POEMAS DE ERICH FRIED
Traduções minhas, tomando algumas liberdades,
preparadas para a Modo de Usar & Co.
Ela
Ela devora seus filhos
ela bebe o sangue de seus mortos
ela prega aos surdos
ela desconhece valores superiores
Ela perde o caminho
ela cambaleia de traição em traição
de erro em erro
ela dorme nas derrotas
Que ela é desnecessária
toda criança aprende na escola
que o povo não a deseja
finalmente percebeu o povo
Que ela não pode vencer
foi provado por a + b
Os que o provaram
não dormem muito bem
Os que nela creem
cansam-se às vezes com as dúvidas
alguns que a odeiam
sabem que ela está a caminho
:
Sie
Sie frisst ihre Kinder
sie trinkt das Blut ihrer Toten
sie predigt den Tauben
sie kennt keine höheren Werte
Sie vergisst ihren Weg
sie wankt von Verrat zu Verrat
von Fehler zu Fehler
sie schläft in den Niederlagen
Dass sie unnötig ist
lernt jedes Kind in der Schule
dass das Volk sie nicht will
hat das Volk sich endlich gemerkt
Dass sie nicht siegen kann
ist zehnmal genau bewiesen
die es bewiesen haben
schlafen nicht gut
Die an sie glauben
sind manchmal müde von Zweifeln
einige die sie hassen
wissen sie kommt.
§
Pederastia como arma
Ao garoto que conhecera no cinema
confessou André Gide
na cama ou pela manhã
depois de uma longa noite de sexo:
Você pode dizer aos seus amigos
que você dormiu com um homem famoso
com um escritor
Meu nome é François Mauriac
:
Päderastie als Waffe
Den Knaben die er im Kino getroffen hatte,
gestand André Gide
im Bett, oder am Morgen
nach einer durchliebten Nacht:
Du kannst deinen Freunden sagen,
du hast mit einem berühmten Mann geschlafen,
mit einem Schriftsteller.
Mein Name ist François Mauriac.
§
Limite do desespero
Eu tenho tanto amor por você
que já nem sei mais
se tenho por você tanto amor
ou se tenho mesmo é medo
se tenho mesmo é medo de ver
o que sem você
sobraria de minha vida
ainda em vida
Para que ainda me lavar
para que desejar a saúde
para que ter curiosidades
para que escrever
para que ainda querer ajudar
para que da corrente de mentiras
e horrores ainda irradiar a verdade
sem você
Talvez sim porque você existe
e outros seres ainda
como você haverá
e isso tudo também sem mim
:
Grenze der Verzweiflung
Ich habe Dich so lieb
daß ich nicht mehr weiß
ob ich Dich so lieb habe
oder ob ich mich fürchte
ob ich mich fürchte zu sehen
was ohne Dich
von meinem Leben
noch am Leben bliebe
Wozu mich noch waschen
wozu noch gesund werden wollen
wozu noch neugierig sein
wozu noch schreiben
wozu noch helfen wollen
wozu aus den Strähnen von Lügen
und Greueln noch Wahrheit ausstrählen
ohne Dich
Vielleicht doch weil es Dich gibt
und weil es noch Menschen
wie Du geben wird
und das auch ohne mich
§
Naturalização
Mãos brancas
cabelos ruivos
olhos azuis
Pedras brancas
sangue ruivo
lábios azuis
Ossos brancos
areia ruiva
céu azul
:
Einbürgerung
Weisse Hände
rotes Haar
blaue Augen
Weisse Steine
rotes Blut
blaue Lippen
Weisse Knochen
roter Sand
blauer Himmel
§
Canta-se
Canta-se
de medo
contra o medo.
Canta-se
de fome
contra a fome.
Canta-se
do tempo
contra o tempo.
Canta-se
do pó
contra o pó.
Canta-se
sobre os nomes
a fazer dos nomes o inominável.
:
Einer singt
Einer singt
aus Angst
gegen Angst
Einer singt
aus Not
gegen Not
Einer singt
aus der Zeit
gegen die Zeit
Einer singt
aus dem Staub
gegen die Staub
Einer singt
von den Namen
die Namen namenlos machen
Nota: A palavra alemã Not seria o equivalente a necessidade ou emergência, mas usei fome para manter a concisão.
§
Conflitos entre únicos herdeiros
Meu Marx arrancará as barbas
do teu Marx
Meu Engels quebrará os dentes
do teu Engels
Meu Lênin partirá os ossos
do teu Lênin
Nosso Stálin fuzilará a nuca
do vosso Stálin
Nosso Trótski rachará o crânio
do vosso Trótski
Nosso Mao afogará no Iansequião
vosso Mao
para que ele saia do caminho
da vitória
:
Konflikte zwischen Alleinerben
Mein Marx wird deinem Marx
den Bart ausreißen
Mein Engels wird deinem Engels
die Zähne einschlagen
Mein Lenin wird deinem Lenin
alle Knochen zerbrechen
Unser Stalin wird eurem Stalin
den Genickschuss geben
Unser Trotzki wird eurem Trotzki
den Schädel spalten
Unser Mao wird euren Mao
im Jangtse ertränken
damit er dem Sieg
nicht mehr im Wege steht
§
As mentiras de pernas curtas
As
pernas
das
grandes
mentiras
não
são
sempre
tão
curtas
Mais
curtas
são
mesmo
as
vidas
dos
que
nelas
creram
:
Die Lüge von den kurzen Beinen
Die
Beine
der
grösseren
Lügen
sind
gar
nicht
immer
so
kurz
Kürzer
ist
oft
das
Leben
derer
die
an
sie
glaubten
§
Falta de humor
Os moleques
jogam
de brincadeira
pedras
nos sapos
Os sapos
morrem
de verdade
:
Humorlos
Die Jungen
werfen
zum Spass
mit Steinen
nach Fröschen
Die Frösche
sterben
im Ernst
§
O que é
É louco
diz a razão
É o que é
diz o amor
É desastroso
diz o cálculo
É só dor
diz o medo
É desesperado
diz a inteligência
É o que é
diz o amor
É ridículo
diz o orgulho
É inconsequente
diz o cuidado
É impossível
diz a experiência
É o que é
diz o amor
:
O poema, lido pelo autor.
