terça-feira, 12 de junho de 2012

Dia dos namorados



Sei que é uma invenção comercial. Eu mesmo nunca tive um que se rendesse ao utilitarismo capitalista do dia, negavam-no, conscientes, politizados. Eu morria de orgulho de cada um deles, e de frustração por não poder usar a oportunidade para derramar-me em carinhos ridículos. Agora sem um, felicito os felizardos que os têm, politizados ou não. E para eles, posto aqui 5 poemas da minha liricosa amorírica, de cada um dos meus cinco livros. Dedico esta postagem a Michael, que anda acenando no horizonte com uma mão aberta e a alegria oferta na outra, talvez efêmera – como sói ser, mas tão efusiva – como também só sabe ser.

Cinco poemas de cinco livros


De madrugada, de manhã

04:48 am

acordar no meio da noite
com a cabeça do outro
sobre o peito,
travesseiro,

maré e barco;

permanecer desperto, à deriva
o resto da noite, dormentes
e doloridos os membros,
a circulação cindida,

sem desejo de resgate –

e sussurrar-lhe ao ouvido:
unsere knochenknospen
– nossos brotos d’ossos –
schnurren und schnorren,
– ronronam e imploram,

como em qualquer hino,
meu querido.

09:56 am

eu
desconheço
quanto

deserto custa
uma epístola
aos coríntios;

se a cegueira
no caminho
precede sempre

(e vale)
a cidade,
Damasco;

se na garganta
um novo cântico
dos cânticos aguarda

ou se quatorze anos
de fôlego preso
hidratariam sonetos;

eu falo baixo
porque deixá-lo

dormir meia-hora
a mais é a forma

de acariciá-lo
logo de manhã,

ele, envolto em lã,
que ignora o abalo

sísmico
em mim:

um bocejo
seu.


(Carta aos anfíbios, 2005)

§

em minha boca ele
alcança o meio-dia
mas a intermitência o
apreende como em
qualquer música
cúmplice do acaso a
pessoa começa a
afastar-se desde que
se aproxima a distância
existe entre pele e
pele cada imagem
dobrando a esquina
não configura
sua chegada
ele
só chega quando seu
corpo chega carregado
pelas próprias pernas
e jamais falha que
eu o reconheça
de imediato
como dono de
certos lábios voz
nome e um modo
de apresentar-se
ele
chega o mundo
assume uma nova
forma: a do
equilíbrio precário do
mundo

(a cadela sem Logos, 2007)

§

Autorretrato para agência de acasalamento

a-
pós
a noite
em claro com
Antonioni / Plath / Radiohead
você pergunta-me
pela vida humorosa?
(cf. O. de A.)
autodevastar-se
a única
art we master,
só nos entendendo
via subtração,
nossos encontros
fantásticos!, cavalheiros,
como anseio
por ele
que piora tudo;
horas
para arrumar-se
e no fim
estes trapos?
ornam,
combinam,
caem
tão bem;
aguardo o dia
em que tudo
o que disser-me
o ventríloquo
seja a citação
de alguém algures,
como desaparecer
completamente;
nosso amor durou
quinze hematomas
e a incubação
da escabiose,
minha herança!;
quando acordei,
cada coisa em seu
lugar onde
eu, eu, eu
deixara;
ah! amar é
inter-
ferir,
salvar
se de si

(Sons: Arranjo: Garganta, 2009)

§

de Cigarros na cama

Poema 28

Os amigos sugerem passatempos
e festas, acquaintance com anatomias
inéditas, corpos novos. Como? Quem
se compara aos seus côncavos
e convexos?
Por ora, moço,
você ainda defeca
ouro.

(Cigarros na cama, 2011)


§

Texto em que o poeta celebra
o amante de vinte e cinco anos

Houve
guerras mais duradouras
que você.
Parabenizo-o pelo sucesso
hoje
de sobreviver a expectativa
de vida
de uma girafa ou morcego,
vaca
velha ou jiboia-constritora,
coruja.
Penguins, ao redor do mundo,
e porcos,
com você concebidos, morrem.
Saturno,
desde que se fechou seu óvulo,
não
circundou o Sol uma vez única.
Stalker
que me guia pelas mil veredas
à Zona,
engatinha ainda outro inverno,
escondo
minha cara no seu peito glabro.
Fosse
possível, assinaria um contrato
com Lem
ou com os irmãos Strugatsky,
roteiristas
de nossos dias, noites futuras;
por trilha
sonora, Diamanda Galás muge
e bale,
crocita e ronrona, forniquemos.
Celebro
a mente sob os seus cabelos,
ereto,
anexado ao seu corpo, o pênis.
Algures,
um porco, seu contemporâneo,
chega
ao cimo de seu existir rotundo,
pergunto,
exausto em suor, se amantes,
de cílios
afinal unidos, contam ovelhas
antes
do sono, eufóricas e prenhas.

(Ciclo do amante substituível, 2012)

.
.
.


Um comentário:

Anônimo disse...

LINDO, LINDISSIMO! adorei o poema 28, vou ser um leitor ativo desse blog.

abraço.

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