Ciclo do Amante Substituível
1-
ay Lancelot oh
Guinevere little
guinea
pigs indeiscentes
oxalá os cascos
de cavalo e cavalier
achatem-me o crânio
no despenque de
alturas
dos estames do
senhor farelo & senhora
migalha
de vossas ofertas
& liquidações
pois toda ciudad
baniu-me
oaxaca lumbago chemnitz
como se my medulla
oblongata contagiasse
tel quel maçã-adâmica
ou pior: maçã
evífica –
homúnculos & mulhúnculas
guardam-se
de minhas epiderme & epic
glottis
como calíope da anorexia
e reclinam-se à hipotenusa
ao desfile das penugens
de minha especialúrgica uniqueza
preciosérrima
rarité extinta
spatzen sparrows
pardais: perdoai-nos
vossa espaçosidade –
! antes projetado
às profundezas
do azul feito
uma Laika
! antes exposto
às explosões
do azul feito
uma Leica
a sujeitar-me em objeto
ao desaire de vosso desejo
alheio alhures
ou nomear-me vosso ornitólogo
na cava & cova
eis-me alcunhalizado embrenhagado
a 16% de rosiclerose
via Amoreno della
Valpolicella
e ninguém esfinja a polpa
deste conundrum
dos motivos por que
fui-me
apagogiar por vossa mercê
ou como hei de me
excabulir
2-
sansão & heloísa
quedam-se inquocientes
a sorver como lêmures
..............seu fisco
e sonegam suas
quotas-partes
do quotidiano
incapazes da divisão
de 45 por 33
como abelardo
& minnie
asseguram o quórum
de sua assembléia
de 2
e ruflam os tambores
das asas galináceas
de seus tímpanos
com palavrículas
plagiadas de bonnie
& corisco
feito “eis-me a polpa
de teu bulbo”
ou “permita-me,
caro/a senhor/a,
exercer a clara-neve
de vossa cremogema”
enquanto clyde mickey
dalila
............dadá
haurem o haraquiri
das memórias
de seus antigos
rituais de acasulamento
perseguindo
suas consciências ao molho
como a Io o moscardo
e desgrenham-se
por brenhas a maldizer
copérnico
por roubar-lhes os cantos
do mundo
onde sumidourar-se
escafundir-se
para meditar
o hocus-pocus
do “não
vos quero mais”
dos árbitros do fim
.
.
.
Publicados pela primeira vez na edição de julho da revista Sala Grumo.
domingo, 30 de agosto de 2009
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Hoje à noite, nos vinhedos de Medana, Eslovênia
Hoje, às 20:30, estarei sob uma árvore nos vinhedos de Medana, na Eslovênia, para minha segunda leitura no festival (clique AAQQUUII). Conheci alguns poetas muito bons, a antologia foi muito bem editada, escrevo um relatório quando voltar ao Berlimbo. No domingo, parto para Veneza, que está logo ao lado, onde passo 3 dias perambulando pela Bienal.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Garganta flexível, cordas tesas
Parto este fim-de-semana para a Eslovênia, onde participo do Festival de Poesia de Medana, que ocorre há cerca de uma década, sempre em agosto, trazendo poetas estrangeiros para o país, com leituras espalhadas pelo território, da capital Ljubljana a pequenas cidades, terminando em um vinhedo na pequena cidade de Medana. O nome oficial do festival é Medana: Days of Poetry and Wine. Passarei uma semana no país, lendo com poetas eslovenos, alemães, americanos, italianos, das mais variadas gerações. Na terça-feira, dia 25 de agosto, leio na cidade de Ptuj, com os poetas Mehmet Yashin (Chipre, 1958) e Nicole Gdalia (Tunísia, 1946). No dia 28, sexta-feira, já no vinhedo de Medana, leio com os poetas Aleksandr Skidan (Rússia, 1965), Milena Lilova (Bulgária, 1958), Matthias Göritz (Alemanha, 1969), Veronika Dintinjana (Eslovênia, 1977) e novamente com Mehmet Yashin. Especialmente para o festival, os organizadores traduziram dez poemas meus para o esloveno, cinco dos quais devem figurar na antologia trilíngue (língua original do poema, inglês e esloveno) publicada todo ano pelo evento. Meus poemas foram traduzidos por Barbara Juršič.
