domingo, 24 de julho de 2011
A Bénédicte de Laura Erber e seu diálogo com Péret
A poeta carioca Laura Erber (n. 1979) lançou há pouco um livro virtual pela Editora da Casa, intitulado Bénédicte vê o mar. A publicação virtual traz uma pequena apresentação da autora, e uma orelha assinada por Angélica Freitas. É a publicação mais recente da poeta, também artista plástica, desde seu lançamento duplo em 2008, quando a mesma Editora da Casa lançou Vazados & Molambos (Florianópolis: Editora da Casa, 2008), e também veio a lume no Brasil a edição bilíngue português/inglês de Os corpos e os dias (São Paulo: Editora de Cultura, 2008), originalmente lançado na Alemanha em 2006, com tradução de Timo Berger para o alemão. Escrevi sobre os dois livros aqui: http://ricardo-domeneck.blogspot.com/2009/03/dois-livros-de-laura-erber.html
Este Bénédicte vê o mar foi composto ao lado de vários desenhos de Laura Erber diretamente no iPad, formando um trabalho que conjuga o gráfico e o textual. O título é um jogo sonoro com o nome da poeta portuguesa de origem belga Bénédicte Houart, a quem o trabalho é dedicado. Não apenas os poemas como os próprios desenhos parecem dialogar com o trabalho tão simples e direto de Houart.
Esta Bénédicte de Erber se move dentro da consciência do que não parece ser biografável, mas é, no entanto, biodegradável, como ela escreve num dos poemas. Trata-se de uma poesia que aceita a pobreza dos nossos recursos, e poderá desagradar os que buscam o grandioso indizível. Esta personagem que vive no porão de uma marmoraria me fez, em alguns momentos, pensar em "Nevers", a personagem francesa do filme Hiroshima Mon Amour (1959), escrito por Marguerite Duras e dirigido por Alain Resnais, com sua passagem pelo porão da casa, nos dias em que ela foi "jovem e louca em Nevers, louca de amor". Não sei o que levou a Bénédicte de Erber ao porão, mas cedo ou tarde todos nós passamos por ele.
Convido vocês a lerem o que ela escreve dos fundos da marmoraria, visitando a página da Editora da Casa:
Além do livro Bénédicte vê o mar, queria mostrar a vocês a bela tradução que Erber fez de um poema de Benjamin Péret, postada já há alguns dias na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co.:
OS MORTOS E SUAS CRIANÇAS
Benjamin Péret, do livro Le Grand Jeu, 1928
Se eu fosse alguma coisa
não alguém
diria aos filhos de Édouard
providenciem
e se eles não providenciassem
eu iria para a floresta dos reis magos
sem galochas e sem ceroulas
como um eremita
e haveria certamente um grande animal
sem dentes
com plumas
e redondo como um vitelo
que viria uma noite devorar minhas orelhas
Então deus me diria
você é um santo entre os santos
pegue este automóvel
O automóvel seria sensacional
oito cilindros e dois motores
e no centro uma bananeira
que camuflaria Adão e Eva
fazendo
mas isso será objeto de outro poema
(tradução de Laura Erber)
§
O que não mostramos por lá, no entanto, e que tomo a liberdade de mostrar aqui, é o poema que Erber desentranhou do poema de Péret, intitulado "Velho oeste":
VELHO OESTE
Laura Erber
se eu fosse um outdoor
não alguém
diria aos netos de Édouard
esqueçam
e se eles não esquecessem
eu pegaria um avião para a Amazônia peruana
sem galochas e sem etnógrafos-linguistas
como um eremita
e haveria certamente
um bando de crianças
sem dentes
com plumas
revirando os cabelos
de suas mães
trôpegas
redondas
como um aniversário de morte
e viriam de noite
me pedir dinheiro
e remédios para o piriri
então deus adormeceria
sem dizer
“pegue este automóvel”
e o automóvel teria sido
híbrido e o couro escarlate
e de um lado e do outro da estrada
bananeiras camuflariam
o espetáculo surpreendente
da copulação dos zumbis
Encerro com uma entrevista da poeta e artista plástica, que passou uma temporada em Copenhague, onde pesquisou e escreveu sobre o trabalho do cineasta Carl Theodor Dreyer (1889 – 1968). Concedida ao Arquivo Dreyer, ela discute sua pesquisa:
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