terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Poemas de Reuben da Cunha Rocha


Reuben da Cunha Rocha é um poeta, artista visual e crítico brasileiro, nascido em São Luís do Maranhão a 28 de junho de 1984. Também assina cavaloDADA. Publicou o ensaio "Ficção-Verdade: fronteira semiótica na montagem narrativa de Valêncio Xavier", traduziu poetas norte-americanos como Allen Ginsberg, Bill Knott e Richard Brautigan, e colaborou textualmente com os xilógrafos Ana Calzavara e Fabrício Lopez no álbum Miragem no olho aceso (2013).

Texto de Reuben da Cunha Rocha/cavaloDADA em Miragem no olho aceso (2013).


Em 2012, apresentou-se em Nottingham, Inglaterra, com a performance CAIXAPREGO na Backlit Gallery, durante o World Event Young Artists.

Reuben da Cunha Rocha / cavaloDADA - "CAIXAPREGO" -
em apresentação na Backlit Gallery, 
Nottingham, Inglaterra, 2012.

Trabalha também com poesia visual, exemplo da qual seria sua série de "pixo transmídia", publicada na revista randomia.

Reuben da Cunha Rocha / cavaloDADA - "pixo transmídia"



Tem sido um colaborador contumaz da Modo de Usar & Co., com traduções e ensaios sobre e.e. cummings, Kenneth Rexroth, Cátia de França e Linton Kwesi Johnson. No terceiro número impresso da revista, publicou aquele que me parece um dos ensaios indispensáveis para o debate poético contemporâneo, "Poesia inútil, poesia irrelevante?", já publicado também aqui. Considero-o uma das forças mais positivas e impressionantes a surgir na poesia brasileira da novíssima geração. 

Reuben da Cunha Rocha, ou cavaloDADA, vive e trabalha em São Paulo, onde coedita a revista randomia e colabora com diversas outras publicações, entre elas a Modo de Usar & Co., para sorte de todos nós. O quarto número impresso da nossa revista, lançado no mês passado, traz dois poemas inéditos do autor.



POEMAS DE REUBEN DA CUNHA ROCHA (cavaloDADA)


Praça do Sol às 3 da tarde
risca o fósforo do incendiário
Praça do Sol às 3 da tarde
abre as narinas p/ o fedor dos muros
Praça do Sol às 3 da tarde
esconde a senha dos holocaustos
Praça do Sol às 3 da tarde
enerva cada coração covarde
Praça do Sol às 3 da tarde
aponta os mísseis à glória
Praça do Sol às 3 da tarde
depila as tuas rameiras
Praça do Sol às 3 da tarde
apascenta teus ambulantes
Praça do Sol às 3 da tarde
despista o fumo dos policiais
Praça do Sol às 3 da tarde
oculta o raio do cego
Praça do Sol às 3 da tarde
acode o baque das ondas
Praça do Sol às 3 da tarde
distrai o tédio do pipoqueiro
Praça do Sol às 3 da tarde
loas ao biquíni túrgido
Praça do Sol às 3 da tarde
acorda a renca dos ventos
Praça do Sol às 3 da tarde
diz a gíria do guardador de carros
Praça do Sol às 3 da tarde
toma gosto c/ as empregadas
Praça do Sol às 3 da tarde
pendura a nuvem nos galhos
Praça do Sol às 3 da tarde
trocados ao vendedor de coco
Praça do Sol às 3 da tarde
ouvido ao reggae das bacantes
Praça do Sol às 3 da tarde
Praça do Sol às 3 da tarde
Praça do Sol às 3 da tarde
devora a muvuca das gentes
cede teus bancos às fodas
legisla a rixa dos traficantes
senhora injuriada das trapaças
abre tuas pernas p/ os pivetes
engole o mijo da criança

