segunda-feira, 11 de julho de 2011

Traduzido por Aníbal Cristobo e uma conversa com ele sobre poesia

Aníbal Cristobo


Ao longo da última semana, o poeta argentino Aníbal Cristobo apresentou traduções de seis poemas meus em seu blogue, Kriller 71, parte de sua série de postagens semanais de traduções, nas quais já traduziu ao longo de uma semana inteira poemas de brasileiros como Marília Garcia, Carlito Azevedo e Arnaldo Antunes; portugueses como Manuel António Pina; norte-americanos como Kenneth Koch e Mary Jo Bang; ou catalães como Gabriel Ferrater, etc.

Aníbal, como vocês devem saber, nasceu em Buenos Aires, em 1971. Viveu alguns anos no Rio de Janeiro, onde publicou seu primeiro livro Teste da Iguana (1997), ao qual se seguiram Jet-lag (2002) e Krill (2002), reunidos no volume Miniaturas Kinéticas (2005) da coleção de poesia contemporânea Ás de Colete, da Cosac Naify, a mesma pela qual saíram meus dois últimos livros, a cadela sem Logos (2007) e Sons: Arranjo: Garganta (2009). Aníbal vive hoje em Barcelona.



Aníbal Cristobo lê três de seus poemas


Vocês podem ler todas estas traduções feitas por Aníbal seguindo o link abaixo:



Ele também conduziu uma pequena entrevista comigo, traduzida e apresentada ontem. Reproduzo-a abaixo com minhas respostas em português.


Conversa entre Aníbal Cristobo e Ricardo Domeneck, julho de 2011.


AC: Cómo empezaste a escribir poesía?

RD: Respondendo de forma bem prática, foi quando abri os manuais escolares de literatura que encontrei na minha casa (minha mãe é professora) e li os primeiros poemas, misturando tudo, o "Pré-história" de Murilo Mendes e o "Pneumotórax" do Bandeira, aquele soco sarcástico do "Acrobata da dor" de Cruz e Sousa e as "Ideias íntimas" do Augusto dos Anjos com os poemas satíricos do Gregório de Matos. Durante muito tempo o único acesso que tinha à poesia era o de manuais escolares. Eu morava numa cidade pequena, não sabia que era possível comprar livros só de poemas, então eu caçava manuais escolares, lembro-me de como ficava feliz quando eles iam além do Pré-Modernismo ou mesmo do primeiro Modernismo e traziam poemas de Drummond, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles... alguns tinham exemplos da Poesia Concreta e das outras vanguardas brasileiras da década de 50, ou mesmo letras de canções de Caetano Veloso e Chico Buarque. Quando eu encontrava manuais mais completos assim eu ficava em estado de alegria absoluta, especialmente se traziam poemas que eu não conhecia. Antes disso tudo, creio que minha primeira exposição à poesia e à ideia do que era um poeta foi com Vinícius de Moraes e os seus sonetos famosos.

É uma coisa muito louca, mas eu tenho uma memória muito antiga também, criança ainda (eu tinha dez anos), do anúncio do Plantão do Jornal da Globo sobre a morte de Carlos Drummond de Andrade em 1987. É estranho, mas eu me lembro claramente de estar assistindo algo na TV e a programação sendo interrompida para anunciar a morte dele. Eu me lembrava do anúncio da morte de sua filha uma semana antes e me lembro de como aquilo me marcou, minha mãe correndo da cozinha para ouvir a notícia (como ela sempre fazia quando vinha aquela vinheta do Plantão do Jornal da Globo) e dizendo algo como: "Coitado, morreu de tristeza". É uma memória que sempre me acompanhou, não sei o porquê. Eu tinha dez anos, nem sei se já entendia o que era um poeta. Mas o fato dele morrer alguns dias depois da filha, com minha mãe dizendo que ele morrera de tristeza, aquilo ficou na minha cabeça. A situação acabou aparecendo num poema do meu primeiro livro mais tarde.

O primeiro livro de poesia que eu comprei, juntando dinheiro, foi o Eu do Augusto dos Anjos. Lembro de mais tarde ter comprado o Farewell (1996) do Drummond quando saiu, e os volumes com os heterônimos do Pessoa. Comecei a escrever sob o impacto destas descobertas, ainda adolescente, e escrevia pequenos contos também.

AC: Viendo tus poemas nuevos, tengo la sensación de que hay en ellos una mayor narratividad, o una narratividad menos fragmentada que en los libros anteriores. Aún cuando los textos siguen estando permeados por ese espíritu babélico, esa posibilidad de que diversas lenguas, citas y registros puedan irrumpir en ellos, tengo la sensación de que hay una ordenación del caos, desde lo íntimo hacia lo universal, que aparece atravesada por la ironía y la auto-ironía. Te parece que hay algo de cierto en esto?


