sexta-feira, 28 de maio de 2010
"Frangalhos de um discurso, amoreco" ou "A paixonite segundo R.D."
Como andei falando sobre lírica amorosa e também lendo ultimamente muitos poetas que se lambuzaram nela, quis entrar no fim-de-semana imerso na dita cuja, como leitor, como poeta, e, como algumas postagens atrás, compartilhando, com os leitores generosos deste espaço, quatro poemas meus desta tal lírica amorpsicótica, tirados do meu primeiro livro, Carta aos anfíbios, e do terceiro, Sons: Arranjo: Garganta, terminando com um "quase inédito" de plurilíngua, que foi publicado apenas no Diário de Poesía, de Buenos Aires. Que venha o fim-de-semana, que traga novos começos para nossa vidinha . Nós somos, afinal, nada mais que fragmentos de um discurso amoroso.
O pão partido
Houvesse um telefonema,
haveria uma voz; eu
emagreço, que prazer
ajustar-se melhor
aos ossos. Levitar
até o teto; basta mover-se
na direção certa
para viver de inverno
em inverno. Meu corpo
seu estrado, o colchão
a falta, em concha
peito e costas
aconchegam-se
em útero: e a falta
redobrada.
O cordão umbilical uma
ausência explícita, que
digestão suporta
uma hóstia?
A boca abre-se à
expectativa,
saliva
produzida nas glândulas
da anunciação.
Pão partido, corpo prurido
every single time.
Mas separam-nos
o jejum e as
orações de minha mãe,
a possibilidade
de um oceano
e seu condiloma
imaginado.
É 1654 e cavalos
(oito) tentam separar
as duas metades de
uma esfera unidas
pelo vácuo; em apenas
dois por cento das caças
um urso polar
tem sucesso mas
seu pêlo é branco! e oco
para conduzir melhor o sol;
brilhar e desaparecer:
camuflagem perfeita e o único
predador a fome.
A hóstia sempre
um prelúdio,
não uma rememoração.
de Carta aos anfíbios (2005)
§
A pele medrosa cicatriza-se: e recomeça
1.
esta perturbação inicial, garfo
que não encaixa na boca
e a comida cai, num prato
assustado; o copo
d’água vai de encontro
ao dente. A garganta
estende as palmas
de vontade.
2.
O algodão úmido
na testa eriça-me
o quebranto; o soluço
acelera o ritmo.
Visto o casaco alheio
e me perco no cheiro,
um instante,
um instante.
O flagrante
do dono
perturba-me
o sono.
3.
Timidez
de pés
em casa
estranha,
que ao
ensaio
da distribuição nova
do peso descobrem
a levitação.
4.
O chão é um convite
recorrente, constante; algo em nós espera
o reencontro. Até que o vento.
de Carta aos anfíbios (2005)
§
Autorretrato para agência de acasalamento
a-
pós
a noite
em claro com
Antonioni / Plath / Radiohead
você pergunta-me
pela vida humorosa?
(cf. O. de A.)
auto-devastar-se
a única
art we master,
só nos entendendo
via subtração,
nossos encontros
fantásticos!, cavalheiros,
como anseio
por ele
que piora tudo;
horas
para arrumar-se
e no fim
estes trapos?