§

perde os sapatos quando falo
esquece os sapatos
desfaz o embrulho do laço

tem 1atalho q dá na tua estrela
reviro os olhos no voo da abelha

aceso, teu nome
na cinza do skank
acolhe a saudade
nossa pena doce

minha febre é 1ataque de cócegas

o fofão q brinca c/ a criança
decifro antes de entender teu jeito
desse jeito tu dança
veloz e livre igual 1grilo

feliz e leve sou a terra toda
pequena cavalo do som

esquece os sapatos quando falo
perde os sapatos
desfaz o caroço do cadarço

§


Reuben da Cunha Rocha / cavaloDADA - "pixo transmídia"


§


teu cabelo de espuma
sol cabeça de coruja
estou pesado como as ondas
tua cabeleira no azul

é a segunda vez
q dás o ar da graça

a primeira: pássaro
em pleno pouso
no braço do vento
adubando o som no bar
dos maconheiros

a segunda:
o rosto desfeito
em luz difusa
revoltas o ego
n1 espasmo
dissipas o ego
governado
pelo medo

§

vem o cheiro da chuva: passa
o rasta faz sinal: o céu desaba
dispersa o baculejo na zona
o astronauta atravessa
a rua: pousa e passa
na raiz da árvore: ñ recua
da experiência mundo
se despega da perda: entra
     noutra história


(in Miragem no olho aceso)
 

§

 cavaloDADA + Tazio Zambi - "z de zero" (2013) 


§

A professora ensina a empalhar
personagens
operações universais, aplicáveis
ao trabalho de cada 1 dos presentes

A professora ñ acerta
ñ tem certeza
se me conhece doutro lugar
Quem dera estar
noutro lugar, quem dera enforcá-la
c/ a palavra corpus, usar
os dentes dela p/ triturar
a palavra objeto

Nada q vale a pena de ser lido
pode estar contido
na palavra objeto
quando 1texto está de pé
ñ vem c/ essa

São assim (p/ ficar nos gêneros clássicos)
a desobediência e o assalto a banco

Ó feiura estatística, sem amor
ou música das estudantes de Letras
acabadas feito Obras Completas

§




José Agrippino de Paula
salta bem em cima
d1 texto em progresso. Solta
pelos nas teclas
amassadas do teclado
do computador
em branco

Éguas, Agrippino! assim
seremos 2 a ficar carecas
digo p/ o gato
enquanto noto
meu próprio
pelo tomar conta
do ladrilho
branco

Noutro tempo
tínhamos 1gato
mas ñ se chamava
assim, José
Agrippino de Paula
, era a invenção
d1 poeta inglês
1q sempre desaparecia
à hora q queria
deixando p/ trás
pouco mais
q 1sorriso

Levanto
d1 txt em progresso
p/ abrir a janela
O vento, tlvz
1enciumado
poeta inglês
arrasta p/ si
nossos pelos e antes
q eu possa checar
se ñ terá levado
também as palavras
q abri na tela, tu

abre a porta
de casa, sacolas
nos braços
a sombra sozinha
da nuvem ilhada
no meio da água


§

TELEGRAMAS DA L.A.I.A.

1FABRICANTE DE PIANOS (SCHMIDT, DE ESTRASBURGO) CONSTRUIU A 1aGUILHOTINA. “SE ALGO EXISTE DE CERTO NESSA VIDA, SE A HISTÓRIA NOS ENSINA ALGUMA COISA, É Q SE PODE MATAR QQR1”. CUIDADO C/ O TRUQUE DO ELOGIO COMO FORMA DE CONVENCIMENTO

MESMO C/ 3DIAS DE ATRASO, A LEITURA DO JORNAL PERMANECE DESINTERESSANTE. LEGALIZE A FRUTA Q LAMBUZA. ABAIXO A CÓPIA AUTENTICADA. (TODO MUNDO SABE Q) A VIAGEM NO TEMPO ESTÁ COMPROVADA PELA PRESENÇA MACIÇA DE CABEÇAS DO SÉCULO RETRASADO NESTE