Precisando de umas boas férias, uni o útil ao agradável. Como não há uma conexão barata entre Berlim e Ljubljana, segui a orientação dos organizadores do festival, de voar para uma cidade austríaca ou italiana próxima da fronteira com a Eslovênia. Parto no domingo, dois dias antes do festival começar na Eslovênia, com um vôo para Klagenfurt, na Áustria, passando dois dias na cidade em que nasceu Ingeborg Bachmann (1926 - 1973), caminhando, lendo, traduzindo a poeta austríaca. Parto para a Eslovênia de carona na terça-feira e, depois de uma semana no festival, sigo para Veneza, na Itália, de onde marquei o vôo de volta para Berlim, aproveitando para ver pela primeira vez a Bienal. Vai ser bom desligar o crânio um pouco da rotina aqui no Berlimbo.
§
Antes de sair de viagem, após debater os últimos artigos com três poetas brasileiros contemporâneos por quem tenho muito respeito, achei necessário esclarecer, de forma bastante sucinta, dois pontos:
1- em momento nenhum gostaria de insinuar que a conjunção que defendo entre ética e estética seja algo "novo". Insisto que não se trata de "vanguardismo", ainda que eu creia que DADA e outras vanguardas históricas tenham levado o debate a outro patamar. Esta preocupação, eu creio, pode ser sentida em momentos diversos da História da poesia, em outros torna-se menos marcada. Tenho insistido nesta discussão, em território poético brasileiro e lusófono, por discordar publicamente da teleologia fictícia que se tem desenovelado de conceitos como "pós-utópico" e "trans-historicidade", assim como uma mais recente onda de tentativas de instituir o "l´art pour l´art" como única ética viável ao poeta.
2- não quero insinuar uma demonização do Renascimento, isso seria muito tolo de minha parte, ou sua culpa por todos os aspectos negativos da transformação dos parâmetros críticos hegemônicos a partir do século XVI. O trabalho poético oral seguiu firme e forte. O que argumento é que houve uma distorção de perspectiva e hierarquia, criando uma nova hegemonia crítica, um novo foco de atenção, que não é negativo em si, mas limitado. É este meu argumento. Precisamos encontrar uma narrativa histórica que respeite o fluxo das metamorfoses estéticas, evitando aqueles perigos mais claros do nosso vício de periodizar. Ainda que, segundo Fredric Jameson em Singular Modernity - Essay on the Ontology of the Present, "we cannot not periodize".
§
Encerro com meu texto "corpo" e a tradução de Barbara Juršič para o esloveno. Mais informação sobre o Festival Medana AAQQUUII.
§
corpo
cor.po
subst m corpo ['korpu]. pl. corpos. De nem
um. Massa
e peso
(favor não confundir)
anexados a superfícies
de código binário
aka masculino e feminino.
1. a. Geografia do posicionar-se. Área com fronteiras definidas; porção de espaço a sonhar com dicionários.
1. b. Locus de focus em terror, hocus pocus da lógica em orifícios úmidos.
1. c. Carcaça. "De volta à realidade!".
Diz-se
que o mesmo ar
não pode circundar
dois ao mesmo
tempo.
2. a. Padrão de aparência perigosa para a mecânica da pureza; a ilusão da higiene.
2. b. Não uma árvore.
Cores são encomendadas de acordo com o gosto.
Entrega segue regras de fabricação genética. Exemplares ruivos
anexados a um pênis
são uma iguaria.
3. a. Não confiável em impermeáveis. Temporário e de oscilações frequentes. "Quase lá."
3. b. Um grupo de erros e equívocos reputados como uma sanidade; uma Corporação S.A.
Mas a esfera
privada
é também um pesadelo.
4. a. Estabelecimento comercial. Para instruções, referir-se ao manual, ao oral.
Som
conhecido como voz
cola-o
à sua definição.
5. Geringonça que não sua em fotografias:
5. a. Anal tomia. A maior peça da fricção.
5. b. Maquinaria para a produção de líquidos.
5. c. Exclusivo para índices e apêndices.