RD: É sempre tão difícil falar sobre o próprio trabalho sem cair em certas armadilhas, pecados que já cometi demais, mas vamos tentar: houve sim uma mudança, especialmente para quem lê os poemas do meu último livro publicado, Sons: Arranjo: Garganta, e os poemas mais recentes que venho publicando no meu blogue. Correndo o risco de ser auto-explicativo (ou algo pior), eu tentaria falar sobre a mudança da seguinte maneira: especialmente nos poemas do último livro, eu estava muito obcecado com a tentativa de seguir o que eu chamo às vezes de "poética das implicações". Eu não queria que os poemas dissessem algo, meu interesse estava justamente em dar um curto-circuito neste dizer, criando textos que tivessem significado a partir das implicações da maneira como foram compostos. Eu cheguei a trabalhar com tautologias, um fenômeno da linguagem que me fascina, o que para muitos deve parecer uma loucura. Houve quem mencionasse como era impossível citar versos do livro, pois sozinhos eles realmente não faziam o menor sentido. Eu queria mesmo isso, que apenas o conjunto dos versos justapostos funcionasse. Eu acho também que nos meus dois últimos livros, que formam uma especie de álbum duplo pois foram escritos de forma paralela ainda que publicados com 2 anos de intervalo, meu impulso crítico misturava-se completamente à poesia. Talvez por isso eles pareçam frios a algumas pessoas. Às vezes eu acho que, ao passar a escrever crítica propriamente dita na Modo de Usar & Co., eu tenha talvez me libertado da sensação de necessidade de fazer isso nos poemas.

Nos poemas mais recentes, que estou reunindo para o meu próximo livro, minhas vontades mudaram. Eu venho pensando muito em um paradigma ensinado por Pound, quando ele sugere como parâmetro:

"...nada – nada que você não possa, em alguma circunstância, sob a tensão de alguma emoção, realmente dizer."

O que me levou a uma poesia, como você disse, com maior narratividade, talvez, ou menos fragmentada. Mas para dizer de forma bem clara e íntima, eu tenho me perguntado muito: por que eu comecei a escrever poesia? Não foi porque eu li poemas que me emocionaram? Eu acho que apenas voltei a estes poetas. Eu não quero mais correr o risco de escrever poesia apenas para poetas. Eu não quero viver no mito da poesia "inútil". Eu tenho pensado nas funções milenares que os poetas sempre tiveram em suas comunidades. Eu queria muito poder exercê-las, sem qualquer concessão ou facilitação. Pound também falou sobre o bom poema, aquele que entusiasma o especialista e emociona o leitor comum. Hoje em dia, isso me parece um desafio magnífico e eu acredito firmemente que a poesia só poderá voltar a ter seu papel central na cultura se aceitarmos este desafio.


AC: Pero esa definición no dejaría de lado a muchos poetas que te gustan, que leés, traducís, divulgás? Quiero decir, no sería quizás oportuno analizar que es el "lector común"? Un lector de poesía, me parece, ya no es alguien muy "común" -al menos en términos estadísticos. No pensás que otro camino podría ser trazado también desde la educación, formando a las personas en la idea de que la poesía es una actividad más, una manifestación cultural igual a otras que sí son incluidas en la educación, como la música o el dibujo -desarrollando una percepción poética en las personas desde la infancia? Y, finalmente, esa identificación de la poesía con aquello que puede ser dicho, de algún modo, no haría que la poesía se alineara con los "discursos de las certezas", perdiendo buena parte de su capacidad de cuestionar nuestra percepción del lenguaje y de lo real?


