sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Último poema escrito em 2012: "Carta aos pobres poetas jovens"


Carta aos pobres poetas jovens

E escreve-se, mais. Belo consolo, poemas.
Obrigado pela nota, a de que, pelo menos,
meu furúnculo gotejou Cigarros na cama.
Mas ele não cobre meu corpo, completo.
Ninguém percebe que mesmo Tsvetáieva
sacrificaria, talvez, o seu “Poema do fim”
por um outono a mais com Rodzevitch?
Que a Plath tanta loa futura, ao seu Ariel,
não lhe sanou, de Hughes, os hematomas?
Vejo os documentários sobre W.H. Auden,
filmes proibidos sobre Ahkmátova, textos
dramatizando todas as chagas de Pasolini,
hagiografias para Pizarnik, as mil elegias
a Maiakóvski, Max Jacob, Desnos, Sexton.
Mendiga és tu entre as mulheres, Orides.
E o que haverá agora da histeria de Hilst?
Glamoriza-se a miséria, em vários pontos
pipocam poetas adolescentes, sem aviso
da pilhéria que serão os seus dias, tontos
com a luz dos holofotes dirigida a corpos,
cadáveres de gente que tão-só empunhara
penas e penas, canetas e pragas. Púcaros,
viveram como porcos, e as muitas pérolas
tampouco leões teriam digerido, ou cisnes.
Orgânicas, mas de baixo valor nutritivo.
E não durmo, as mãos tateando os bolsos
do paletó, em busca dos últimos poemas
no corpo que se exuma, mas não o meu,
ainda não meu, e sim de Miklós Radnóti.
Bem-vindos ao Olimpo-Hades, rapazotes.
Aqueles que já morreram ora nos saúdam.
Esbanjem pujança, desperdicem a saúde.
Agora fome, depois a lenda. Belo consolo,
belo, tenho tudo o que não devo, ou veto.

Ricardo Domeneck, dezembro, 2012.

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3 comentários:

Sebastião Ribeiro disse...

Esta é a verdade. Obrigado, Ricardo.

Sebastião Ribeiro disse...

Complementando: é que este texto é sobre exatamente o que venho pensando/passando. Poderia eu compartilhá-lo em meu blog (com todos os créditos, claro)?

Abraços, Domeneck

Gavine Rubro disse...

Bela carta, Ricardo. Qual Kappus consciente e observador dirigindo se a' solidao acompanhada por tantos nadas que pesam e deleitam num so. Nao sei o que o enorme rilke diria, talvez se emocionaria, talvez sorreria. Nao sei. O presente sai me da boca e faz me agradecer te o breve e forte licor destas palavras. Obrigado. Um excelente ano e vida poetica.

Um levantar de cartola,
Com verdade,
Gavine Rubro

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