5. d. Destinado a lubrificantes.
Se cortado ou perfurado, tende a tornar-se mais atento.
6. Massa de matérias e matéria de farrapos.
Dê-lhe água,
faça-o celeste.
7. a. Uma coletânea ou quantidade, como de material ou informação: a evidência de sua inflação.
VOCÊ ESTÁ AQUI
em um mapa.
8. Mobília confortável que requer manutenção.
::: Ricardo Domeneck, Corpos e palanques (São Paulo: Dulcinéia Catadora, no prelo) :::
§
telo
te.lo
samostalnik s telo -esa. Nikogaršnje.
Masa
in teža
(prosim, ne zamenjujte)
pripeti na površine
binarnih kod
aka moški in ženski.
1. a. Geografija zavzemanja prostora. Območje z določenimi mejami; del prostora, ki sanja o
slovarjih.
1. b. Locus focusa v grozi, hocus pocus logike v vlažnih odprtinah.
1. c. Okostje. "Nazaj v resničnost!".
Pravijo
da isti zrak ne more
obdajati
dveh obenem.
2. a. Vzorec, na videz nevaren za mehaniko čistosti; iluzija higiene.
2. b. Ne drevo.
Barve se naroči po okusu.
Dostava upošteva genetska pravila izdelave. Rdečelasi primerki
pripeti na penis
so poslastica.
3. a. Ni mu za zaupati v dežnem plašču. Začasno in s pogostimi nihanji. "Prišlo mi bo."
3. b. Skupina napak in zmot, znanih kot duševno zdravje; Korporacija S. A.
Ampak zasebna
sfera
je tudi nočna mora.
4. a. Trgovsko podjetje. Za navodila poglejte v priročnik, v oralnega.
Zvok
poznan kot glas
ga prilepi
na svojo definicijo.
5. Stvarca, ki se ne poti na fotografijah:
5. a. Analna tomija. Največji del trenja.
5. b. Mašinerija za proizvodnjo tekočin.
5. c. Ekskluziva za kazalce in priveske.
5. d. Namenjeno mazivom.
Če odrežete ali prebodete, običajno postane pozornejše.
6. Gmota snovi in snovnost krp.
Dajte mu vode,
naredite ga nebeškega.
7. a. Zbirka ali količina, kot bi bila iz materiala ali informacij: očitnost njene napihnjenosti.
TUKAJ SI
na zemljevidu.
8. Udobno pohištvo, ki zahteva vzdrževanje.
(tradução de Barbara Juršič)
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poesia oral,
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sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Escrever em voz alta: parte 3: meça o corpo presente
Minha aproximação e abordagem desta discussão, sobre a relação entre escritura e oralidade, deu-se gradualmente, como resultado de meu interesse em questionar certas dicotomias engessadas, esquemáticas, em especial a que busca separar e catalogar o espiritual e o corporal como adversários ou opostos, ou os outros pares usuais, como psicológico e físico, abstrato e concreto, etc. Aqui entra uma preocupação que eu insisto em chamar de est-É-tica, por crer que tais dicotomias, quando cristalizadas, levam-nos a implicações culturais e políticas pouco saudáveis, das quais sofremos todos os dias. Foi por isso que, mesmo em minha escrita, desde o início buscava no corporal os conceitos (e receitas) para uma transcendência que não implicasse sublimação do físico, uma aceitação adulta de nossa mortalidade, nossa finitude. Nas duas partes do meu livro Carta aos anfíbios (2005), busco na primeira, através de um trabalho metafórico, e na segunda, através do metonímico, encontrar parâmetros est-É-ticos para uma pesquisa poética que, se deseja o conceitual, o metafísico e o invisível, busque no concreto, corporal e físico suas manifestações.
Os materiais, a lição: cinco variações
I.
pés úmidos em terra seca:
montar um cavalo morto
enregela-nos o movimento.
(beijo ao caminho, à poeira)
o fértil
revolve os olhos
e mal contém-se
em coice:
pata impressa
em ervas.
II.
conglomerado sem esforço,
o corpo reunido vinga-se
do ar, dispersão contínua.
