutil na política dos gêneros como a que Clarice Lispector também faria, Muriel Rukeyser escreveu seu "St. Roach", ou "Sta. Barata":

St. Roach
Muriel Rukeyser

For that I never knew you, I only learned to dread you,
for that I never touched you, they told me you are filth,
they showed me by every action to despise your kind;
for that I saw my people making war on you,
I could not tell you apart, one from another,
for that in childhood I lived in places clear of you,
for that all the people I knew met you by
crushing you, stamping you to death, they poured boiling
water on you, they flushed you down,
for that I could not tell one from another
only that you were dark, fast on your feet, and slender.
Not like me.
For that I did not know your poems
And that I do not know any of your sayings
And that I cannot speak or read your language
And that I do not sing your songs
And that I do not teach our children
to eat your food
or know your poems
or sing your songs
But that we say you are filthing our food
But that we know you not at all.

Yesterday I looked at one of you for the first time.
You were lighter that the others in color, that was
neither good nor bad.
I was really looking for the first time.
You seemed troubled and witty.

Today I touched one of you for the first time.
You were startled, you ran, you fled away
Fast as a dancer, light, strange, and lovely to the touch.
I reach, I touch, I begin to know you.


Adrienne Rich publicaria ainda os livros Twenty-one Love Poems (1976), The Dream of a Common Language (1978), A Wild Patience Has Taken Me this Far (1982), Sources (1983), Your Native Land, Your Life (1986), Time’s Power (1989), An Atlas of the Difficult World (1991), Dark Fields of the Republic (1995), Midnight Salvage (1999), Fox (2001), The School Among the Ruins (2004), Telephone Ringing in the Labyrinth (2007) e o último Tonight No Poetry Will Serve (2010). Adrienne Rich morreu a 27 de março de 2012, aos 82 anos, em Santa Cruz, Califórnia.

Encerro esta postagem com o EXCELENTE poema traduzido por Ismar Tirelli Neto e dois vídeos com a autora.







§

§

POEMA DE ADRIENNE RICH

Instantâneos de Uma Nora

1.

Você, uma vez a bela de Shreveport,
cabelos tingidos de hena, a pele como pêssego,
ainda manda fazer vestidos como os que se usavam então,
e toca um prelúdio de Chopin
chamado por Cortot: “Deliciosas reminiscências
flutuam como perfume pela memória”.

Sua mente agora, mofando como bolo de casamento,
pesada de experiências inúteis, pródiga
em suspeitas, rumores, fantasias,
desmoronando sob o fio
do mero fato. Na primavera da vida.

Inquieta, o olhar faiscante, sua filha
limpa as colheres de chá, cresce para outro lado.

2.

Dando com a cafeteira na pia
ela escuta o reproche dos anjos, e fita
o céu desgrenhado para além de jardins impecáveis.
Não faz mais de uma semana desde que disseram: Não tenha paciência.

Da próxima foi: Seja insaciável.
E depois: Salve-se. Aos demais, não poderá salvar.
Por vezes tem deixado a água da torneira lhe escaldar o braço,
um fósforo queimar-lhe a unha do dedão,

ou posto a mão sobre a chaleira
bem na lã do vapor. São provavelmente anjos
posto que já nada a magoa, excetuando
a areia de cada manhã indo de encontro aos olhos.

3.

Uma mulher pensante dorme com monstros.
O bico que a agarra, ela se torna. E a Natureza,
este ainda cômodo, destampado baú
cheio de tempora e mores
enche-se de tudo: …………… as flores de laranjeira cobertas de orvalho,
os contraceptivos, os terríveis seios
de Boadiceia sob orquídeas e cabeças chatas de raposa.

Duas belas mulheres, trancadas em discussão,
ambas orgulhosas, argutas, sutis, ouço que gritam
por sobre a maiólica e os cacos de vidro
como Fúrias encurraladas para longe de suas presas:
A discussão ad feminam, todos os velhos punhais
que enferrujaram em minhas costas, o seu adentro
ma semblable, ma soeur!

