Mostrando postagens com marcador poesia lírica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador poesia lírica. Mostrar todas as postagens

domingo, 8 de maio de 2011

Das canções favoritas: "I will dare", da banda The Replacements

The Replacements


"I will dare" é a canção que abre o álbum Let It Be (1984), terceiro da banda de Minneapolis, formada em 1979 e ativa até 1991. Vocês podem escutá-la abaixo. A imagem é a capa do álbum, também gosto muito dela, não sei bem o porquê. A discografia do grupo é formada por Sorry Ma, Forgot to Take Out the Trash (1981), Hootenanny (1983), Let It Be (1984), Tim (1985), Pleased to Meet Me (1987), Don't Tell a Soul (1989) e All Shook Down (1990).




"I will dare", do álbum Let It Be (1984), The Replacements


O vocalista e letrista Paul Westerberg (n. 1959) é um dos meus cantores favoritos no rock, e seus textos são muito legais, inteligentes, simples, diretos. Quis compartilhá-la, caso alguém não a conheça, ou talvez não a tenha escutado há muito tempo. Abaixo, uma apresentação ao vivo, com Westerberg à frente.







I will dare
Paul Westerberg (The Replacements)


How young are you?
How old am I?
Let's count the rings around my eyes

How smart are you?
How dumb am I?
Don't count any of my advice

Oh, meet me anyplace or anywhere or anytime
Now I don't care, meet me tonight
If you will dare, I might dare

Call me on Thursday, if you will
Or call me on Wednesday, better still
Ain't lost yet, so I gotta be a winner
Fingernails and a cigarette's a lousy dinner
Young, are you?

Meet me anyplace or anywhere or anytime
Now, I don't care, meet me tonight
If you will dare, I will dare


.
.
.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

"Frangalhos de um discurso, amoreco" ou "A paixonite segundo R.D."


Como andei falando sobre lírica amorosa e também lendo ultimamente muitos poetas que se lambuzaram nela, quis entrar no fim-de-semana imerso na dita cuja, como leitor, como poeta, e, como algumas postagens atrás, compartilhando, com os leitores generosos deste espaço, quatro poemas meus desta tal lírica amorpsicótica, tirados do meu primeiro livro, Carta aos anfíbios, e do terceiro, Sons: Arranjo: Garganta, terminando com um "quase inédito" de plurilíngua, que foi publicado apenas no Diário de Poesía, de Buenos Aires. Que venha o fim-de-semana, que traga novos começos para nossa vidinha . Nós somos, afinal, nada mais que fragmentos de um discurso amoroso.


O pão partido

Houvesse um telefonema,
haveria uma voz; eu
emagreço, que prazer
ajustar-se melhor
aos ossos. Levitar
até o teto; basta mover-se
na direção certa
para viver de inverno
em inverno. Meu corpo
seu estrado, o colchão
a falta, em concha
peito e costas
aconchegam-se
em útero: e a falta
redobrada.
O cordão umbilical uma
ausência explícita, que
digestão suporta
uma hóstia?
A boca abre-se à
expectativa,
saliva
produzida nas glândulas
da anunciação.
Pão partido, corpo prurido
every single time.
Mas separam-nos
o jejum e as
orações de minha mãe,
a possibilidade
de um oceano
e seu condiloma
imaginado.
É 1654 e cavalos
(oito) tentam separar
as duas metades de
uma esfera unidas
pelo vácuo; em apenas
dois por cento das caças
um urso polar
tem sucesso mas
seu pêlo é branco! e oco
para conduzir melhor o sol;
brilhar e desaparecer:
camuflagem perfeita e o único
predador a fome.
A hóstia sempre
um prelúdio,
não uma rememoração.


de Carta aos anfíbios (2005)


§


A pele medrosa cicatriza-se: e recomeça


1.

esta perturbação inicial, garfo
que não encaixa na boca
e a comida cai, num prato
assustado; o copo
d’água vai de encontro
ao dente. A garganta
estende as palmas
de vontade.

2.

O algodão úmido
na testa eriça-me
o quebranto; o soluço
acelera o ritmo.

Visto o casaco alheio
e me perco no cheiro,
um instante,
um instante.

O flagrante
do dono
perturba-me
o sono.

3.