Was es ist
Es ist Unsinn
sagt die Vernunft
Es ist was es ist
sagt die Liebe
Es ist Unglück
sagt die Berechnung
Es ist nichts als Schmerz
sagt die Angst
Es ist aussichtslos
sagt die Einsicht
Es ist was es ist
sagt die Liebe
Es ist lächerlich
sagt der Stolz
Es ist leichtsinnig
sagt die Vorsicht
Es ist unmöglich
sagt die Erfahrung
Es ist was es ist
sagt die Liebe
Nota: Tomei a liberdade na escolha de usar adjetivos em vez de substantivos, porque me parece muito mais próximo do que falaríamos em português. Quis também buscar soluções diferentes das de tradutores anteriores. Escolhi "desastroso" para "Unglück", pois a palavra traz, em um dicionário, o significado de "infelicidade", mas, na linguagem coloquial alemã,"Unglück" é muito usado no sentido de "Unfall" e "Katastrophe", como em acidentes de automóvel.
§
Erich Fried foi um poeta austríaco, nascido em Viena a 6 de maio de 1921. É um dos mais respeitados tradutores de Shakespeare para a língua alemã, conhecido por sua poesia política e sem dúvida o poeta lírico mais popular da língua no pós-guerra.
Cresceu na capital austríaca, no seio de sua família judia. Em 1938, após a anexação da Áustria pelo Terceiro Reich, seu pai morre depois de um "interrogatório" na sede da Gestapo. O poeta decide emigrar, passando pela Bélgica e estabelecendo-se em Londres, onde viveria vários anos. Durante a Guerra, funda na capital inglesa um grupo de auxílio à emigração de judeus da Áustria, conseguindo, entre tantos outros, salvar a vida de sua mãe. Com 23 anos, em 1944, publica seu primeiro livro, com poemas de resistência ao regime fascista, intitulado Deutschland, ao qual se seguiria outro, dedicado desta vez aos crimes de seu país, intitulado Österreich (1945). Em 1962, retornou a Viena, e no ano seguinte torna-se membro do influente Grupo 47, que viria a marcar o início da carreira de alguns dos mais importantes poetas e romancistas germânicos do pós-guerra com seu prêmio, concedido a Günter Eich, Heinrich Böll, Ilse Aichinger, Ingeborg Bachmann, Adriaan Morriën, Martin Walser, Günter Grass, Johannes Bobrowski, Peter Bichsel e Jürgen Becker.
Em 1977, Erich Fried torna-se professor da Universidade de Giessen, mas logo vê-se envolto em tumulto e críticas por suas declarações sobre a conjuntura política alemã, sendo até mesmo processado após um artigo em que chamava a morte do anarquista Georg von Rauch (1947 - 1971), em um confronto com a polícia em Berlim, de assassinato.
Após anos de escrita política, Erich Fried publica a coletânea de poesia amorosa Liebesgedichte (1979), que se tornaria a mais popular coletânea de poemas do pós-guerra. Mesmo em casas alemãs onde nenhum outro livro de poesia pode ser encontrado nas estantes, é possível encontrar com frequência dois livros: o Buch der Lieder, de Heinrich Heine, e Liebesgedichte, de Erich Fried. A este, se seguiria outro livro de poesía lírica amorosa, chamado Es ist was es ist (1983), com poemas que seriam musicados e se tornariam também bastante conhecidos. Erich Fried morreu em Baden-Baden, a 22 de novembro de 1988, em decorrência de um câncer.
Para um leitor brasileiro, a poesia de Erich Fried soará familiar e poderá ligar-se à de modernistas como Manuel Bandeira (1886 - 1968) e Oswald de Andrade (1890 - 1954). No entanto, com a exceção de certos poemas esparsos de Gottfried Benn (1886 - 1956), especialmente em Morgue (1912), poemas escritos por Bertolt Brecht (1898 - 1956) no seu exílio em Los Angeles durante a Guerra, assim como nos dadaístas (que permaneceram marginais ao cânone) Hans Arp (1886 - 1966) e Kurt Schwitters (1887 - 1948), apenas no Pós-Guerra o uso do coloquial e de certo realismo prosaico se tornariam mais praticados na língua alemã, com poetas como Günter Eich (1907 - 1972), Ernst Jandl (1925 - 2000) ou H.C. Artmann (1921 - 2000). Outros poemas lembrarão a poética esparsa da poesia concreta e neoconcreta.
Traduzi alguns destes poemas há muito tempo, por prazer. Esta postagem não tem a ambição de introduzir um poeta que traga novas técnicas à poesia brasileira contemporânea, mas a de apresentar a um público brasileiro um dos poetas mais amados da língua alemã, com textos cheios de humor e de uma sensibilidade lírica extremamente delicada. Um poeta que esteve fincado em seu tempo e, mais de duas décadas depois de sua morte, ainda é cantado... literalmente cantado. Que ambição maior pode ter um poeta?
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