sábado, 9 de junho de 2012

Entre os pernambucanos




Acabo de voltar ao hotel, após passar a tarde e a noite no festival. Às 19:00, houve uma conversa com Ernesto de Melo e Castro, e, às 20:00, começou a roda de leituras. Havia pouco tempo para cada poeta, e eu decidi ler dois poemas: "X + Y: uma ode" e "Carta a Antínoo". Estava à vontade e houve uma conexão legal com o público. Mas agora confesso estar exausto e vou despencar na cama. Amanhã, às 9:00, conduzo uma conversa sobre as inplicações políticas do trabalho poético, a partir da proposição de Wittgenstein, de que "ética e estética são uma só". Às 16:30, participo de um bate-papo com o jornalista Diogo Guedes e a poeta Cida Pedrosa.

Deixo vocês com três poemas favoritos de três pernambucanos:

Tarde no Recife
Joaquim Cardozo

Tarde no Recife.
Da ponte Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Máxime.
Cais do Abacaxi. Gameleiras.
Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita.
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um carreto gritando — alerta!
Algazarra, Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes.
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem dos fidalgos holandeses.
Que assistem agora ao mar, inerte das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem de aviões para as costas do Pacífico.
Recife romântico dos crepúsculos das pontes.
E da beleza católica do rio.

§

Belo Belo
Manuel Bandeira

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.


§

de O Cão Sem Plumas
João Cabral de Melo Neto


IV. Discurso do Capibaribe

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.

Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.

Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).


.
.
.

Um comentário:

Adjetivando disse...

Nossa, lindos poemas.
Olá Ricardo Domeneck, sou Diego Martins. Fui ao Festival e adorei a conversa e sua performance.
É bom saber que você tem um blog e o mantém atualizado.
Se me permite a opinião, achei meio caído... Se quiser alguma ajuda estou a disposição, sou programador.

Apresento-lhe meu projeto:
www.adjetivando.com

Estou precisando de um Poeta/Poetisa para publicar poemas e/ou artigos, uma vez por semana no Adjetivando...

Convido você para fazer parte dessa equipe. Caso não queira participar é uma pena, realmente. Se não for pedir de mais quero que indique alguém que esteja disponível.

A ideia é muito boa, mas nossos colunistas não levam muito a sério, por isso, estou procurando por pessoas que vivem por escrever...
Não só poetas, também quero bons escritores.

É isso Ricardo Domeneck, verei você novamente amanhã.

Arquivo do blog