Timidez
de pés

em casa
estranha,

que ao
ensaio

da distribuição nova
do peso descobrem

a levitação.

4.

O chão é um convite
recorrente, constante; algo em nós espera
o reencontro. Até que o vento.


de Carta aos anfíbios (2005)



§

Autorretrato para agência de acasalamento

a-
pós
a noite
em claro com
Antonioni / Plath / Radiohead
você pergunta-me
pela vida humorosa?
(cf. O. de A.)
auto-devastar-se
a única
art we master,
só nos entendendo
via subtração,
nossos encontros
fantásticos!, cavalheiros,
como anseio
por ele
que piora tudo;
horas
para arrumar-se
e no fim
estes trapos?
ornam,
combinam,
caem
tão bem;
aguardo o dia
em que tudo
o que disser-me
o ventríloquo
seja a citação
de alguém algures,
como desaparecer 
completamente;
nosso amor durou
quinze hematomas 
e a incubação
da escabiose,
minha herança!;
quando acordei,
cada coisa em seu 
lugar onde
eu, eu, eu
deixara;
ah! amar é
inter-
ferir,
salvar
se de si

de Sons: Arranjo: Garganta (2009)


§

Cantiga de ninar para amante surdo


Eres the plague meiner fauna,
my allerdearest passerculus
infenso al questionnaire
dos meus needs, do quê

tens angst, nha kretxeu,
if otros páxarus planam
alrededor d´your caixola
toraxique like girassóis

or schmetterlinge y
hay keine delicatessen
full d´engrunes
nel malheur di toalha

da vuestra távola que
balança wie manzanas
dil otonio u soçobram
sin solaciolum al soluço

meu y el plenu século est
aranearum a memorandar
le gravity ou statistics
entre epiderm y shampoo,

bicho-da-seda of my own
cheveux, my holzpferdchen
di carroussel, sussurro-te
questo lullaby, quirinsiozo

nonchalant y taube
sorda of mi olvido:
ecco ichyojeu
sobjective,

mon callboy, j´am deine
mullah, et con one sonrisa
sur la fresse cargo tu planetoid,
heavy hecho plumas y paese,

mio xodó, tal qual un atlas
avec avlas y árvulis y
everything di solombra
sur riachos, mein benzinho

gauche de pampers da vita,
basia mille, deinde centum
y tremblo trotzdem dibaxu
der sonne, hasta que deslizes

under los lençóis di camomila
sur tua llit, oh! l´alba assovia,
de morsus a ictus glutona-se
teu focinho avec mis tatters,

ronron meu,
si hay rincão
more londji
von mim,

mendigo-te:
do not go,
ay paura da
departure,

baby bobo


de Dossier de poesía brasileña reciente (Buenos Aires: Diário de Poesía, 2008)

.
.
.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Dimitri Rebello e a canção que me salvou o oxigênio numa manhã de chuva em São Paulo


(Dimitri BR, "Mercado Negro", pague seus pecados / ou então culpe a sorte [para ricardo domeneck e rafael mantovani])


Meu querido Dimitri, segue sendo um dos seus melhores poemas. As lembranças inundaram, como a chuva daquela manhã em São Paulo. Vou ouvir isso sem parar nos próximos dias. A canção está aqui, não é porque você ma dedicou, mas porque você sabe a importância que ela tem para mim, ela me ajudou muito naquele momento delirante por que passava quando você a tocou e cantou pela primeira vez. Assim como o poema da holotúria, da Wislawa Szymborska, mostrou-me o caminho fora da catástrofe; assim como os versos do Creeley: "let light / as air / be relief" foram mantra por alguns meses; essa canção salvou-me o oxigênio nas guelras naquela manhã de chuva, num canto de São Paulo. Quando penso em você, lembro-me sempre e ainda e ainda e sempre daquela noite em que caminhávamos para a sua casa, conversando, quando fomos assaltados e tudo o que você tinha no bolso era o livro Encontro às cegas, da nossa querida Marília (Garcia), e o assaltante o arrancou do seu bolso e você gritou "Devolve isso já, cara!" e o rapaz mal sabia o que fazer com aquilo, um livro de poemas (!!!) e o devolveu, sem jeito, quase pedindo desculpas por tentar nos assaltar, e nós seguimos conversando, como se nenhuma faca pudesse ter cortado pele alguma naquela noite.

