Trilha sonora para a postagem.
"Turn Turn Turn", The Byrds.
Particularmente interessado em: "A time to weep, and a time to laugh; a time to mourn, and a time to dance;" ou "Tempo de chorar e tempo de rir; tempo de lamentar e tempo de dançar;"
Para voltar àquela minha insistência de que há propósitos diversos para o trabalho poético, com parâmetros e exigências específicas. E se Orfeu desceu ao Hades, ele também dava suas aulas de agricultura. Parece haver quem imagina que a poesia pode ser "respeitável" apenas como o relatório de uma noche oscura del alma, o que varreria do mapa Edward Lear, Christian Morgenstern, e.e. cummings, Hans Arp, Oswald de Andrade e vários outros. E estou tratando aqui apenas dos poetas escritores e poetas visuais. Se pensarmos nos poetas orais ou poetas cantores, torna-se ainda mais complexa a teia de propósitos.
Precisamos do órfico e dos que estão dispostos a molhar os dedos dos pés no Lete, mas Eurídice não requer resgate todo dia útil. Os hinos de Novalis, os cantares de Hopkins e as elegias de Rilke têm o seu momento e o seu preço, mas venerar o monumento que é o choro de Lear (1606) não nos impede de apreciar os chistes de Lear (1812 - 1888).
Há aquelas horas da noite em que o peito pesa (e não me refiro aqui a sagging breasts) e buscamos algo nas palavras de poetas como Gerard Manley Hopkins:
I am gall, I am heartburn. God's most deep decree
Bitter would have me taste: my taste was me;
Bones built in me, flesh filled, blood brimmed the curse.
Selfyeast of spirit a dull dough sours. I see
The lost are like this, and their scourge to be
As I am mine, their sweating selves; but worse.
Há também as manhãs ensolaradas em que o peito está airado e preferimos palavras de poetas como Edward Lear:
On the top of the Crumpetty Tree
The Quangle Wangle sat,
But his face you could not see,
On account of his Beaver Hat.
For his Hat was a hundred and two feet wide,
With ribbons and bibbons on every side
And bells, and buttons, and loops, and lace,
So that nobody every could see the face
Of the Quangle Wangle Quee.
§
O celestial Antônio Vieira e o infernal Gregório de Matos compartilharam oxigênio. Tampouco se trata de uma tentativa de encurralá-los em esquinas opostas do ringue.
O ano tem tempo para as flores e tempo para os frutos. Porque não terá também o seu Outono a vida? As flores, umas caem, outras secam, outras murcham, outras leva o vento; aquelas poucas que se pegam ao tronco e se convertem em fruto, só essas são as venturosas, só essas são as que aproveitam, só essas são as que sustentam o Mundo. Será bem que o Mundo morra à fome?
Antônio Vieira, "Sermão da sexagésima".
.
Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar
por quem de mim não tem mágoa?
verdades direi como água
porque todos entendais,
os ladinos e os boçais,
a Musa praguejadora.
Entendeis-me agora?
Gregório de Matos, "Senhora Dona Bahia"
§
Muitos momentos históricos permitem a existência de bons poetas com propósitos e parâmetros distintos. Não estou pregando "ecletismo" ou louvando algum tipo de "crítica democrática". Há muita baboseira sendo publicada no Brasil hoje, e já deixei muito claras e fiz públicas minhas discordâncias mais veementes. Estar criticamente alerta implica também saber em que momentos nossos parâmetros críticos nos impedem de reconhecer a qualidade existente fora da cerca do nosso quintal.
Vieira e Matos no Brasil, John Donne com os metaphysical poets e Robert Herrick com os cavalier poets na Inglaterra do mesmo século, há vários exemplos de coteries isoladas de poetas.
A hymn to love
I will confess
With cheerfulness,
Love is a thing so likes me,
That, let her lay
On me all day,
I'll kiss the hand that strikes me.
I will not, I,
Now blubb'ring cry,
It, ah! too late repents me
That I did fall
To love at all--
Since love so much contents me.
No, no, I'll be
In fetters free;
While others they sit wringing
Their hands for pain,
I'll entertain
The wounds of love with singing.
With flowers and wine,
And cakes divine,
To strike me I will tempt thee;
Which done, no more
I'll come before
Thee and thine altars empty.
Robert Herrick
.
trecho de "Farewell to love", de John Donne:
Whilst yet to prove,
I thought there was some deity in love
So did I reverence, and gave
Worship, as atheists at their dying hour
Call, what they cannot name, an unknown power,
As ignorantly did I crave:
Thus when
Things not yet known are coveted by men,
Our desires give them fashion, and so
As they wax lesser, fall, as they size, grow.