ornam,
combinam,
caem
tão bem;
aguardo o dia
em que tudo
o que disser-me
o ventríloquo
seja a citação
de alguém algures,
como desaparecer
completamente;
nosso amor durou
quinze hematomas
e a incubação
da escabiose,
minha herança!;
quando acordei,
cada coisa em seu
lugar onde
eu, eu, eu
deixara;
ah! amar é
inter-
ferir,
salvar
se de si
de Sons: Arranjo: Garganta (2009)
§
Cantiga de ninar para amante surdo
Eres the plague meiner fauna,
my allerdearest passerculus
infenso al questionnaire
dos meus needs, do quê
tens angst, nha kretxeu,
if otros páxarus planam
alrededor d´your caixola
toraxique like girassóis
or schmetterlinge y
hay keine delicatessen
full d´engrunes
nel malheur di toalha
da vuestra távola que
balança wie manzanas
dil otonio u soçobram
sin solaciolum al soluço
meu y el plenu século est
aranearum a memorandar
le gravity ou statistics
entre epiderm y shampoo,
bicho-da-seda of my own
cheveux, my holzpferdchen
di carroussel, sussurro-te
questo lullaby, quirinsiozo
nonchalant y taube
sorda of mi olvido:
ecco ichyojeu
sobjective,
mon callboy, j´am deine
mullah, et con one sonrisa
sur la fresse cargo tu planetoid,
heavy hecho plumas y paese,
mio xodó, tal qual un atlas
avec avlas y árvulis y
everything di solombra
sur riachos, mein benzinho
gauche de pampers da vita,
basia mille, deinde centum
y tremblo trotzdem dibaxu
der sonne, hasta que deslizes
under los lençóis di camomila
sur tua llit, oh! l´alba assovia,
de morsus a ictus glutona-se
teu focinho avec mis tatters,
ronron meu,
si hay rincão
more londji
von mim,
mendigo-te:
do not go,
ay paura da
departure,
baby bobo
de Dossier de poesía brasileña reciente (Buenos Aires: Diário de Poesía, 2008)
.
.
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Mais ou menos de mim
Projetos Paralelos
Leituras de companheiros
- Adelaide Ivánova
- Adriana Lisboa
- Alejandro Albarrán
- Alexandra Lucas Coelho
- Amalia Gieschen
- Amina Arraf (Gay Girl in Damascus)
- Ana Porrúa
- Analogue Magazine
- André Costa
- André Simões (traduções de poetas árabes)
- Angaangaq Angakkorsuaq
- Angélica Freitas
- Ann Cotten
- Anna Hjalmarsson
- Antoine Wauters
- António Gregório (Café Centralíssimo)
- Antônio Xerxenesky
- Aníbal Cristobo
- Arkitip Magazine
- Art In America Magazine
- Baga Defente
- Boris Crack
- Breno Rotatori
- Brian Kenny (blog)
- Brian Kenny (website)
- Bruno Brum
- Bruno de Abreu
- Caco Ishak
- Carlito Azevedo
- Carlos Andrea
- Cecilia Cavalieri
- Cory Arcangel
- Craig Brown (Common Dreams)
- Cristian De Nápoli
- Cultura e barbárie
- Cus de Judas (Nuno Monteiro)
- Damien Spleeters
- Daniel Saldaña París
- Daniel von Schubhausen
- Dennis Cooper
- Dimitri Rebello
- Dirceu Villa
- Djoh Wakabara
- Dorothee Lang
- Douglas Diegues
- Douglas Messerli
- Dummy Magazine
- Eduard Escoffet
- Erico Nogueira
- Eugen Braeunig
- Ezequiel Zaidenwerg
- Fabiano Calixto
- Felipe Gutierrez
- Florian Puehs
- Flávia Cera
- Franklin Alves Dassie
- Freunde von Freunden
- Gabriel Pardal
- Girl Friday
