quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Cidade do México. Na companhia de alguns de seus melhores poetas.

Daniel Saldaña París, Luis Felipe Fabre e eu, divertindo-nos durante a leitura de nossos poemas
na casa de Paula Abramo e Óscar de Pablo - Cidade do México, 12 de dezembro de 2011

Deixei o Rio de Janeiro na madrugada de domingo, chegando à Cidade do México à tarde, após uma escala na Cidade do Panamá e apenas um dia depois de um terremoto de 6.7 na escala Richter aqui na capital mexicana. Fui recebido por Paula Abramo, poeta mexicana e brasileira (que escreve em castelhano) que é diretora do Centro Cultural Brasil-México da Embaixada do Brasil, e seu marido, o poeta mexicano Óscar de Pablo. Após descansar um pouco no hotel, encontrei-me com eles e com o poeta argentino Ezequiel Zaidenwerg, que está passando um temporada no México e vive, como Abramo e De Pablo, a poucas quadras do meu hotel. Estamos no bairro dos escritores e poetas, a chamada Colónia Roma. Depois do jantar, na casa de Paula e Óscar, reunimo-nos ainda com o maravilhoso Luis Felipe Fabre, um dos melhores poetas latino-americanos da atualidade, e que tanto tem a ver com minha passagem pelo México por ter sido quem recomendou e apresentou meu trabalho a Paula Abramo. Hernán Bravo Varela completou a noite de poetas na noite de domingo.

O que acontece quando poetas se juntam? O óbvio: discussões sobre quem presta e quem não presta na poesia contemporânea, elogios rasgados a um só para ouvir o companheiro do lado discordar veementemente, sacagens rápidas de livros das estantes para leituras-relâmpago querendo provar por que tal poeta é maravilhoso/horrível, etc. Foi uma noite muito divertida.

Em Berlim, convivo basicamente com músicos, DJs e artistas visuais. Tenho amigos na cena literária berlinense, mas aqueles com quem convivo mais a miúdo não lidam com textualidade de forma explícita. A noite de sábado no Rio de Janeiro, ao lado de Marília Garcia, Dimitri Rebello, Ismar Tirelli Neto e Victor Heringer; seguida desta noite de domingo na Cidade do México, ao lado de Paula Abramo, Óscar de Pablo, Luis Felipe Fabre, Ezequiel Zaidenwerg e Hernán Bravo Varela, mostraram-me como sinto falta desta convivência.

Mas o melhor veio na segunda-feira à noite. Reunimo-nos todos uma vez mais na casa de Paula Abramo e Óscar de Pablo, mas com mais poetas ainda:

Paula Abramo (México/Brasil)
Óscar de Pablo (México)
Luis Felipe Fabre (México)
Ezequiel Zaidenwerg (Argentina)
Robin Myers (Estados Unidos)
Daniel Saldaña París (México)
Hernán Bravo Varela (México)
Alejandro Albarrán (México)

e a fotógrafa Valentina Siniego (México/Argentina).

Depois de alguns tiros de mescal, nos pusemos a ler nossos próprios poemas uns para os outros. Foi uma experiência ótima. Primeiro round: cada um leu dois poemas. Eu li, em castelhano, os poemas “X + Y: uma ode” e “Texto em que o poeta surpreende-se com a morte de Maria Schneider que parece formar uma sinédoque da qual não discerne a fronteira entre parte e todo”. No segundo round, cada um leu mais um poema. Li neste round meu “Autorretrato para agência de acasalamento”.

Na sexta-feira, faço uma leitura na Casa Refugio Citlaltépetl ao lado de quatro dos melhores poetas latino-americanos da atualidade, em minha opinião: os mexicanos Luis Felipe Fabre, Minerva Reynosa e Julián Herbert, e o argentino Ezequiel Zaidenwerg, com este vosso Ricardo Domeneck representando o Brasil. É uma das mesas mais potentes das quais já tive a honra de participar.





Luis Felipe Fabre, poeta e crítico que respeito imensamente e já traduzi para a Modo de Usar & Co., presenteou-me com seu último livro, o petardo que é La Sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010).


Luis Felipe Fabre lê poemas e conversa com sua usual
wit.


§


Leitura na Cidade do México, do livro La sodomía en la Nueva España, com seu autor Luis Felipe Fabre,
acompanhado por Paula Abramo e Daniel Saldaña París.

§

POEMA DE LUIS FELIPE FABRE

Sutra da vaca

Uma vaca:
branca e negra. Ruminando pastagem: verde.
E acima o céu

e no céu
uma nuvem cor de nuvem e detrás da nuvem

outra vez o céu: azul celeste: a cor
do divino Vishnu presenteando uma flor-de-lótus.

Azul: a pele do divino Vishnu.
Celeste: a ação de presentear uma flor-de-lótus.

Outra flor-de-lótus: branco
deixando de ser branco: branca
nuvem dissipada: meditação.