IV.

Conhecendo-se bem demais uma na outra
seus dons sem puro desfrute, mas espinhos
a agulha afiada contra uma ponta de escárnio…
Lendo enquanto espera
aquecer o ferro,
escrevendo, Minha vida – encostada pelos cantos
naquela despensa em Amherst enquanto as geleias fervem e escumam,
ou, com maior frequência,
de olhos fitos e embicada e obstinada como uma ave,
tirando poeira a todo o triquetraque da vida cotidiana.

5.

Dulce ridens, dulce loquens
ela depila as pernas até brilharem
como petrificadas presas de mamute.

6.

Quando canta Corina a seu alaúde
não são dela nem letra nem música;
somente os longos cabelos descaindo-se
sobre a bochecha, somente a canção
da seda contra os joelhos,
e mesmo estes
ajustam-se nos reflexos de um olho.

Empertigada, trêmula e insatisfeita, ante
uma porta destrancada, a jaula das jaulas,
diga-nos, sua ave, sua trágica máquina –
será isto fertilisante douleur? Esmagada
pelo amor, para ti a única reação natural,
estarás acirrada a ponto
de arrombar os segredos do cofre? a Natureza,
nora, mostrou-te enfim os livros de contabilidade
que seu próprio filho sempre ignorou?

7.

Ter neste incerto mundo alguma posição
inabalável é
da maior importância.
…………………………………….Assim escreveu
uma mulher, em parte boa e em parte audaz,
que lutou com o que não compreendia de todo.
Poucos homens a seu redor teriam feito mais,
portanto a rotularam puta, megera, engodo.

8.

Morreis todos aos quinze anos”, disse Diderot,
mudando-se metade em lenda, metade em convenção.
No entanto, olhos sonham equivocamente
por detrás de janelas fechadas, empastadas de vapor.
Deliciosamente, tudo o que poderíamos ter sido,
tudo o que fomos – fogo, lágrimas,
espírito, gosto, ambição martirizada –
agita-se como a lembrança do adultério recusado
o seio murcho e esvaziado de nossa “meia idade”.

9.

Não que se faça bem, mas
que se faça e ponto? Pois bem, pense
nas possibilidades! ou ignore-as para sempre.
Estes luxos da criança precoce,
a querida inválida do Tempo –
abdicaríamos, minhas caras, se nos fosse dado?
Nossa praga foi também nossa sinecura:
mero talento nos bastava –
brilho em rascunhos e fragmentos.

Não mais suspirem, minhas senhoras.
………………………………………………………..O tempo é macho
e em suas taças bebe ao belo.
Divertidas pelo galanteio, ouvimos
enquanto nos louvam as mediocridades,
indolência lida como abnegação,
desleixo lido como intuição refinada,
cada deslize perdoado, o único crime sendo
estampar uma sombra demasiado notável
ou sumariamente destruir o molde.

Para isso, a solitária,
o gás lacrimogênio, os estilhaços.
Poucas pleiteam este tipo de honra.

13.

……………………………………………………….Bom,
ela posterga sua chegada, que lhe deve parecer
tão pouco clemente quanto a própria história.
A mente cheia ao vento, vejo-a mergulhar
de seios e relanceando pelas correntezas,
tomando a luz sobre si,
pelo menos tão bela quanto qualquer menino
ou helicóptero,
…………………………………………..empertigada, chegando ainda,
suas finas hélices fazendo o ar recuar
mas sua carga
já nenhuma promessa:
entregue
palpável
nossa.

1958 – 1960

(tradução de Ismar Tirelli Neto)

§

Snapshots of a Daughter-in-Law

1.

You, once a belle in Shreveport,
with henna-colored hair, skin like a peachbud,
still have your dresses copied from that time,
and plays a Chopin prelude
called by Cortot: “Delicious recollections
float like perfume through the memory”.