(e despenca-me em chuva)
o úmido
opõe ao vento
o núcleo
do seu aposento:
o corpo persevera
no extenso.
III.
escalar-se em chamas,
deitar no próprio corpo
como na última cama.
(prefiro o consumo do outro)
nosso palpável
peito unido
lambe o milagre
da carne única:
a trindade
opera-se grávida.
IV.
fala e água: ao chocarem-se
em continentes de carência,
o conteúdo dita a forma.
(o líquido modela o copo)
o sangue
procura deter-se
num trecho de pele
um instante:
toque do anátema,
farol, ex-amante.
V.
consciência purgada na falta
que ama: enfim, só se é cauto
em sins de olhos fechados.
(fé do absurdo no obstáculo)
o cavaleiro
executa
no escuro
o movimento.
sem aposta de páscoa:
um cavalo, um moinho, um vento.
Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Editora Bem-Te-Vi, 2005)
Algo destas consequências pouco saudáveis é o que vejo retratado em um dos melhores filmes deste nosso século, baseado no romance de Elfriede Jelinek, acusando nossas neuroses. Michael Haneke é um mestre na est-É-tica do confronto de nossas neuroses e hipocrisias. Fui ao cinema 11 vezes para assistir esse filme, filme em que todas as secreções humanas comparecem, implícitas ou explícitas, em que as relações de poder entre os sexos se apresentam em toda a sua violência, pesquisei-o, assim como o romance, como base para minha própria intervenção contra a dicotomia hipócrita do sublime e do grotesco, em que o grotesco se torna, invariavelmente, o território do corporal, o que nos desemboca na violência.
(Michael Haneke, La pianiste, 2001, baseado no romance de Elfriede Jelinek)
No ensaio "Ideologia da percepção", escrevi sobre meu interesse pelo trabalho de Hilda Hilst, por demonstrar justamente uma busca por transcendência que jamais implica sublimação. Lembro-me de que, em debate com o poeta Dirceu Villa, ele viria a dizer que o que interessava a ele era a retomada, por parte de Hilst, de certas formas de Catulo. Aqui entraria uma discussão interessante sobre a imbricação entre forma e função, já que eu diria que estes dois aspectos do trabalho de Hilda Hilst irmanam-se: parece-me bastante acertada, por parte de Hilst, a escolha de Catulo como referência em um trabalho como o que descrevi acima, de uma poética de pés-no-chão, contextualmente consciente, sem sublimação do físico em nome de uma possível transcendência. Lembro-me da febre que tive ao ler Hilda Hilst pela primeira vez, de pé em uma livraria da Avenida Paulista, em 1997, abrindo seu romance Estar sendo. Ter sido, lançado naquele ano, e lendo o poema que o encerra, intitulado "A mula de Deus", aquele que termina com esta coisa maravilhosa: "Palha/ Trapos/ Uma só vez o musgo das fontes/ O indizível casqueando o nada/ Essa sou eu/ Poeta e mula", a mulher que escreveu:
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
Hilda Hilst, Do desejo, 1992
Vejo isso em meu mestre eleito dentre os primeiros modernistas brasileiros, meu caríssimo Murilo Mendes, aquele que terminou um poema com o verso "eu estou no meu corpo" e, mesmo em busca por transcendência, conhecia sua condição carnal, ainda que, assim como Hilda Hilst, nem sempre se apaziguava com ela:
"Estou aqui, nu, paralelo à tua vontade,
sitiado pelas imagens exteriores.
Todo o meu ser procura romper o seu próprio molde
em vão! noite do espírito
onde os círculos da minha vontade se esgotam."
(Murilo Mendes, "O poeta na igreja", Poemas, 1930)
Vejo isso no trabalho de Orides Fontela, outro de meus mestres escolhidos, como no poema "São Sebastião":
São Sebastião
As setas
- cruas - no corpo
as setas
no fresco sangue
as setas
na nudez jovem
as setas
- firmes - confirmando
..................a carne
Orides Fontela, Trevo (São Paulo: Duas Cidades, 1988)
Intuo que houve outros tempos em que nossa relação com o corporal era mais saudável. Por isso me interesso por uma poética do grotesco, como a que Bakhtin descreve ter existido na Idade Média. Um dos problemas que tenho com certos parâmetros neoclássicos é por ver nessa atitude algo das causas por que perdemos esta saúde, a partir do Renascimento, por releituras (que vejo como equivocadas) do legado clássico, baseadas na sublimação do contextual, físico, histórico. Algo piorado pelo cartesianismo que a Europa viria a propagar, e contra o qual poetas como os do Cabaret Voltaire, do Grupo de Viena, da Internacional Situacionista ou indivíduos como John Cage e Frank O´Hara viriam a se rebelar.