E a vaca
ruminando flores-de-lótus a sagradíssima:
ioga, desioga, reioga.

(tradução de Ricardo Domeneck)

§

Sutra de la vaca
Luis Felipe Fabre

Una vaca:
blanca y negra. Rumiando pasto: verde.
Y encima el cielo

y en el cielo
una nube color de nube y tras la nube

otra vez el cielo: azul celeste: el color
del divino Vishnú obsequiando un loto.

Azul: la piel de divino Vishnú.
CelesteL la acción de obsequiar un loto.

Otro loto: blanco
dejando de ser blanco: blanca
nube disipada: meditación.

Y la vaca
rumiando lotos la muy sagrada:
yoga, desyoga, reyoga.

§

Ezequiel Zaidenwerg também presenteou-me com seu último livro, chamado La lírica está muerta (Bahía Blanca: Vox Senda, 2011). Estes dois livros mostram como há pluralidade de qualidade verdadeira hoje na América Espanhola. Fabre e Zaidenwerg são poetas muitíssimo diferentes, mas eu gosto bastante do trabalho de ambos. Pretendo traduzi-los mais em 2012. Deixo vocês com o vídeo que fiz com Zaidenwerg em Berlim em 2010. Tentarei fazer vídeos com os outros poetas que tenho conhecido aqui.



Ezequiel Zaidenwerg lê os poemas "Doxa" e "Lo que el amor les hace a los poetas",
em Berlim, novembro de 2010. Filmado por Ricardo Domeneck


§

POEMA DE EZEQUIEL ZAIDENWERG

O que o amor causa nos poetas

não é trágico: é atroz. Uma ruína
fúnebre cai sobre os poetas que o amor captura,
sem que orientação ou identidade poética
interessem. O amor leva ao desastre completo
da uniformidade os poetas gays,
os poetas panssexuais e bissextos,
as poetas e poetisas feministas, fementidas ou honestas;
os obcecados pelo gênero e
os degenerados em geral e os polimorfos perversos:
e até os fetichistas dos pés
de verso cedem sob as plantas do amor,
que não distingue ideologia,
programa ou poética. Aos vates da torre de marfim,
lança-os do penthouse ebúrneo para o térreo. Aos apóstolos
do Zeitgeist, que proclamam sem inibição que a lírica está morta,
permite que insistam em seu equívoco
e em suas bachareladas prolixas. Produz uma hemorragia palatal
nos que arqueiam parcos aforismos oblíquos,
como nos herméticos de latão, nos que engarrafam
seus versos para o vazio, nos falsários do silêncio,
e nos que forjam haikais lusófonos
à moda itálica. Nos puristas da voz corta em seco
os lamúrios doces, e quebra as falanges
dos maníacos do ritmo, estraga
o metrônomo íntimo que carregam junto ao coração
para marcar a batida de seus versos. Domestica o sensorial
nos videntes e malditos e demais
rebeldes e insurretos sem razão
ou causa poética, cura o desregramento racional
de todos os sentidos. Desaloja de sua noite escura
os que pedem luz para o poema
nas cavernas do sentido, e os devolve sem escala
para o tresnoitar da carne literal. O que o amor
causa nos poetas, com paciência e mansidão,
enquanto as borboletas lentamente ulceram seus estômagos
e pouco a pouco o pâncreas deixa de funcionar,
é bastante inconveniente. Aos que buscam com afinco
e precisão cirúrgica a palavra justa, arruína
seus pulsos, e em vez de doar vida, aniquilam-na em sua ânsia.
E nos que perseguem com ardor e devoção
um absoluto no poema, como um graal
todo de luz, tesa, diáfana e febril,
nubla suas certezas e mesmo o desejo
de saciar sua ansiedade. O que o amor
causa nos poetas, desavisadamente,
enquanto costuram e cantam e se empanturram de perdizes, é agudo, terminal
e fulminante. É um torrencial avassalador
de prosa, que esporeia e multiplica, em progressão exponencial,
os estúpidos e toscos da poesia:
os que cortam sem motivo seus versos diminutos;
os jóqueis compulsivos que os encavalam;
os designers tipográficos do verso;
os que partem a sintaxe sem saber torcê-la;
os que fazem escavações no
éter em busca de inauditos neologismos inaudíveis;
os modernos sem pretexto; os que creem descobrir
a pólvora em seus versos balbuciantes;
os contestatários automáticos e os poetas-pornô;
os que semeiam grandes nomes pela densa
fronde de seus poemas, como Joãozinho e Maria jogavam
migalhas; os que erguem em sua voz
ausente as caretas de uma infância lobotomizada;
os poetas bonitos e felizes, teimosos;
as tribos urbanas e os groupies da poesia adolescente;
os poetas pop e os rock stars do verso; os videopoetas e performers;
os ovni-poetas, alados ou rastejantes, identificados;
os objetivistas sem objeto
nem vista; os que exigem que o poema
vista-se de mendigo; os poetas filósofos;
e os cultores convictos
da “prosa poética”. O amor,
que movimenta o sol e os demais poetas,
leva-os até o derradeiro paroxismo: transforma-os
em terra, em fumaça, em sombra, em pó, etcétera:
em pó enamorado. E se acontece
ainda que dentre eles
amem-se amorosos os poetas pares,
felizes em seu amor solar sem escansão,
como se fossem na verdade, um para o outro,
um buraco negro de opiniões nebulosas,
palmadinhas tácitas nas costas e comentários de passagem,
anões, esfriando-se, absorvem-se mutuamente
e desaparecem.


