Cada festival traz as suas lembranças, os seus contatos com poetas interessantes de países com tradições poéticas que muitas vezes desconhecemos por completo. Jamais me esquecerei dos dias no Festival Latino-americano de Poesia de Buenos Aires, o Salida al Mar, do qual participei em 2006, passando alguns dias preciosos na cidade, com o argentino Cristian De Nápoli e a brasileira Angélica Freitas, além de nossa viagem de ônibus a Bahía Blanca, no sul da Argentina, a leitura com Lucía Bianco e Mario Ortiz que deveria ocorrer no café universitário e acabou acontecendo num bar do outro lado da rua; o festival em Barcelona, quando conheci Nora Gomringer, Monika Rinck e Ann Cotten, três das poetas germânicas mais interessantes da atualidade, também a primeira vez em que fui convidado para um festival como "poeta alemão", o que sempre me pareceu engraçadíssimo; a experiência surreal que foi o Festival de Poesia de Dubai.
Medana foi especial, a hospedagem na casa de famílias dos vinicultores, a organização mais rústica de tudo, os muitos copos de vinho, as leituras ao ar livre, tudo contribuiu para uma experiência menos formal.
Vou tentar comentar alguns dos poetas convidados nas próximas postagens.
Entre os poetas que mais me impressionaram, mencionaria com certeza o russo Aleksandar Skidan, nascido em 1964 na então Leningrado, hoje São Petersburgo. Skidan publicou três coletâneas de poemas e dois livros de ensaios. Por seu último livro de poemas, recebeu o Prêmio Andrei Biéli. Conversamos sobre a poesia brasileira contemporânea, sobre a poesia russa contemporânea, falamos muito sobre Arkadii Dragomoschenko, a quem Skidan chamou de mentor e amigo. Ele ficou muito feliz quando lhe disse que Dragomoschenko era um dos poucos poetas russos contemporâneos conhecidos no Brasil hoje. Especulamos se a relação de tradução que ele mantem com a americana Lyn Hejinian influenciava nisso, já que muito do que conhecemos sobre os russos é filtrado pela tradução para o inglês e francês. Segundo ele, Dragomoschenko seria uma figura de influência subterrânea, uma espécie de outsider, mas muito respeitado na Rússia. Ele disse também coisas interessantes sobre as diferenças entre a cena poética em Moscou e a cena em São Petersburgo. Quando ele me perguntou sobre outros poetas russos vivos conhecidos no Brasil, mencionei Ievgeny Ievtushenko, mas ele então disse, e essas foram as suas palavras, que a Ievtuschenko "ninguém mais leva a sério na Rússia". Skidan presenteou-me com uma cópia de sua antologia poética lançada no ano passado nos Estados Unidos, publicada pela Ugly Duckling Presse (que tem se dedicado a divulgar a poesia do Leste Europeu), intitulada Red Shifting, com prefácio de Arkadii Dragomoschenko. Seus poemas são longas séries, transcrevo a seguir dois fragmentos que se interligam:
the corpse of idleness
labor´s axe
and something of the blood
as though the cup on Easter
and the beloved is knocking with her staff
but when you get a whiff she smells like an old hag
and this is how the motherland mutters and reeks
mutters and reeks
like the unprintable Word
in the black tabloid
*
the true salt of embraces
the scalpel of the scalp
don´t go away
your kisses
and you´re no longer plying out the nails of pages
no stranger gnawing with night´s teeth along the spine
nor the brain blazing
nor the tender smoke
but the earth´s turf
into which - pulling it apart - you enter
let mouth remember mouth
and lips - lips
bitten
Aleksandar Skidan, do poema "Kondratievsky Prospect", translated by Genya Turovskaya,
Red Shifting (New York: Ugly Duckling Presse, 2008)
.
.
.

Um comentário:
Como foi bom encontrar esse espaço aqui. O Brasil é carente da excelente cultura russa. Tirando os clássicos, e uns raros nomes como Maiakovski, é difícil encontrar algo vindo de lá, especialmente em matéria de poesia. Agora já tenho um nome para pesquisar.
Postar um comentário