sexta-feira, 15 de junho de 2012

Minhas memórias mais antigas de Yeats

 Portrait of Yeats as a young lad

Eu ainda me lembro claramente da primeira vez que ouvi o nome de Yeats. Eu era criança, e estava assistindo ao filme de Francis Ford Coppola, Peggy Sue Got Married (1986), legendado. Devia ser 1988, quando meu pai comprou nosso primeiro aparelho de vídeo-cassete. Pois é, o famoso Peggy Sue - Seu passado a espera. Para os leitores mais jovens: trata-se daquele em que a personagem de Kathleen Turner passa mal na reunião de 25 anos de sua turma de colegial, desmaia e desperta no passado, de novo em sua vida aos 17 anos de idade, mas com sua memória do "futuro" intacta.

De volta ao colegial, aquela fauna e flora típicas dos filmes adolescentes americanos: o nerd/geek que apanha de todo mundo, a cheerleader que todos querem imitar ou foder, o macho-alfa gostosão e cool (que mais tarde vira o loser barrigudo), etc, etc, etc. Mas havia no filme também a personagem do poeta adolescente/intelectual pubertário (se fosse menina, seria interpretada por Winona Ryder -:: nota mental: algum dia preciso escrever sobre o impacto que o filme Heathers teve em mim), interpretado no filme por Kevin J. O´Connor, que se vestia todo de preto, como se fosse um existencialista exilado de Paris ou um beatnik, é claro que antes dos beats virarem hippies cantando Odara Odara em roda com margaridas no cabelo - aquele horror todo.

Lembro-me da cena em que o professor está discutindo The Old Man and The Sea, de Hemingway, dando uma explicação toda elaborada e literata para o livro, quando a personagem-poeta de Kevin J. O´Connor (no filme ele se chamava Michael Fitzsimmons) argumenta que o livro é uma metáfora para o declínio dos níveis de testosterona em Hemingway (that overrated slob), ou algo nestes termos. Apaixonei-me na hora.

Sim, Michael Fitzsimmons foi uma de minhas primeiras crushes por personagens cinematográficas. Eu já sabia que queria ser escritor, e me apaixonava por qualquer personagem que escrevesse. Pois bem, Peggy Sue, que era a head-cheerleader e namorava o macho-alfa gostosão (estranhamente interpretado por Nicholas Cage) começa um caso às escondidas com Michael Fitzsimmons. Céus, os calafrios que percorreram minha espinha e genitália quando (sutilmente, pois se trata de um filme de adolescentes) insinua-se que Peggy Sue perde a virgindade com Fitzsimmons, que, longo antes de beijá-la, recita, do poema "When you are old":


How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;


Eu, que até então (tinha por volta dos 10 anos) havia tido contato apenas com poetas românticos brasileiros e Vinícius de Moraes, tive um choque. Rebobinava  a fita (pede-se que os leitores mais jovens procurem no dicionário o significado do verbo "rebobinar") e ouvia de novo, sem entender, lendo a tradução, e deixando o beijo acontecer e o calafrio correr. Era a década de 80, não havia Google e eu morava em Bebedouro. Como saber mais sobre Yeats? Como ler mais? Por anos, esta estrofe foi tudo o que soube do poeta.

Fast-forward: 1997. Dez anos depois. Foi o ano em que me mudei para São Paulo, onde faria cursinho no bairro da Liberdade para ingressar na Faculdade de Filosofia da USP. No ínterim, já havia morado nos Estados Unidos, onde terminara o colegial e eu próprio bancara o poeta adolescente/intelectual pubertário, lendo Thoreau (por causa de outra crush cinematográfica de adolescente - a personagem de Robert Sean Leonard em Dead Poets Society), Whitman (com aquela sensação de perigo por seus homoerotic under/overtones), Poe, Dickinson, Frost. Nada de Yeats. Havia me esquecido de Yeats.

Mas naquele primeiro ano em São Paulo, 1997, comecei a percorrer os sebos, aumentar minha pequena biblioteca. Lembro-me de comprar a Obra Completa, bilíngue, de Federico García Lorca; a obra reunida, em dois volumes, de João Cabral de Melo Neto; descobrir Hilda Hilst em Estar Sendo, Ter Sido, com aquele poema final pelo qual sou obcecado, "A Mula de Deus"; e, aos 20 anos, encontrar a antologia preparada, traduzida e prefaciada por Paulo Vizioli, lançada pela Companhia das Letras em 1994: W.B. Yeats, Poemas. Aqui, outra memória vívida envolvendo Yeats: sentado na calçada de uma rua de São Paulo, esperando os portões da escola onde faria a prova da segunda fase da FUVEST se abrirem, e, enquanto todos os outros liam suas apostilas do cursinho, eu lia Poemas, de Yeats.

Mais tarde, no ápice do meu fervor experimental e vanguardista, com os preconceitos comuns de tal fervor, I become estranged from Old Bill Yeats. Hoje, porém, mais velho e equilibrado, sentindo a liberdade para amar os mais românticos e mais antilíricos dos poetas que amo, chego a Bebedouro, onde estou agora na casa dos meus pais, e encontro na estante esta mesma antologia, comprada há 15 anos, os Poemas de Yeats, e é o que tenho lido e relido nestes últimos dias.

Posto aqui, assim, em homenagem ao velho irlandês, alguns dos meus poemas favoritos, a quem estiver aí fora, de plantão, getting old ou no fervor lindo e divino dos poetas adolescentes. Aproveitem, esta febre que vocês sentem é uma coisa maravilhosa. Acho que Yeats nunca deixou de senti-la.



When You Are Old
W. B. Yeats

WHEN you are old and gray and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face among a crowd of stars.


 §


No Second Troy
W. B. Yeats

WHY should I blame her that she filled my days
With misery, or that she would of late
Have taught to ignorant men most violent ways,
Or hurled the little streets upon the great.
Had they but courage equal to desire?
What could have made her peaceful with a mind
That nobleness made simple as a fire,
With beauty like a tightened bow, a kind
That is not natural in an age like this,
Being high and solitary and most stern?
Why, what could she have done, being what she is?
Was there another Troy for her to burn?



§


The Fascination of What’s Difficult
W. B. Yeats

The fascination of what's difficult
Has dried the sap out of my veins, and rent  
Spontaneous joy and natural content
Out of my heart. There's something ails our colt  
That must, as if it had not holy blood  
Nor on Olympus leaped from cloud to cloud,  
Shiver under the lash, strain, sweat and jolt
As though it dragged road metal. My curse on plays  
That have to be set up in fifty ways,
On the day's war with every knave and dolt,  
Theatre business, management of men.  
I swear before the dawn comes round again  
I'll find the stable and pull out the bolt.



§


Sailing to Byzantium
W. B. Yeats

THAT is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
- Those dying generations - at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.

An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

O sages standing in God's holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.


§

Leda and the Swan
W. B. Yeats

A sudden blow: the great wings beating still
Above the staggering girl, her thighs caressed
By the dark webs, her nape caught in his bill,
He holds her helpless breast upon his breast.

How can those terrified vague fingers push
The feathered glory from her loosening thighs?
And how can body, laid in that white rush,
But feel the strange heart beating where it lies?

A shudder in the loins engenders there
The broken wall, the burning roof and tower
And Agamemnon dead.
                    Being so caught up,
So mastered by the brute blood of the air,
Did she put on his knowledge with his power
Before the indifferent beak could let her drop?

.
.
.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog