Luis Felipe Fabre (Ciudad de México, 1974) vocaliza seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras",
do livro LA SODOMÍA EN LA NUEVA ESPAÑA (Madrid: Pre-Textos, 2010).
Gravado por Ricardo Domeneck, especial para a MODO DE USAR & CO.
O villancico, conhecido em português como vilancete, é uma composição poética geralmente musicada, comum na Península Ibérica nos séculos XV e XVI, praticada por poetas-compositores como Juan del Encina (1468 - 1529) e transplantada com muito talento no século XVII para a América Espanhola, por exemplo, por Sóror Juana Inês de la Cruz (1651 – 1695). Trata-se de poesia lírica irmanada a formas como a canção de amigo galego-portuguesa, a jarcha/moaxaja moçárabe e aos textos dos romanceiros ibéricos em geral.
Villancico
Juan del Encina
Floreció tanto mi mal,
sin medida,
que hizo secar mi vida.
Floreció mi desventura
y secósse mi esperança;
floreció mi gran tristura
con mucha desconfïança;
hizo mi bien tal mudança,
sin medida,
que hizo secar mi vida.
Hase mi vida secado,
con sobra de pensamiento;
ha florecido el cuydado,
las passiones y el tormento;
fue tanto mi perdimiento,
sin medida,
que hizo secar mi vida.
Fin
Secósse todo mi bien,
con el mal que floreció;
no sé cúyo soy ni quién,
quel plazer me despidió;
tanto mi pena creció,
sin medida,
que hizo secar mi vida.
Mais tarde, como se dá na Obra de Sóror Juana, a forma poética passou a ser composta exclusivamente com temas religiosos, como a assunção da Virgem e o nascimento de Cristo, e passou a ser empregada nas festividades católicas. Os vilancetes eram cantados por um solista e um coro.
Por exemplo, compostos para as celebrações do Natal de 1689 e cantados na Catedral de la Puebla de los Ángeles, os Villancicos de Navidad de Sóror Juana Inês de la Cruz iniciam-se:
Villancico de Navidad (1689)
Sóror Juana Inês de la Cruz
Primero Nocturno
Villancico I
Por celebrar del Infante
el temporal Nacimiento,
los cuatro elementos vienen:
Agua, Tierra, y Aire y Fuego.
Con razón, pues se compone
la humanidad de su Cuerpo
de Agua, Fuego, Tierra y Aire,
limpia, puro, frágil, fresco.
En el Infante mejoran
sus calidades y centros,
pues les dan mejor esfera
Ojos, Pecho, Carne, Aliento.
A tanto favor rendidos,
en amorosos obsequios
buscan, sirven, quieren, aman,
prestos, finos, puros, tiernos.
Sóror Juana atingiu grande sofisticação filosófica e poética em seus vilancetes. Seus Villancicos de la Asunción (1676) têm composições em castelhano, latim e tocotín, uma língua que mesclava o castelhano e o náhuatl, sem mencionar o Vilancete VII do "Tercero Nocturno" deste mesmo texto de 1676, em que se equipara com maestria à elegância da wit de seus contemporâneos europeus, como os metafísicos ingleses mais jovens Andrew Marvell (1621 – 1678) e Henry Vaughan (1622–1695).
Lançado no ano passado, La Sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010), de Luis Felipe Fabre (Cidade do México, 1974), é um belíssimo trabalho de reconstituição poético-histórica do período de perseguição a homossexuais na Nova Espanha que culminou nos anos de 1657 e 1658, levando à execução (queimados na fogueira) de muitos homens na Cidade do México, como no caso de Juan de la Vega, conhecido como la Cotita. Baseando-se textualmente em documentos da época, Luis Felipe Fabre faz uma reconstituição e resgate ao dar voz aos acusados, mas, retomando a linguagem alegórica barroca do período, dá também voz à Santa Doutrina contra o "pecado nefando", ao Silêncio e ao Fogo que os consomem e retoma formas históricas como o villancico, o que traz mais de uma implicação est-É-tica ao livro, ao usar uma forma praticada com esmero por uma poeta religiosa como Sóror Juana, ela própria acusada e atacada sob suspeita de lesbianismo, ela que se aproxima de Safo de Lesbos ao cantar versos tão belos quanto estes para uma mulher chamada Filis:
Ser mujer, ni estar ausente,
no es de amarte impedimento;
pues sabes tú que las almas
distancia ignoran y sexo.
Penso no que escreve Walter Benjamin sobre o "historiógrafo perfeitamente convencido que diante do inimigo, e no caso deste vencer, nem sequer os mortos estarão em segurança. E este inimigo não tem cessado de vencer".
Em seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras", Luis Felipe Fabre retoma o episódio em que um dos acusados e queimados na fogueira em 1658 teve como prova e evidência contra si o fato de haverem encontrado em sua casa uma estátua do Menino Jesus queimada. Segundo a história, ele a teria queimado em um momento de fúria por não lhe ter sido permitido estar com seu amante.
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Luis Felipe Fabre, acompañado por Daniel Saldaña París y Paula Abramo,
lee fragmentos de su libro La sodomía en la Nueva España (Pre-Textos, 2010),
durante su participación en el festival Poesía en Voz Alta.
Ciudad de México. 23 de septiembre de 2010.
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La Sodomía en la Nueva España está entre os melhores livros de poesia contemporânea que li nos últimos tempos, e parece estar ligado a uma retomada da poesia lírica de forma extremamente consciente de sua historicidade, o que por vezes nos recorda o trabalho lírico dos Objetivistas Norte-Americanos dos anos 1930, trabalho de grande beleza e inteligência que também sinto nos livros El baile de las condiciones (Ciudad de México: Práctica Mortal, 2011), do mexicano Óscar de Pablo; e ainda no excelente La lírica está muerta (Bahía Blanca: Vox Senda, 2011), do argentino Ezequiel Zaidenwerg. Em sua retomada de uma forma lírica que tem suas origens na poesia medieval, o contexto atual da poesia latino-americana em que este trabalho de Luis Felipe Fabre se insere fez-me pensar também no último livro da brasileira Jussara Salazar, que acaba de ser lançado: Carpideiras (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011), guardadas as devidas distâncias contextuais entre a retomada barroca dos villancicos de Fabre e a retomada das cantorias, coros e retábulos de Salazar. Unidos ao que venho chamando de lírica analítica nos trabalhos de poetas brasileiros como os cariocas Juliana Krapp, Marília Garcia e agora Victor Heringer, assim como a exuberância pluriformal dos últimos poemas de Dirceu Villa, parece cada vez mais claro que os que sambaram sobre o esquife vazio da Poesia Lírica certamente não a viram gargalhando à janela do velório, ainda que seja o caso, segundo a visão de Ezequiel Zaidenwerg, de "que la lírica es más bien un zombie que está muerto ab origine y que, por más que intenten matarlo, siempre vuelve a aterrorizarnos".
Luis Felipe Fabre, La sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010)
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