§

Para quem não conhece o trabalho de DIMITRI BR, acompanhe seu projeto DIAHUM, em que apresenta uma video-canção original no dia 1 de cada mês.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Da beleza assustadora das imagens quase proibidas

Há algumas semanas, escrevi sobre a canção "John Wayne Gacy Jr.", de Sufjan Stevens, e sobre a beleza assustadora de um poema lírico que se arrisca a encarar o horror com olhos abertos, bisbilhotando no miocárdio das trevas.

Alguns nos alertaram sobre os perigos de abrir os olhos na presença do horror. Kurtz de Conrad, Kurtz de Coppola. Uma coisa é, no entanto, buscar o horror no meio da selva escura do Outro; outra coisa é enfrentar o horror no coração daquilo que chamamos de civilização. Como o furor de Clarice Lispector em A Maçã no Escuro (1951) ou A Paixão segundo GH (1964), estes dois livros altamente metafísicos e (lá vem uma de minhas blasfêmias) políticos. Em denúncia da mentira civilizatória, a ela só Machado de Assis se equipara entre escribas brasilianos.

Penso nos poetas que enfrentaram as implicações do horror nazista, como Paul Celan, Edmond Jabès, Nelly Sachs, Raymond Federman, Tadeusz Różewicz. Os romancistas que seguiram expondo a sobrevivência do horror em meio à hipocrisia do pós-guerra, como Thomas Bernhard ou Primo Levi.

Não vou me referir desta vez, porém, a esta lírica poderosa do pós-guerra. Nem é o lugar para retornar à famosa frase de Adorno, a mal-entendida, ainda que queira tratar disso em breve.

Queria falar, na verdade, de um texto que tenho ouvido nas últimas semanas, levando-me a pensar sobre algumas questões poéticas. Trata-se de um poema lírico de Antony Hegarty (o poeta associado ao coletivo Antony and The Johnsons) que me parece assustador ao conseguir usar imagens do horror para criar um texto oral de grande potência.

Quem teria coragem de escrever um poema-canção com este título?:

"Hitler in my heart"

Antony Hegarty vai mais longe: usando uma linguagem que poderíamos filiar aos expressionistas germânicos, emprega algumas imagens muito conhecidas, como as flores que crescem dos cadáveres, expandindo-as em horror para os "maxilares de estupradores", entre os quais o poeta descende em busca de "kindness". Com uma aliteração principal que parte dos vocábulos "jaws" e "Jews", que caem, caem, ele então dá-nos esta imagem poderosa de tradução do Holocausto: "the Well of Blood in Vain": o poço do sangue em vão, questionando o uso do termo sacrificial para o extermínio dos judeus da Europa. Não é à toa que os próprios judeus usam o termo Shoah: catástrofe. Quem caminha pelas ruas alemãs sente a presença desta catástrofe por uma sensação de ausência, pelo vazio que se sente em cada cidade deste país.

Estas parcas imagens, na garganta de um poeta-cantor brilhante como Antony Hegarty, transformam-se numa canção de amor muito bela, mas perturbadora em suas implicações.

Como conciliar o horror... o HORROR... o HOR---ROR e ... a... be... le... za?



Hitler in my heart
Antony Hegarty

As I search for a piece of kindness
And I find Hitler in my heart
And he is whispering
"As sure as love will spring
From the Well of Blood in Vain, oh Jew!
The Well of Blood in Vain!"
La la la la la la

And I fell into a deeper precipice
With mouths of rapists
Jaws dropped down
Jaws dropped

Don't punish me
For wanting your love inside of me

And I find Hitler in my heart
From the corpses flowers grow


§

Reconhecer em nós o horror.

To Hyde the Jekyll na superfície do espelho. Quis dizer, na verdade, to hide the jackal na sombra facial do espelho.

Como Sufjan Stevens escreve na canção "John Wayne Gacy Jr." que "in my best behavior / I am really just like him / Look beneath the floorboards / For the secrets I have hid", o HoRRoR do palhaço assassino a virar a esquina da alma, Antony Hegarty buscando alguma kindness e encontrando, em seu peito, Hitler. Nós, entre os civilizados.

