segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

21 anos, hoje, do suicídio de Pe Cas Cor



Pedro Casariego Córdoba, também conhecido na Espanha como Pe Cas Cor, nasceu em Madri em 1955. Iniciou seu trabalho poético por volta de 1974, escrevendo em geral poemas-em-série, como pequenos roteiros, em que personagens estranhas, num ambiente quase lynchiano, convivem com personagens históricas, como nos livros La canción de Van Horne, El hidroavión de K., La risa de Dios, Maquillaje. Letanía de pómulos y pánicos, La voz de Mallick (pelo qual recebeu o prêmio Juan Ramón Jiménez, em 1989) e Dra. Um exemplo, que abre o poema-em-série El Hidroavión de K., escrito em 1978:

El atractivo
tejido vitamínico
que constituye el alma
de la mujer de Laos.
La torpe avitaminosis
que corroe a Kierkegaard.
La mujer de Laos
se hace un ovillo
un ovillo de lana natural.
Kierkegaard
tejerá con ella
un tapiz de color azul.
Galán de bisutería
nuestro hombre se adelanta.


(in El Hidroavión de K., 1978)

O poeta publicou pouco em vida. A maioria desses poemas-em-série seria reunida no volume Poemas Encadenados (1977-1987), publicado na Espanha pela editora Seix Barral, em 2003, dez anos após a morte do poeta. Como o poeta escreveu no poema de abertura de La voz de Mallick (1981):

Wataksi
escúchame.
He callado y he callado más aún:
mi silencio ha sido más largo
que el camino de la serpiente
más profundo
                          que el dolor de la hiena.


(La voz de Mallick, 1981)


O ano de 1987, no qual escreve um único poema, marca seu abandono da poesia, passando a dedicar-se à pintura e ao desenho, até o ano de 1993, quando decide deitar-se na frente de um trem. O poeta se assemelha em sua estranheza e posição marginal, na poesia espanhola contemporânea, a Leopoldo María Panero (n. 1948), o outro "esquisito" da década de 70 espanhola. Cometeu suicídio no dia 6 de janeiro de 1993.


POEMAS DE PEDRO CASARIEGO CÓRDOBA


O suicídio é só teu

                                                  Ron Padgett,
                                   Suicide is only yours
                                                                 1984

Todos se deitaram
e chegou o medo

Meu coração conta suas batidas
e tua grande bunda rosa me protege

Tua grande bunda amável me defende do frio
mas atrai os pernilongos

Tua dor não é muito grande
se podes pedir ajuda

Uma bolsa d´água quente em minha cama
e toda a solidão do mundo

Aquele bar é o ninho de bocas domadas
e agora é noite e ranges os dentes

Indefeso como o espirro de um pássaro
vejo batidas que foram minhas

Se queres meter-te uma bala
eu te emprestarei meu revólver

Meu revólver é um manancial de esperança
tão seco como o ventre de uma anciã

Assina com meu revólver um cheque sem fundos
e compra um ingresso para o fundo da terra

Uma bala é um buraco no paladar
e um jejum eterno e barato

Tua grande bunda rosa e delicada
já não pedirá carne ou ar

Quem pintou de negro meus pulmões
para a torpe alegria da noite?

Se queres meter-te uma bala
eis aqui desinfetado meu revólver.

(tradução de Ricardo Domeneck)

§

El suicidio es sólo tuyo
Pedro Casariego Córdoba

                                                  Ron Padgett,
                                   Suicide is only yours
                                                                 1984

Todos se acostaron
y llegó el miedo

Mi corazón cuenta sus latidos
y tu gran culo rosa me protege

Tu gran culo amable me defiende del frío
pero atrae a los mosquitos

Tu dolor no es muy grande
si puedes pedir ayuda

Una bolsa de agua caliente en mi cama
y toda la soledad del mundo

Aquel bar es el nido de las bocas domadas
y ahora es de noche y aprieta los dientes

Indefenso como el estornudo de un pájaro
veo latidos que fueron míos

Si quieres pegarte un tiro
yo te prestaré mi pistola

Mi pistola es un manantial de esperanza
tan seco como el vientre de una anciana

Firma con mi pistola un cheque sin fondos
y compra un billete para el fondo de la tierra

Una bala es un agujero en el paladar
y un ayuno eterno y barato

Tu gran culo rosa y sencillo
ya no pedirá carne ni aire

¿Quién pintó de negro mis pulmones
para torpe alegría de la noche?

Si quieres pegarte un tiro
aquí tienes mi pistola limpia.