(tradução de Ricardo Domeneck)


:


Lo que el amor les hace a los poetas
Ezequiel Zaidenwerg

no es trágico: es atroz. Les sobreviene / una luctuosa ruina a los poetas que el amor captura, / sin importar su orientación o identidad / poética. El amor lleva al total desastre / de la uniformidad a los poetas gay, / a los poetas pansexuales y bisiestos, / y a las poetas y poetrices feministas, fementidas o veraces; / a los obsesionados con el género / y a los degenerados por igual, y a los perversos polimorfos: / y hasta los fetichistas de los pies / del verso capitulan a las plantas del amor, / que no distingue ideología, / programa ni poética. A los vates de la torre de marfil / los precipita del penthouse ebúrneo directo a planta baja. A los apóstoles / del Zeitgeist, que proclaman sin empacho que la lírica está muerta, / les permite insistir en el error / y en sus prolijas parrafadas. Les produce una hemorragia palatal / a los que comban parcos aforismos diagonales, / a los herméticos de lata, a los que envasan / sus versos al vacío, a los falsarios del silencio, / y a los que fraguan haikus castellanos / al itálico modo. A los puristas de la voz les corta en seco / su dulce lamentar, y a los maniáticos del ritmo / les quiebra las falanges, y estropea / el íntimo metrónomo que llevan junto al corazón / para marcar el paso de sus versos. Les compone el sensorio / a los videntes y malditos y demás / rebeldes e insurrectos sin razón ni causa / poética, y les cura el desarreglo razonado / de todos los sentidos. Desaloja de su noche oscura / a los que piden luz para el poema / en las cavernas del sentido, y los devuelve sin escalas / a la trasnoche de la carne literal. Lo que el amor / les hace a los poetas, con paciencia y mansedumbre, / mientras las mariposas lentamente les ulceran el estómago / y el páncreas poco a poco deja de funcionar, / es harto inconveniente. A los que buscan con ahínco / y precisión de cirujano la palabra justa les arruina / el pulso, y en lugar de dar la vida, la aniquilan en su afán. / Y a los que con ardor y devoción persiguen / un absoluto en el poema, como un grial / todo de luz, tirante, diáfana y febril, / les nubla las certezas, y el deseo mismo / de saciar su ansiedad. Lo que el amor / les hace a los poetas, inadvertidamente, / mientras cosen y cantan y se atoran de perdices, es agudo, terminal / y fulminante. Es un torrente arrollador / de prosa, que espolea y multiplica, en progresión exponencial, / a los zopencos y palurdos de la poesía: / a los que cortan sin razón sus versos diminutos; / a los jinetes compulsivos; / a los diseñadores tipográficos del verso; / a los que quiebran la sintaxis sin saber / torcerla; a los que escarban en el / éter a la busca de inauditos neologismos inaudibles; / a los modernos sin pretexto; a los que creen descubrir / la pólvora en sus versos balbucientes; / a los contestatarios automáticos y a los porno-poetas; / a los que sueltan grandes nombres por la densa / fronda de sus poemas, como Hansel y Gretel arrojaban / migas; a los que impostan en su voz / vacante los mohines de una infancia lobotomizada; / a los poetas bellos y felices, caprichosos; / a las tribus urbanas y los groupies de la poesía pubescente; / a los poetas pop y los rockstars del verso; a los videopoetas y performers; / a los ovni-poetas, voladores o rastreros, identificados; / a los objetivistas sin objeto / ni vista; a los que exigen que el poema / se vista de mendigo; a los filósofos poetas; / y a los cultores convencidos / de la “prosa poética”. El amor, / que mueve el sol y a los demás poetas, / los lleva hasta el postrero paroxismo: los convierte / en tierra, en humo, en sombra, en polvo, etcétera: / en polvo enamorado. / Y si resulta todavía que entre ellos / se aman amorosos los poetas pares, / felices en su amor solar sin escansión, / como si fueran en verdad el uno para el otro / un agujero negro de opiniones nebulosas, / tácitas palmaditas en la espalda y comentarios al pasar, / enanos, enfriándose, se absorben entre sí / y desaparecen.


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