Iberê Camargo - ‘Ciclistas’ (1989)
Não conheço Porto Alegre. As imagens que sempre tive de lá estão ligadas a três artistas brasileiros do século XX: o romancista Erico Verissimo (1905–1975), o poeta Mario Quintana (1906–1994) e o pintor Iberê Camargo (1914–1994). Dialogo e acompanho o trabalho de alguns gaúchos contemporâneos, muito diferentes entre si, como Veronica Stigger, Angélica Freitas, Fabiana Faleiros, Melissa Dullius, Eduardo Sterzi, Marcus Fabiano Gonçalves, Gustavo Jahn... mas deixaram todos eles os pampas e os capitães-rodrigos pelos frangalhos da Mata Atlântica e os sargentos-de-milícias. Eu os imagino agora, bebericando aquele horror de amargura intolerável que é o chimarrão. Uma parte de mim nunca conseguirá confiar completamente neles por realmente GOSTAR daquilo.
Enfim, isso tudo apenas para dizer o seguinte. Em 1999 houve uma retrospectiva de Iberê Camargo na Pinacoteca de São Paulo. Aquele ano foi muito marcante para minha formação em termos de arte visual: além desta, fui muito impactado então pela retrospectiva de Lygia Clark no Museu de Arte Moderna de São Paulo, de Samson Flexor na FIESP, além de grandes exposições de Arthur Bispo do Rosário e José Leonilson já não me lembro onde.
Eu caminhei pelas salas com quadros de Iberê Camargo em transe. E uma série de telas me trouxe lágrimas aos olhos, nunca me esqueci. Eram os seus “Ciclistas”. Uma delas tinha um título que era um poema em si, ‘Ciclistas no Parque da Redenção’. Aquilo era uma metáfora maravilhosa da vida, da existência de tudo! Éramos todos isso: Ciclistas no Parque da Redenção. Eu jurava que era uma metáfora. A metáfora que eu jurava ser metáfora (e é) acabou entrando num poema que dediquei a meu velho amigo e concidadão de república estudantil, Pablo Gonçalo, no meu primeiro livro, Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Editora Bem-Te-Vi, 2005).
Pois esta manhã eu quase caio da cadeira em conversa com Melissa Dullius quando ela menciona o Parque da Redenção... que existe. Os ciclistas no Parque da Redenção eram ciclistas mesmo, no mui físico e localizável Parque da Redenção. Mas fazer o quê? No Brasil pode-se até pegar um ônibus da Consolação ao Paraíso.
A pêndulo, a represa
“onde o sino triparte o maior desespero
ao som tríplice do teu nome.”
— Christine Lavant
a Pablo Gonçalo
Entre o
anúncio do dilúvio e o
deserto vermelho,
nosso tempo e nosso peito;
entre o
temor e o terror,
o corredor estreito,
mas nossos pés são pequenos
“once human always an acrobat”
o fardo leve
e o jugo suave
dos ciclistas no parque da redenção:
a oeste do meio-dia
existir segue denotando
e pressupondo movimento
e o descanso é eterno
e condicional.
— Ricardo Domeneck, in Carta aos anfíbios (2005).
Vista aérea do Parque da Redenção em Porto Alegre, oficialmente Parque Farroupilha.
§
Notas:
1- “once human always an acrobat” é uma citação de Rosmarie Waldrop.
2- Leia o poema completo da austríaca Christine Lavant, do qual extraí a epígrafe,
na Modo de Usar & Co.
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