- Gláucia Machado
- Gorilla vs. Bear
- Guilherme Semionato
- Heinz Peter Knes
- Hilda Magazine
- Homopunk
- Hugo Albuquerque
- Hugo Milhanas Machado
- Héctor Hernández Montecinos
- Idelber Avelar
- Isabel Löfgren
- Ismar Tirelli Neto
- Jan Wanggaard
- Jana Rosa
- Janaina Tschäpe
- Janine Rostron aka Planningtorock
- Jay Bernard
- Jeremy Kost
- Jerome Rothenberg
- Jill Magi
- Joca Reiners Terron
- John Perreault
- Jonas Lieder
- Jonathan William Anderson
- Joseph Ashworth
- Joseph Massey
- José Geraldo (Paranax)
- João Filho
- Juliana Amato
- Juliana Bratfisch
- Juliana Krapp
- Julián Axat
- Jörg Piringer
- K. Silem Mohammad
- Katja Hentschel
- Kenneth Goldsmith
- Kátia Borges
- Leila Peacock
- Lenka Clayton
- Leo Gonçalves
- Leonardo Martinelli
- Lucía Bianco
- Luiz Coelho
- Lúcia Delorme
- Made in Brazil
- Maicknuclear de los Santos Angeles
- Mairéad Byrne
- Marcelo Krasilcic
- Marcelo Noah
- Marcelo Sahea
- Marcos Tamamati
- Marcus Fabiano Gonçalves
- Mariana Botelho
- Marius Funk
- Marjorie Perloff
- Marley Kate
- Marília Garcia
- Matt Coupe
- Miguel Angel Petrecca
- Monika Rinck
- Mário Sagayama
- Más Poesía Menos Policía
- N + 1 Magazine
- New Wave Vomit
- Niklas Goldbach
- Nikolai Szymanski
- Nora Fortunato
- Nora Gomringer
- Odile Kennel
- Ofir Feldman
- Oliver Krueger
- Ondas Literárias - Andréa Catrópa
- Pablo Gonçalo
- Pablo León de la Barra
- Paper Cities
- Patrícia Lino
- Paul Legault
- Paula Ilabaca
- Paulo Raviere
- Pitchfork Media
- Platform Magazine
- Priscila Lopes
- Priscila Manhães
- Pádua Fernandes
- Rafael Mantovani
- Raymond Federman
- Reuben da Cunha Rocha
- Ricardo Aleixo
- Ricardo Silveira
- Rodrigo Damasceno
- Rodrigo Pinheiro
- Ron Silliman
- Ronaldo Bressane
- Ronaldo Robson
- Roxana Crisólogo
- Rui Manuel Amaral
- Ryan Kwanten
- Sandra Santana
- Sandro Ornellas
- Sascha Ring aka Apparat
- Sergio Ernesto Rios
- Sil (Exausta)
- Slava Mogutin
- Steve Roggenbuck
- Sylvia Beirute
- Synthetic Aesthetics
- Tazio Zambi
- Tetine
- The L Magazine
- The New York Review of Books
- Thiago Cestari
- This Long Century
- Thurston Moore
- Timo Berger
- Tom Beckett
- Tom Sutpen (If Charlie Parker Was a Gunslinger, There'd Be a Whole Lot of Dead Copycats)
- Trabalhar Cansa - Blogue de Poesia
- Tracie Morris
- Tô gato?
- Uma Música Por Dia (Guilherme Semionato)
- Urbano Erbiste
- Victor Heringer
- Victor Oliveira Mateus
- Walter Gam
- We Live Young, by Nirrimi Hakanson
- Whisper
- Wir Caetano
- Wladimir Cazé
- Yang Shaobin
- Yanko González
- You Are An Object
- Zane Lowe
Arquivo do blog
-
▼
2010
(139)
-
▼
maio
(10)
- "Frangalhos de um discurso, amoreco" ou "A paixoni...
- Um poema que nos transporta para o inverno russo d...
- Retratos e uma conversa com Adelaide Ivánova
- Morre, aos 79 anos, o poeta italiano Edoardo Sangu...
- Na companhia de DJs, coletivos e outros performers
- Com poetas espanhóis e alemães
- Hoffmann na sacola
- Colagem, apropriação, redirecionamento
- Noite de segunda-feira com o último filme de Roman...