Ouvi dizer que Clarice Lispector dissera a um jovem, certa vez, que ele jamais seria um escritor, porque ele tinha... medo. Só quando passei a ler todo o trabalho de Lispector, como aquela coisa absurda de ambiciosa que é A Maçã no Escuro, é que percebi o que ela queria dizer; assim como o Qadós (1973), de Hilda Hilst; ou The Journal of Albion Moonlight (1941), de Kenneth Patchen; ou Watt (1945/1953) e Molloy (1951), de Samuel Beckett. Poemas como "Janela do caos", de Murilo Mendes; os "Pisan Cantos", de Pound; "Todesfugue" e "Engführung", de Celan. Esta coragem de olhar nos olhos do hoRrOr. Reconhecer-se nele. Mas, querido, segue o aviso: não é trabalho para qualquer segunda-feira. Nem adianta fingir que você voltou de Auschwitz, se voltou de Búzios. Paga-se por esta mirada. São mais de 300 páginas de trevas para poder escrever:

"Porque eu, meu filho, eu só tenho fome. E esse jeito instável de pegar uma maçã no escuro — sem que ela caia."

segunda-feira, 2 de março de 2009

Happiness ainda é um warm gun


Os textos de John Lennon para as canções dos Beatles do fim da década de 60 estão entre os melhores poemas do britânico.

Também são aqueles que mais se aproximam de sua escrita, aquela que se manifesta no livros In His Own Write (1964) e A Spaniard in the Works (1965), em que Lennon claramente se une à tradição de Edward Lear e Christian Morgenstern, aquela que seria reavivada pelos poetas do Cabaret Voltaire, como Tristan Tzara e Hans Arp.

Neste poema, Lennon teria declarado usar fragmentos de textos inacabados, fazendo de "Happiness is a warm gun" um dos mais alusivos e fragmentários de sua escrita. É também um dos poemas eróticos mais interessantes de Lennon.

Happiness is a warm gun

She's not a girl who misses much
She's well acquainted with the touch of the velvet hand
Like a lizard on a window pane

The man in the crowd with the multicoloured mirrors
On his hobnail boots
Lying with his eyes while his hands are busy
Working overtime
A soap impression of his wife which he ate
And donated to the National Trust

I need a fix 'cause I'm going down
Down to the bits that I left uptown
I need a fix cause I'm going down
Mother Superior jump the gun
Mother Superior jump the gun

Happiness is a warm gun
(Bang Bang Shoot Shoot)
Happiness is a warm gun, momma
(Bang Bang Shoot Shoot)
When I hold you in my arms
And when I feel my finger
on your trigger
I know nobody can do me no harm
Because happiness is a warm gun, momma
(Bang Bang Shoot Shoot)
Happiness is a warm gun
(Bang Bang Shoot Shoot)
-Yes it is, it's a warm gun!
(Bang Bang Shoot Shoot)
Happiness is a warm, yes it is...
GUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUN!

domingo, 18 de janeiro de 2009

Bush, Kate

Há alguns anos eu tinha o hábito de escrever em camisetas. Comprava-as baratas, brancas, apenas para servirem de plataforma para a escrita de alguma intervenção naquela semana, mês. Elas se desintegravam rápido. Em algum momento durante a campanha de George W. Bush para a sua reeleição (que acabou se efetivando), fiz aquela que se tornou uma das minhas favoritas, simplesmente em letras garrafais:

BUSH, KATE

Gostava da idéia de ler a frase como em um imperativo, fazendo de "kate" o verbo em ordem para o senhor Bush. Era a minha intervenção mínima para o momento, carregada à altura do peito, do miocárdio.

Aqui em Berlim, entre as pessoas que conhecem meu trabalho como DJ, meu fascínio pelo trabalho de Kate Bush é notório. Me alcunhei DJ Kate Boss por um motivo. Muitos ouviram algo da criatura pela primeira vez em algum de meus sets obsessivos, que têm como "assinatura", nas palavras de um jornalista alemão, a esquisitice de encontrar uma maneira de encaixar uma canção de Kate Bush nos sets e contextos mais inesperados. Aqueles que conhecem apenas a exquisitely mal-compreendida e brilhante canção "Wuthering Heights", com seu vídeo esquisitíssimo, mostrando uma jovem Kate Bush (ela tinha apenas 19 anos quando lançou o single, tornando-se a primeira mulher a atingir o primeiro lugar de vendas com uma canção que ela mesma havia composto) de olhos esbugalhados e sua voz altíssima, pensa que se trata de mania viada pelo kitsch. Nada mais longe do que penso sobre o trabalho desta mulher. Quase todo músico sério que conheço respeita a música desta criatura. Algumas dos seres que mais me encantam hoje, como Janine Rostron a.k.a. Planningtorock ou Joanna Newsom, seriam impensáveis sem ela.

