sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Dez dias para a literatura no Berlimbo

Terminou no último domingo o Internationales Literaturfestival Berlin, que trouxe algumas dezenas de homens e mulheres das letras do globo para o Berlimbo, algo como a FLIP alemã. Como o foco recai sobre o que nossos queridos contemporâneos chamam de Literatura e esperam que haja ouvidos presentes nas salas de leituras, há todos os anos pouquíssimos poetas entre os convidados, prosadores em sua maioria. Sejamos justos: como Berlim já tem o seu próprio festival de poesia, o Poesiefestival Berlin, considerado o maior da Europa, talvez seja natural que o festival de literatura traga mais prosadores. Entre as jovens "estrelas", compareceram o italiano Paolo Giordano, a alemã Judith Hermann, a indiana Arundhati Roy, o irlandês Colm Tóibín, entre outros tantos que eu não saberia reconhecer.

Percorrendo a lista de convidados, naturalmente minhas pupilas se dilataram em frente dos nomes de dois poetas: a americana Susan Howe e o francês Jacques Roubaud que, por coincidência ou não, liam na mesma noite, Roubaud às 18:00 e Howe às 19:30.

Jacques Roubaud nasceu em 1932, é poeta, ensaísta e matemático. No Brasil, foi publicado um de seus livros mais conhecidos, o Quelque chose noir (Paris: Gallimard, 1986), lançado pela Editora Perspectiva, com tradução de Inês Oseki-Depré sob o título Algo: preto. Nos Estados Unidos, o livro foi traduzido por Rosmarie Waldrop e publicado como Some thing black. Já conhecia a tradução brasileira e a americana, mas não havia lido o "original" francês, portanto comprei a simpática edição da Gallimard sendo vendida à entrada da sala em que Roubaud leria.




Não se tratava de uma leitura solo, no entanto. O evento trazia, na verdade, escritores franceses ligados ao OuLiPo, como é o caso de Roubaud. Estavam ainda presentes os autores Hervé Le Tellier, Frédéric Forte, Olivier Salon e Marcel Bénabou.

Onde estás :
............................quem?

Sob a lâmpada, cercada de preto, disponho-te :

Em duas dimensões

Preto cai

Sob os ângulos. quase uma poeira :

Imagem sem espessura voz sem espessura

A terra

............................que te esfrega

O mundo

............................do qual nada mais te separa

Sob a lâmpada. na noite. cercado de preto. contra a porta.



(Jacques Roubaud em tradução de Inês Oseki-Depré)


Susan Howe nasceu em 1937, é artista visual, poeta e ensaísta. Associada ao grupo ligado à revista L=A=N=G=U=A=G=E, estreou em livro em 1974, com o volume Hinge Picture, mas viria a se tornar muito conhecida a partir da publicação do lindíssimo My Emily Dickinson, um dos livros de crítica mais criativos e apaixonados que já li, em um país onde os poetas dedicam grande parte de seu talento poético à crítica de seus mentores, como é o caso de Louis Zukofsky com Bottom: on Shakespeare (1963) ou Charles Olson com Call me Ishmael (1947).


Trecho de My Emily Dickinson (1985):

Emily Dickinson once wrote to Thomas Wentworth Higginson; "Candor--my Preceptor--is the only wile." This is the right way to put it. In his Introduction to "In the American Grain" [1925], William Carlos Williams said he had tried to rename things seen. I regret the false configuration--under the old misappellation--of Emily Dickinson. But I love his book.

The ambiguous paths of kinship pull me in opposite ways at once.

As a poet I feel closer to Williams' writing about writing, even when he goes haywire in "Jacataqua," than I do to most critical studies of Dickinson's work by professional scholars. When Williams writes: "Never a woman, never a poet.... Never a poet saw sun here," I think that he says one thing and means another. A poet is never just a woman or a man. Every poet is salted with fire. A poet is a mirror, a transcriber. Here "we have salt in ourselves and peace one with the other."