A TERRA É 1TAPETE VOADOR. 1CABEÇA Q CONVERSA É COMO 1UNIVERSO. O TELEJORNALISMO NOS DÁ VONTADE DE BATER C/ AS CABEÇAS NA PAREDE (Ñ AS NOSSAS CABEÇAS). E Ñ ADIANTA ALIVIAR C/ A TELENOVELA

A ÚNICA COISA PIOR Q 1GOVERNO É 1GOVERNISTA. O POLÍTICO CONSERVADOR PODERIA SE INSPIRAR NO ARTISTA CONSERVADOR E AO MENOS SE TORNAR INOFENSIVO. LEGALIZE O SOL ANTES DAS SEIS

NA CLASSIFICAÇÃO GERAL DE TUDO O Q É TRISTE
O PENSAMENTO POBRE PERDE
P/ O PENSAMENTO CONVENIENTE


(in As aventuras de cavaloDada em + realidades q canais de tv)

§

TESTE DE INDETERMINAÇÃO INDUZIDA


materiais: luz, ônibus, paisagem

dentro d1 ônibus, c/ destinação variável, posicione-se ao sol. A preferência é por horários em q a incidência de luz favoreça a formação de sombras a partir do exterior do veículo e por durações amplas, c/ razoável transformação de paisagem. (Desaconselha-se o verão.) Trânsito fluido (se ñ livre) facilita a experiência. Casas, prédios sem nenhuma coerência arquitetônica, árvores c/ folhagem de densidade variável, túneis, aviões e outras naves, nuvens, são voluntariamente derretidos durante o trajeto n1 único filtro de luz sobre a superfície dos corpos dentro do ônibus. A ambiência (grande tubo de metal, pneus dando esparro) dá 1ideia de caleidoscópio c/ pigarro, e a mutação das sombras destila suave lisergia


materiais: quadril, coxas, biblioteca

no interior da biblioteca, durante a leitura, prossiga n1a boa enquanto aguarda, sentado. A bateria de samba se posiciona no espaço contíguo à biblioteca (ou seja) no verso d1a parede próxima, q no modelo utilizado acompanha vasta área livre. A qqr momento a bateria dá início à música (q estimula quadril e coxas). Certifique-se de ñ fazer nada. Siga resolutamente a leitura, permitindo a quadril e coxas q pensem por si mesmos, estimulados pela dinâmica das vibrações. Em pouco tempo (espontaneamente) o corpo se empenha em mil posições na cadeira ocupada, beneficiando postura, respiração e humor


materiais: alimento sólido, caixa craniana

durante a explicação, mastigue. O tema discutido ñ altera o experimento, pois seu verdadeiro conteúdo é o desejo de ñ estar ali. “Ali” designa espaços variados: sala de aula, debate, reunião, importantes discursos. Importante também o conteúdo q se leva à boca, dando-se preferência aos crocantes, q amplificam a ação acústica produzida por maxilar, dentes e ouvido interno. (A depender do alimento escolhido recomenda-se acompanhamento médico.) O crânio desempenha o papel de caixa ressonante p/ seu portador (de efeito imperceptível p/ os circundantes) e solapa a fala externa


(in As aventuras de cavaloDada em + realidades q canais de tv)

§

Autorretrato enquanto retirante

p/ essa cidade
eu vim trazer
preguiça

gíria lânguida
“ñ perturbe”
no pórtico,
contrabando

pelo andar
da minha
rua (onde no
início a banca
de revistas
fechava qdo
muito aos
feriados
e hj ñ abre
+ p/ nada)
parece quase
certo q anda
tudo rente
ao plano

exceto claro
pelo amor
elétrico q
lanço a essa
zona
ambivalente
cidade
anômala

lépido
o amor q lhe
dedico
quase encalça
a pressa c/ q
me aplico
nos jornais
aos títulos
às listas
de 10+
e aos
retrospectos
de final
de ano

(Publicado originalmente aqui na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., na série de inéditos).

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