Sim, seu trabalho é difícil, pois exige olhos e ouvidos abertos e sem pré---conceitos. Ela embaralha qualquer noção de "bom gosto", impede que se aborde seu trabalho com qualquer idéia engessada de qualidade. Suas letras e composições (seus poemas líricos) parecem-me impecáveis, surpreendentes, estranhíssimos.

Seu primeiro álbum de poemas líricos chamou-se The Kick Inside, trazendo a famosíssima "Wuthering Heights" e outras. Seguiram-se dois álbuns com algum sucesso, até que Kate Bush (nascida Catherine Bush, em 1958, em Bexleyheath, Kent, Inglaterra) toma as rédeas de seu destino musical e escreve e arranja sozinha aquele que é um dos grandes artefatos músico-poéticos do início da década de 80: o álbum de poemas líricos The Dreaming, com alguns dos poemas cantados mais estranhos e horripilantes da década. A poeta-performer segue com seus textos obscuros, enraivecidos e seus vídeos beirando a ofensa de todo bom gosto estabelecido, como na peça de abertura do álbum, chamada "Sat in the lap":



O álbum é brilhante, 10 poemas líricos que socam a cara tardo-vitoriana dos bongostistas. A quem se interessar, sugiro a audição dos poemas-líricos (também conhecidos entre a maioria como "canções") "There goes a tenner" e "Suspended in Gaffa", de preferência com seus exquisite vídeos esquisitos. Aqui, sem abusar de vossa goldenfishy attention span, imploro que você ouça o maravilhoso "Get out of my house" (tente ignorar as imagens do filme "The Shining", ainda que reze a lenda que o filme inspirou a música e esta seja tão assustadora quanto aquele):



Mais tarde, em uma entrevista, Kate Bush diria que The Dreaming era o seu "She's gone mad' album", mas os mais atentos perceberam que se tratava de uma obra-prima, com paisagens musicais horripilantes e o uso obsessivo do synthesizer Fairlight CMI. O álbum é um tour-de-force e foi recebido, obviamente, com estupor e as vendas foram parcas.

A resposta de Kate Bush foi aquela que se espera de um artista irritado. Sua resposta me faz imaginar Kate Bush pensando assim: "Vocês querem pop, queridinhos? Eu vos darei pop"... sua resposta foi produzir o brilhante álbum Hounds of love, com algumas das maiores pérolas pop da década de 80, incluindo esta coisa aqui:



A tensão espiritual necessária para fazer com que artistas produzam coisas desta natureza é gigantesca demais para durar sem que o coitado despenque. Dura o quê? 10 anos? O tempo necessário para alguém como Almodóvar nos legar sua trilogia ("Carne tremula", "Todo sobre mi madre" e "Hable con ella") e depois cair no profissionalismo? Ou Lars Von Trier nos doar a sua ("Breaking the waves", "Idioterne" e "Dancer in the dark") e depois fazer panfletos? O tempo em que um poeta produz seus trabalhos assustadores e depois se dedica ao profissional impecável? Reside na célula de onde Hilda Hilst arrancou Qadós e A obscena senhora D.? De onde Clarice Lispector desentranhou A maçã no escuro, A paixão segundo GH e A hora da estrela?

Apenas artistas extremamente corajosos permitem-se a liberdade de viver fora dos gostos estabelecidos, usando o que for necessário, seja melodrama misturado com Platão ou ficção científica com pitadas dantescas, para seus documentos do "sentimento trágico" de que falou Miguel de Unamuno.

Kate Bush entre eles e elas, herdeira das trobairitz Beatriz de Diá, Maria de Ventadorn, Azalais de Porcairagues ou a matriarca Tibors de Sarenom.