§
As "Duineser Elegien" (Elegias de Duíno) tiveram um grande impacto sobre mim quando as li, seguem sendo textos muito importantes no meu espaço mental. Mas penso também, em vários momentos, com muita graça em Hans Arp, que escreveu, no mesmo período em que Rainer Maria Rilke compunha a duras penas suas 10 elegias, aquela que é a maior sátira da vanguarda contra o "elegíaco", em sua série "Die Schwalbenhode", que traduzi como "Textículos do pássaro", publicada na Modo de Usar & Co. impressa e mais tarde na eletrônica (leia AAQQUUII).
§
Pessoalmente, sigo apreciando poemas que destilam tristeza com um tipo de humor baseado em self-deprecation. Não é qualquer um que o pode fazer. Algo como o poeta que finge que não é dor a dor que talvez até sinta.
§
Postei hoje na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. um artigo sobre a poeta carioca Elisabeth Veiga (n. 1941), que publicou em 2002 um dos livros acordados dos últimos anos, intitulado Sonata para pandemônio (Aeroplano: Rio de Janeiro, 2002). Li seus poemas pela primeira vez na antologia Pontes/Puentes, que reunia textos como este "Algias":
Algias
Elegia 1
Já repeti o antigo encantamento
e só o cimento respondeu,
rastro de cinzas de maçã vencida,
desvestígio de gosto,
estanque julho que moeu vindimas
e deixou no espaço seu vinagre branco.
Onde havia um deus
os dias emboloram nuvens
de estrita agonia antepassada
que se olha no espelho
antes do adeus.
Inexiste, não soa, o que havia
fixou-se atrás da mente:
fim estalado de fotografia.
É agosto seco. É hoje e nunca houve.
Alergia 2
Já repeti o velho encantamento
e o antigo deus Xipanto não azarou
na minha gleba de piche solferina.
Peguei o convescote, as sandálias murchas
e mudei de travesseiro lírico,
para afinar meu sambão em outros infernos.
Elisabeth Veiga, Sonata para pandemônio (Aeroplano: Rio de Janeiro, 2002)
§
Ela é uma das "Elisabeths" no meu poema "Drag queen", que está incluído no meu Sons: Arranjo: Garganta, no eterno prelo.
Drag Queen
na aprendizagem dos ganhos
pela arte da subtração
(oh, how
elizabeth bishop
of you)
acordei meio porta-luvas
& todas as mãos
compareceram à cerimônia
(oh, how
elisabeth veiga
of you)
ao confiar-me aos sete
dias de jericó
desmoronando aos pés
do sim e de las vegas
(oh, how
elizabeth fraser
of you)
pois
ninguém me arranha
ninguém me cospe
ninguém me chama
de kate moss
(oh, how
elisabeth chamber
of you)
§
O que por sua vez me traz à memória uma outra Elisabeth desaparecida, em um texto que eu gostaria muito de ouvir sendo oralizado, imagino que seja a melhor aplicação para ele:
A Elisabeth foi-se embora
Eu que já fui do pequeno-almoço à loucura
eu que já adoeci a estudar morse
e a beber café com leite
não posso passar sem a Elisabeth
por que é que a despediu senhora doutora?
que mal me fazia a Elisabeth?
eu só gosto que seja a Elisabeth
a lavar-me a cabeça
não suporto que a senhora doutora me toque na cabeça
eu só venho cá senhora doutora
para a Elisabeth me lavar a cabeça
só ela sabe as cores os cheiros a viscosidade
de que eu gosto nos shampoos
só ela sabe como eu gosto da água quase fria
a escorrer-me pela cabeça abaixo
eu não posso passar sem a Elisabeth
não me venha dizer que o tempo cura tudo
contava com ela para o resto da vida
a Elisabeth era a princesa das raposas
precisava das mãos dela na minha cabeça
ah não haver facas que lhe cortem o
pescoço senhora doutora eu não volto
ao seu anti-séptico túnel
já fui bela uma vez agora sou eu
não quero ser barulhenta e sozinha
outra vez no túnel o que fez à Elisabeth?
a Elisabeth foi-se embora
é só o que tem para me dizer senhora doutora
com uma frase dessas na cabeça
eu não quero voltar à minha vida
Adília Lopes, Obra (Mariposa Azul: Lisboa, 2000)
§
Você pode visitar a página dedicada a Elisabeth Veiga na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. clicando AAQQUUII.
§
Encerro esta postagem, com a esperança de mais oxigênio crítico e poético no debate de hoje, com uma outra Elizabeth, esta de outro temperamento, mas tão isabela quanto as outras.
Cheerfulness Taught By Reason
I THINK we are too ready with complaint
In this fair world of God's. Had we no hope
Indeed beyond the zenith and the slope
Of yon gray blank of sky, we might grow faint
To muse upon eternity's constraint
Round our aspirant souls; but since the scope
Must widen early, is it well to droop,
For a few days consumed in loss and taint ?
O pusillanimous Heart, be comforted
And, like a cheerful traveller, take the road
Singing beside the hedge. What if the bread
Be bitter in thine inn, and thou unshod
To meet the flints ? At least it may be said
' Because the way is short, I thank thee, God. '
Elizabeth Barrett Browning
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