Your mind now, moldering like wedding-cake,
heavy with useless experience, rich
with suspicion, rumor, fantasy,
crumbling to pieces under the knife-edge
of mere fact. In the prime of your life.

Nervy, glowering, your daughter
wipes the teaspoons, grows another way.

2.

Banging the coffee pot into the sink
she hears the angels chiding, and looks out
past the raked gardens to the sloppy sky.
Only a week since They said: Have no patience.

The next time it was: Be insatiable.
Then: Save yourself; others you cannot save.
Sometimes she’s let the tapstream scald her arm,
a match burn to her thumbnail,

or held her hand above the kettle’s snout
right in the wooly steam. They are probably angels,
since nothing hurts her anymore, except
each morning’s grit blowing into her eyes.
3.

A thinking woman sleeps with monsters.
The beak that grips her, she becomes. And Nature,
that sprung-lidded, still commodious
steamer-trunk of tempora and mores
gets stuffed with it all: ………………….. the mildewed orange-flowers
the female pills, the terrible breasts
of Boadicea beneath flat foxes’ heads and orchids.

Two handsome women, gripped in argument,
each proud, subtle, I hear scream
across the cut glass and majolica
like Furies cornered from their prey:
The argument ad feminam, all the old knives
that have rusted in my back, I drive in yours,
ma semblable, ma soeur!

4.

Knowing themselves too well in one another:
their gifts no pure fruition, but a thorn,
the prick filed sharp against a hint of scorn…
Reading while waiting
for the iron to heat,
writing, My life had stood – a Loaded Gun –
in that Amherst pantry while the jellies boil and scum,
or, more often,
iron-eyed and beaked and purposed as a bird,
dusting everything on the whatnot every day of life.
5.

Dulce ridens, dulce loquens
she shaves her legs until they gleam
like petrified mammoth-tusk.

6.

When to her lute Corinna sings
neither words nor music are her own;
only the long hair dipping
over her cheek, only the song
of silk against her knees
and these
adjusted in the reflection of an eye.

Poised, trembling and unsatisfied, before
an unlocked door, that cage of cages,
tell us, you bird, you tragical machine –
is this fertilisante douleur? Pinned down
by love, for you the only natural action,
are you edged more keen
to prise the secrets of the vault? has Nature shown
her household books to you, daughter-in-law,
that her son never saw?
7.

To have in this uncertain world some stay
which cannot be undermined, is
of the utmost consequence.
………………………………………………Thus wrote
a woman, partly brave and partly good,
who fought with what she partly understood.
Few men about her would or could do more,
hence she was labeled harpy, shrew and whore.

8.

You all die at fifteen”, said Diderot,
and turn part legend, part convention.
Still, eyes inaccurately dream
behind closed windows blankening with steam.
Deliciously, all that we might have been,
all that we were – fire, tears,
wit, taste, martyred ambition –
stirs like the memory of refused adultery
the drained and flagging bosom of our middle years.

9.

Not that it is done well, but
that it is done at all? Yes, think
of the odds! or shrug them off forever.
This luxury of the precocious child,
Time’s precious chronic invalid, –
would we, darlings, resign it if we could?
Our blight has been our sinecure:
mere talent was enough for us –
glitter in fragments and rough drafts.

Sigh no more, ladies.
………………………………Time is male
and in his cups drinks to the fair.
Bemused by gallantry, we hear
our mediocrities over-praised,
indolence read as abnegation,
slattern thought styled intuition,
every lapse forgiven, our crime
only to cast too bold a shadow
or smash the mold straight off.

For that, solitary confinement,
tear gas, attrition shelling.
Few applications for that honor.

10.

……………………………………………………………..Well,
she’s long about her coming, who must be
more merciless to herself than history.
Her mind full to the wind, I see her plunge
breasted and glancing through the currents,
taking the light upon her
at least as beautiful as any boy
or helicopter,
…………………………………………………poised, still coming,
her fine blades making the air wince
but her cargo
no promise then:
delivered
palpable
ours.

1958 – 1960

Arquivo do blog