Espero um dia, velho em ossos e pelancas, dar alguma entrevista, para que o repórter me pergunte a clichética

"Qual é sua maior influência poética, Sr. Domeneck?"

e eu possa responder com uma gargalhada interna (que, naquela idade, talvez me mate):

"Kate Bush, meu querido, Kate Bush."


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Não é domingo, Diamanda, e no entanto.

The exceptional Diamanda Galás performing the exquisite lyrical poem "Gloomy Sunday".

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Poesia lírica do ano / Lyric poetry of the year

A espera foi longa e valeu a pena. O terceiro álbum de poemas do Portishead (com a poeta lírica Beth Gibbons à frente e os músicos Geoff Barrow e Adrian Utley) foi uma das coisas mais lindas de 2008. Eu vi o concerto deles em Berlim e foi uma noite maravilhosa, com Beth Gibbons sorrindo, cantando seus poemas, interagindo com a platéia como jamais imaginei que faria.

Álbum de poemas líricos do ano: Third, com os textos de Beth Gibbons e os músicos que a acompanham: Portishead.


("Machine Gun", poema lírico de Beth Gibbons, acompanhamento musical do grupo Portishead)

§

Poema lírico do ano: "The Rip", Beth Gibbons e os músicos do Portishead:



Quem torcer o nariz ou estranhar que eu chame o álbum de canções também de "poemas líricos", espero que saiba que um poeta cantando seus poemas, enquanto músicos o acompanham, é algo mais velho que andar para a frente na história da tal da humanidade. O império hegemônico da literatice sobre a poesia plural está acabando, mesmo que juízes-24-horas, professores universitários e diplomatas que escrevem nas horas vagas esperneiem. O engraçado é que mesmo se vistos como "literatura", os textos de Beth Gibbons interessam mais que os de muitos deles. Fala-se tanto em sincronia histórica, enquanto segue-se babando conceitos do século XIX em textos críticos sobre a poesia do século XXI.

Espero que os poetas jovens do país não dêem muitos ouvidos aos cinqüentões que bancam hoje no país as sereias da catástrofe, fel e fortuna que regem bons vizinhos e sibilam augustos a alçar suas pérolas contra a poesia dos mais jovens... mas eles estão apenas cumprindo seu papel histórico de poetas da senilidade. O triste fim de muitos poetas brasileiros após os 50, como já disse Décio Pignatari (que jamais sofreu de senectude precoce). Ao invés de reclamarem tanto sobre prêmios literários que nunca recebem, poderiam usar de forma mais produtiva seus espaços, ainda há centenas de poetas estrangeiros esperando tradução no Brasil.

Eu sei, eu sei... é Natal e eu deveria acalmar-me, seguir acreditando na nova comunidade de poetas surgindo.

Yes we can.

Arnaut Daniel, Bertrand de Born, Beatriz de Diá,
valei-nos! guiai-nos!

Espero ter a sorte de poder,
até o último dia de sopro nos pulmões,
seguir:

escrevendo como e com os outros poetas literários vivos.
oralizando como e com os outros poetas orais vivos.
cantando como e com os outros poetas líricos vivos.
dançando como e com os outros poetas performers vivos.
urrando como e com os outros poetas sonoros vivos.

Quem sabe, aqui e ali, até mesmo um cartaz e mais vídeos,
como e com os outros poetas visuais vivos.

domingo, 10 de agosto de 2008

Três poetas líricos / Three lyric poets: Safo de Lesbos - Beatriz de Diá - Joanna Newsom




Safo de Lesbos (630 BC - 570 BC)


Once you lay upon my bosom,
While the long blue-silver moonlight
Walked the plain, with that pure passion
All your own.


Now the moon is gone, the Pleiads
Gone, the dead of night is going;
Slips the hour, and on my bed
I lie alone.



fr. 47 V
............................... E Eros sacode-me
as entranhas, como o vento de sobre o monte nos carvalhos caindo.


fr. 130 V

Eros de novo a mim, o soltamembros, agita,
doceamargo indomável animal.

Ó Átis: a ti, em mim, fez-se odioso
pensar - e para Andrômeda voas.



§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§




BEATRIZ DE DIÁ (fim do século XII - meados do século XIII)



(performance moderna do poema "A chantar m’er de so q’ieu non volria" da Condessa de Diá)

§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§




JOANNA NEWSOM (n./b. 1982)



.
.
.

Arquivo do blog