§

Poemas publicados no segundo número impresso da Modo de Usar & Co.:



Esta solidão

esta solidão é filha de uma altura equivocada
eu tenho o vício dos céus
sou o único proprietário
do ar ossudo e dos pássaros fáceis

os ossos azuis do céu
formam um espaço grande e delicado
e se partem em tormenta
e descem em água
para acabar em lápide sem nome

o vermelho das minhas mãos é um mistério
porque brota de rios brancos que se inclinam como lápides

através da tela metálica
cabisbaixa a erva daninha rouba o início do outono

no outono os ladrões de céu
carregam silêncio no bico e tumba nas asas

agarro-me à tela metálica
e não tenho dinheiro

as mulheres redondas sempre têm dinheiro
mas quando olham para o alto a celebrar uma cama nova
alguém obstrui o céu com uma navalha de ar

agarro-me à tela metálica
e não tenho mulher redonda

eu tenho o vício do céu porque tenho medo
porque sou covarde

mulher inteira nada tenho a oferecer desamarrote minha tormenta
A JANTA É ÀS 6.
EU SOU O GARÇOM.

:

ESTA SOLEDAD / esta soledad es hija de una altura equivocada / yo tengo el vicio del cielo / soy el único propietario / del aire huesudo y de los pájaros fáciles // los huesos azules del cielo / forman un espacio largo y delgado / y se quiebran en tormenta / y bajan en agua / para acabar en lápida sin nombre // el rojo de mis manos es un misterio / porque brota de ríos blancos que se inclinan como lápidas // a través de la tela metálica / cabizbaja la mala hierba roba el principio del otoño // en otoño los ladrones del cielo / llevan silencio en el pico y tumba en las alas // me agarro a la tela metálica / y no tengo dinero / las mujeres redondas siempre tienen dinero / pero cuando miran hacia lo alto para celebrar una cama nueva / alguien impide el cielo con una navaja de aire // me agarro a la tela metálica / y no tengo mujer redonda // yo tengo el vicio del cielo porque tengo miedo / porque soy cobarde // mujer entera no puedo darte nada plancha mi tormenta / LA CENA ES A LAS 6. / YO SOY EL CAMARERO.

§

16 de julho


mãe
      arranque a partir de hoje a coroa
                                                    de rainha da insônia
            porque é uma coroa falsa
                     nem uma única pedra preciosa
                             e mesmo assim
       quando não pode dormir
                     você se converte na enfermeira do céu
            médico de cabeceira dos cometas
                                   nuvens sensíveis
                                                estrelas que têm febre

como se compadece o sonho
          aquele que congela suas mãos
                                 suas mãos fundas de beleza
                                                                de rastelo
                             de tesouras de duas luas

               dois jardins suas mãos quando regam
           dez flores seus dedos quando plantam
                                                      algo       um bulbo?
                    que parece uma toupeira
                                                      tão fechada em si
                                     como uma noz
                        e que
                                 com certeza
               se abrirá amanhã
                            para soltar um pássaro de pétalas
           o pássaro há de tossir um pouco
                              pedirá um cigarro
                                                                e dirá
   que lhe observa quando você não pode dormir
                                   e que
                bem no momento em que consegue domir
       aparece no calor do céu de verão
         uma estrela nova e fraquíssima

talvez por isso lhe custe tanto dormir
                 iluminar uma estrela ferida
   fazer curativos na perna quebrada de uma estrela acrobata demais
         não está ao alcance dos que dormem como pedras
     dos que se esquecem das pernas alheias
                             as penas alheias
                             as próprias penas
                                                               mãe
                    creio em sua coragem
                                                               creio


:

16 DE JULIO // madre / quítate desde hoy la corona / de reina del insomnio / porque es una corona falsa / ni una sola piedra preciosa / y sin embargo / cuando no puedes dormirte / te conviertes en la enfermera del cielo / médico de cabecera de los cometas / nubes delicadas / estrellas que tienen fiebre // qué compasivo es el sueño / el que congela tus manos / tus manos hondas de belleza / de rastrillo / de tijeras de dos lunas // dos jardines tus manos cuando riegan / diez flores tus dedos cuando plantam / algo ¿un bulbo? / que parece un topo / tan encerrado en sí mismo / como una nuez / y que / seguro / mañana se abrirá / para soltar un pájaro de pétalos / el pájaro toserá un poco / te pedirá un cigarrillo / y te dirá / que te mira cuando no puedes dormir / y que / justo cuando consigues dormirte / aparece entre el calor del cielo de verano / una estrella nueva y debilísima // quizá por eso te cueste tanto dormirte / alumbrar una estrella herida / vendar la pierna rota de una estrella demasiado saltimbanqui / no está al alcance de los que duermen a pierna suelta / de los que olvidan las piernas de los otros / las penas de los otros / sus propias penas / madre / creo en tu coraje / creo


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