domingo, 12 de janeiro de 2014

Texto em que o poeta faz uma demonstração pública de afeto a Markus Nikolaus, enquanto relata em numéricos estágios a transição de Eros a filiar-se rumo ao Ágape

                         "Where there is personal liking we go."
                                                        Marianne Moore

1.

Não é segredo 
a ninguém
ao menos 
em Berlim
que lhe ofereci 
aquele drink
quando primeiro 
o vi
com hormônios
em brasa 
de pólvora.
Queria braços 
e pernas 
de polvo.

Era óbvio
e claro
que não faço
o seu genre
ou pertenço
ao gender
propenso,
e é outro
seu jogo.
É sempre
o caso
quando gosto
de um menino
com trejeitos
de touro.

2.

Você me acolhe como comparsa
de alcaloides e álcoois no quarto:
quisera ser cúmplice doutros atos.
Mas não importa nessa co-aurora.
Coisa glabra estirada sobre a cama
é alegria felpuda sem tamanho.

3.

Os seus hematomas 
de moleque pipocam,
roxos, azuis, pelo corpo, tanto
corpo, como se fosse inchando
de tônus em músculo, pujança
de carne tesa, tôrax inflando
-se expectorante, enquanto
ouço as tosses e acompanho
os movimentos, expectante
a cada ascensão montante,
como fosse eu dependente
desses pulmões rangentes,
desejoso, entre as costelas,
de ser eu aquela
que foi de Eva.

4.

O que foi que disse
ao Pequeno Príncipe
a raposa,
pequeno príncipe?

Tudo o que espero
é poder compartir
consigo do cativeiro,
mútuo e mesmo.

5.

É tão conflitante
ter afetos em dilema,
eros a filiar-se
rumo ao ágape,
e nem foi preciso
vir via ciconiiforme
para gerar estorge,
mutação em estad
ainda transiente
que de mim faz mãe
pouco ou nada casta.

Por vezes, quer-se ente,
às vezes quer-se Jocasta.

Sente-se tal avô, avó.
Logo, de Davi, Jônatas.

6.

São criaturas como você,
aviador que se pergunta
se o mundo é talvez a lua
e que nomeio com ternura
my favorite space cadet,
que semeiam a dúvida
em mim se Camões
estava certo porventura
em dizer superiores
as amizades aos amores,
se em mim confundem
-se, tais outrora aturdidos
aqueles agricultores
perante as primeiras
cercas erguidas
nos Commons.

7.

W.H. Auden disse ter tido
muito mais prazer erótico
em colaborações artísticas
que na mescla dos lençóis.
Façamos portanto canções,
se nunca poderíamos filhas.

8.

Eles sempre saem vitoriosos
mesmo batendo em retirada:

uns, nós 
tornamos persona non grata
e outros

enrolam-se-nos, tais nós,
e nos deixam tatuadas.

9.


Somos tão distintos
e nada diferentes.
Respeitamos ambos
as Musas e os anjos,
mas a nosso duende
é que dedicamos
a nossa allegiance.

10.

Mais de uma década
separa a doação à luz
que foi você – aquela
que hoje agradeço
como se a luz
quiçá fosse eu –,
e o meu vagido
primevo e espargido
de bezerro no escuro.

Com a ansiedade
dum atalaia ou mãe
acompanho você
durante a quebra
da adultez inevitável,
aquela primeira,
por volta dos vinte
e tantos danos,
quando se descobre
que o ocaso
é de estanho ou cobre,
não d'ouro.

11.

Você decerto já sentiu
como sou possessivo
e quero, mesmo amigos,
não precisar dividi-lo
às vezes. Compartilha
-se filho? De que jeito?

No júbilo do óvulo,
no óbvio da barriga.

Só me é possível
ser como novelo
nos seus lóbulos,
feito invólucro
proteger do frio
as suas orelhas,
os seus ouvidos.

12.

Na velhice do ágape
que se encarna e filia,
ao suplantá-lo supriu
a juventude do início
de um eros reprimido,
aquele míope cupido
que nunca pergunta
se o alvo
em mira
é menino
ou menina
quisto
ao lado,
mas a si me uniu,
querido,
quando usou suas flechas
sem seu qualquer interesse
em me coçar com feridas
ao saírem do seu alforje,
mas são cicatrizes hoje
benvindas e benditas
pois o trouxeram à vida
que chamo de minha,
mendigo de minutos,
e o que aqui lhe digo
em caráter público
é tão-só isso:
dos melhores amigos
que eu seja o mais fiel
dos sobrevivos 
e dos súditos.




Bebedouro, 12 de janeiro de 2014, no dia em que Markus Nikolaus completa um quarto de século.


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