When Thoreau wrote his Introduction to A Week on the Concord and Merrimack Rivers, he ended by remembering how he had often stood on the banks of the Musketaquid, or Grass-ground River English settlers had re-named Concord. The Concord's current followed the same law in a system of time and all that is known. He liked to watch this current that was for him an emblem of all progress. Weeds under the surface bent gently downstream shaken by watery wind. Chips, sticks, logs, and even tree stems drifted past. There came a day at the end of the summer or the beginning of autumn, when he resolved to launch a boat from shore and let the river carry him.

Emily Dickinson is my emblematical Concord River.

I am heading toward certain discoveries....


(Susan Howe, My Emily Dickinson, 1985)


Escrevi sobre Susan Howe para a Modo de Usar & Co., por ocasião do lançamento da tradução de Antonio Sergio Bessa para o volume Pierce-Arrow. Você pode ler meu artigo e outros poemas de Howe AAQQUUII.


Em Tintagel Iseult apruma-se
no meio da escada a meio
simbolismo chiaroscuro
Revelaria ela o matiz fónico
humano por marginália o
amor mêdo atração relutante
cansaço bruto real
fato predestinado pela
queda fobia sem diálogo
Tintagel miséria de filosofia
aqui óbvia mudança aqui
mudança vem como crua
onda adorno determinista
Sua alma sua vala


(Susan Howe em tradução de Antonio Sergio Bessa)


Tomei a oportunidade para comprar alguns livros de Howe, quase todos reuniões de livros anteriores. Agora tenho em mãos os volumes Frame Structures (1996) ::: que reúne seus primeiros livros: Hinge Picture (1974) , Chanting at the Crystal Sea (1975), Cabbage Gardens (1978) e Secret History of the Dividing Line (1979):::; The Europe of Trusts (1990) ::: que reúne os volumes Pythagorean Silence (1982), Defenestration of Prague (1983) e The Liberties (1983) :::; The Nonconformist’s Memorial (1993) ::: que reúne o textos "The Nonconformist’s Memorial", "Silence Wager Stories", "A Bibliography of the King’s Book, or Eikon Basilike" e "Melville’s Marginalia" :::; e, finalmente, The Midnight (2003) ::: que reúne os livros Bed Hangings I + II (2001 e 2002), os inéditos Scare Quotes I + II e Kidnapped (2002):::.

Delícia.

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3 comentários:

Gabriel disse...

Ricardo, gostaria de saber quais autores vc indica pra quem quer se aprofundar nessa visao integrada de forma-funcao-contexto.
abs

Ricardo Domeneck disse...

Caro Gabriel,

eu diria, em primeiro lugar, que esta preocupação crítica, que busca analisar não apenas a forma, mas também a função que esta desempenha em um determinado contexto, é algo que pode e deveria ser aplicado a todo escritor e poeta. Procurei fazer isso, por exemplo, no ensaio em que discuto o USO que vários autores fizeram da FORMA da sextina, discutindo-a em Arnaut Daniel, Dante Alighieri, Luís de Camoes e Ezra Pound, argumentando que a forma da sextina assume uma função distinta em cada um dos CONTEXTOS destes autores.

Você pode ler meu artigo aqui:

http://ricardo-domeneck.blogspot.com/2009/05/feira-de-sextinas-as-sextas-feiras.html


Há vários críticos que trabalham com isso. Sugeriria sempre a leitura de Walter Benjamin, por exemplo, assim como o grande Hugh Kenner, seja no massivo "The Pound Era" ou no pequeno e genial "The Mechanic Muse".

Entre os críticos vivos, sugeriria a leitura de Marjorie Perloff, ainda que nem sempre ela atinja a acuidade dos dois citados acima. No Brasil foi publicado o bom "A escada de Wittgenstein", ainda que, se o assunto é Wittgenstein, imploro que você leia o próprio, em especial as "Investigações filosóficas". No Brasil, há ensaios muito argutos de Alfredo Bosi, por exemplo, em "O ser e o tempo da poesia", em especial o ensaio "Poesia resistência".

grande abraço,

Domeneck

Gabriel disse...

ricardo, o q vc acha das opinioes de octavio paz em "o arco e a lira"?
vou procurar os textos q vc indicou.
obrigado!
o seu blog é um estímulo para tds nós.

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