- Traduzindo um soneto sutil, de um poeta paroquial
-
▼
maio
(10)
6 comentários:
Esse Post foi inspirador...Os poemas sao foda
obrigado, cara!
também gostei muito de "foi mal, o cânone"!
abraço
ricardo
Ricardo
descobri seu trabalho através da modo de usar e demorei um tempo até descobri seu blog, acho que só no fim do ano passado ou começo desse eu comecei a frequentar esse espaço e gosto mais do seu tom aqui do que lá na revista, não só pq aqui vc tem uam coisa mais intima, irônica e mais despudorada, mas é que as vezes na revista vc parece que tá num pé de briga constante, e repete ad infinitum as mesmas proposições. talvez vc me escreva cheio d argumentações contrarias a isso, mas é oq eu eu sinto. Esses ultimos posts seus sobre intensidade- emoção do poema estão entre as coisas que vc falou que mais achei legal, muito mais do que as analises filosoficas, liguisticas e coisa e tal, pq elas podem ser iluminadoras, mas as vezes me parecem que se pode cair num dogmatismo ao contrario. Esses poemas que vc colocou nesse post, me fisgaram mesmo, principalmente o da 'pele medrosa'. como sugestão acho que vc bem que poderia escrever um post longo, um ensaio sobre lirica amorosa, acho que seria bonito.
ah, um post sobre o leonilson também não seria mal, tem umas três semanas comprei o "use, é lindo, eu garanto", já tinha o "são tantas verdades", mas vendo os desenhos dele, a questão da palavra fica muito amis explicita.
escrevi aqui pq não tenho seu e-mail e se fosse escrever para o lucas para pedir ia perder a vontade de escrever.
nem sei se é para ser publicado.
marcio junqueira
Márcio,
como este espaço é algo mais particular, eu posso me permitir intimidades e despudoramentos que não ajudariam o debate em um espaço de crítica de poesia como queremos que a "Modo de Usar & Co." seja.
Tenho realmente minhas obsessões e sei que, por vezes, devo exagerar nas proposições.
Por causa disso, tenho convidado outros críticos para o blog da "Modo", para que os nossos leitores não sejam obrigados a lidar sempre com as minhas ideias. No momento, há um artigo do crítico e poeta baiano Rodrigo Damasceno no blog, sobre Guido Cavalcanti.
Quanto ao "pé de briga", espero que não seja mais o caso. A idade está chegando e tem me trazido mais calma. Além do mais, tenho lido poetas jovens tão interessantes nos últimos tempos, que tenho preferido manter minha atenção no que interessa, os bons poetas.
Obigado pela sinceridade do seu comentário.
abraço
Ricardo
Ricardo
Não falei que estava cansado de ouvir você, mas que estava afim de ouvir você falar de outras coisas. Mesmo sem conhece-lo pessoalmente tenho afeto por sua figura e considero seu trabalho fundamentl para o debate sobre poesia contemporânea no brasil. Mas que isso até, tenho um divida com você, frank o’hara eu conheci por conta de uma postagem sua na “modo”. Além de lenora de barros, emanuel hoquard, marjorie perloff...poetas ou críticos sobre os quais eu tinha uma voga noticia, ou noticia nenhuma. não lhe escreveria se, no mínimo, eu não tivesse carinho por você e seu trabalho.
Tanto gosto do seu pensamento que vivo sugerindo pautas para as postagens. Coisas que me interessam e que eu tinha vontade de saber sua opinião.
É isso.
Marcio junqueira.
Márcio,
meu querido, eu entendi bem o que vocês quis dizer. Não se preocupe, não me ofendi. Muito pelo contrário, acho legal quando posso conversar abertamente com os leitores deste espaço, ou da Modo.
Tenho em mente algumas de suas sufestões, como um ensaio que trate do conceito de "textualidade" e uma postagem sobre Leonilson. Sou meio espontâneo com meus textos, mas escreverei sobre esses conceitos e pessoas em breve. Leonilson, por exemplo, me é importantíssimo... houve 3 exposições no Brasil que fizeram reviravoltas em minha cabeça: a primeira foi a retrospectiva de Lygia Clark no MAM-SP, creio que em 1999. Mexeu muito comigo, mudou muito na minha cabeça. As outras duas ocorreram em 2003 e tiveram um papel importante na escrita do meu primeiro livro, "Carta aos anfíbios" (2005): as exposições, em SP, de Arthur Bispo do Rosário e José Leonilson.
Vou escrever sobre estes heróis meus em breve.
beijo
Ricardo
Postar um comentário