RD: Talvez minha última resposta tenha dado a sensação de uma oposição, como se uma coisa excluísse a outra. Vou tentar elaborar um pouco melhor. De qualquer forma, isso é realmente uma perpepção muito pessoal, a partir do meu próprio trabalho. Sabe, eu penso sempre nos trovadores medievais como parâmetro. Havia entre eles, como se sabe, o trobar leu, o trobar ric e o trobar clus. Este equilíbrio, a coexistência entre estas práticas e parâmetros trazia saúde à tradição. Talvez o problema esteja na busca de uma definição unitária para a poesia, algo que sempre existiu no pensamento estético, mas alcançou uma certa obsessão a partir dos românticos. Os modernistas também tinham esta ambição de encontrar uma teoria ou parâmetro que unificasse toda e qualquer experiência poética. Isso teve consequências negativas, eu creio. Gosto muito, por exemplo, da discussão do crítico italiano Alfonso Berardinelli sobre o trabalho de Hugo Friedrich e a tentativa de estabelecer um parâmetro único de compreensão para a poesia moderna, que acabou por excluir tantos poetas que hoje são muito mais lidos que alguns dos chamados Altos Modernistas. Eu acredito que há uma certa tendência hoje em dia a valorizar apenas a poesia da tradição do trobar clus. Uma época em que todos queiram ser poetas do trobar clus não pode encontrar um público amplo. É claro que havia poetas que se especializavam em um ou outro, e isso ainda é completamente legítimo. Mas havia a variedade de práticas para as distintas funções e possibilidades da poesia. Há obviamente um problema de educação, como você expôs em sua pergunta, mas eu falo aqui mais sobre o que nós poetas podemos fazer. Há sempre que se ter em mente a que público se está dirigindo. Não adianta impor os sonetos religiosos de Gregório de Matos a adolescentes, quando seria muito mais eficaz apresentá-los à poesia satírica do mesmo autor. Trata-se de um exemplo de problema no ensino de poesia nas escolas. Não se trata de facilitar as coisas. Não estou pregando qualquer forma de concessão ou populismo. Eu acredito que hoje, diante da situação em que estamos, não adianta depender demais do que o Governo e seus Ministérios de Cultura e Educação estão fazendo se nós produzirmos tão-somente poesia que consegue interessar apenas a outros poetas e acadêmicos. Você tem razão: não existe um "leitor comum", mas durante todas as eras os poetas cumpriram diversas funções que foram sendo relegadas a outros artistas. Quando eu falo sobre o "dizer", trata-se da negação de que a poesia se resuma exclusivamente à função poética, o que permite que nós por vezes nos percamos demais em joguinhos sígnicos (e não com pouca frequência cínicos). Eu acredito que a função poética não oblitera a função referencial da linguagem ou qualquer outra das funções. A linguagem poética chama a atenção para sua própria estrutura como linguagem, mas nos grandes poetas isso não impede que seus textos ao mesmo tempo cumpram várias outras funções, como emocionar ou educar. Eu não entendo porque isso parece ter se tornado pecado para poetas. Eu entendo o perigo que você menciona, o dos "discursos das certezas", mas o poema que consegue ao mesmo tempo dizer e fazer não precisa se incluir em qualquer discurso das certezas, não precisa ser panfleto. Parece-me muito mais arrogante (e por vezes podendo beirar o charlatanismo) o clichê da poesia que quer dizer o "indizível", por exemplo. Neste aspecto talvez meu problema seja ter lido Wittgenstein demais, eu não consigo deixar de cheirar certo charlatanismo nesta ambição do "indizível", nem consigo crer que isso se enquadre de verdade a poetas que são tão frequentemente sequestrados e abusados para este discurso, seja Mallarmé ou Celan. Veja bem, eu mesmo tenho textos em que nego completamente a noção da poesia que "diz" qualquer coisa, especialmente no meu último livro, em que muitos textos frustram a vontade do leitor de criar o que se poderia chamar de "texto-fantasma", uma paráfrase do poema, que seria seu "significado" imanente ou transcendente. Agora, eu não posso esperar que todos se interessem por esta função analítica do poeta sobre a linguagem. Acabam sendo realmente poemas para especialistas talvez, ou para pessoas interessadas em linguística e história da literatura. E quanto aos leitores que, de forma completamente legítima, vão buscar na poesia consolo por um pé-na-bunda, pelo fim de um relacionamento, pela própria mortalidade e a dos que amam, os que querem simplesmente embebedar-se com palavras, emocionar-se? Se os poetas escritores não cumprem esta função milenar da poesia, os leitores vão buscar isso na poesia cantada, no cinema, em qualquer outra arte. O discurso da inutilidade da poesia é muito complicado, e tem trazido problemas apenas, em minha opinião. Quando eu falo sobre est-É-tica, não estou tentando estabelecer uma moral poética, mas trata-se apenas da crença na historicidade da poesia, de que o poeta pertence a seu tempo, cumpre uma função na sua cultura, na sua comunidade. Meu último livro se chama Sons: Arranjo: Garganta pelo meu interesse em forma, função e contexto. Eu queria apenas ser capaz de cumprir o maior número possível de funções que me foram legadas e herdei dos meus antepassados poetas. Sem uma definição unitária que dê conta de toda e qualquer manifestação poética. Aceitar os limites do dizível parece-me longe de qualquer discurso de certezas. Não sei se me fiz claro ou se compliquei ainda mais a questão.

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4 comentários:

Angélica Freitas disse...

muito boa a entrevista.

Ricardo Domeneck disse...

obrigado, baby.

Fábio Romeiro Gullo disse...

Ricardo,

Tua lucidez teórica é enorme. Assim como a de outros nossos contemporâneos, como o Dirceu Villa e o Márcio-André, teus pensamentos a respeito do fazer poético iluminam mtos, dentre os quais, eu mesmo.

Grande abraço!

Ricardo Domeneck disse...

Fábio,
só posso agradecer pela generosidade.
abraço
R

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