Minha pesquisa est-É-tica contra esta sublimação do físico, contextual, histórico e corporal (vejo-os unidos) levar-me-ia a esta pesquisa do oral e da performance, por uma busca pela reunião entre língua e corpo. Isso geraria, por exemplo, os textos do livro a cadela sem Logos, em que tento buscar uma maneira de manter a oralidade implícita na escrita, tentando convocar e obrigar o leitor à sua performance.
falar hoje exige
elidir a própria
voz as transações
inventivas entre
interno e externo
demandam
que a base venha
à tona e a
superfície seja
da profundidade da
história ímpeto
denotando o
centrífugo
o corpo público
que exibo como
palco fruto
da ansiedade
do remetente
o interno ao longo
da epiderme
como emily
dickinson terminando
uma carta de minúcias
com “forgive
me the personality“
Ricardo Domeneck, a cadela sem Logos (São Paulo: Cosac Naify, 2007)
Isso geraria também meus primeiros vídeos, como o que vim a chamar de meu "oralfesto", o vídeo "Garganta com texto", em que busco fazer o dizer.
(Ricardo Domeneck, "Garganta com texto: um oralfesto", exibido pela TV Cultura em dezembro de 2006)
Há certas asserções bombásticas no vídeo, como afirmar que "poesia não é literatura", o que gerou desentendimentos e necessitaria de elaboração e discussão. Preparei o vídeo em pleno momento de "ativismo anti-literário" à la Zumthor, de certa forma, e sei que esta declaração merece reparos e argumentação. Poesia é também literatura, obviamente, especialmente após as transformações poéticas pós-Renascimento. Insisto, porém, ser um equívoco associar o trabalho poético primordialmente com a escrita, o que tem nos levado a uma tradição bastante limitada, que muitas vezes mais atrapalha do que ajuda.
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Os materiais, a lição: cinco variações
I.
pés úmidos em terra seca:
montar um cavalo morto
enregela-nos o movimento.
(beijo ao caminho, à poeira)
o fértil
revolve os olhos
e mal contém-se
em coice:
pata impressa
em ervas.
II.
conglomerado sem esforço,
o corpo reunido vinga-se
do ar, dispersão contínua.
(e despenca-me em chuva)
o úmido
opõe ao vento
o núcleo
do seu aposento:
o corpo persevera
no extenso.
III.
escalar-se em chamas,
deitar no próprio corpo
como na última cama.
(prefiro o consumo do outro)
nosso palpável
peito unido
lambe o milagre
da carne única:
a trindade
opera-se grávida.
IV.
fala e água: ao chocarem-se
em continentes de carência,
o conteúdo dita a forma.
(o líquido modela o copo)
o sangue
procura deter-se
num trecho de pele
um instante:
toque do anátema,
farol, ex-amante.
V.
consciência purgada na falta
que ama: enfim, só se é cauto
em sins de olhos fechados.
(fé do absurdo no obstáculo)
o cavaleiro
executa
no escuro
o movimento.
sem aposta de páscoa:
um cavalo, um moinho, um vento.
Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Editora Bem-Te-Vi, 2005)
Algo destas consequências pouco saudáveis é o que vejo retratado em um dos melhores filmes deste nosso século, baseado no romance de Elfriede Jelinek, acusando nossas neuroses. Michael Haneke é um mestre na est-É-tica do confronto de nossas neuroses e hipocrisias. Fui ao cinema 11 vezes para assistir esse filme, filme em que todas as secreções humanas comparecem, implícitas ou explícitas, em que as relações de poder entre os sexos se apresentam em toda a sua violência, pesquisei-o, assim como o romance, como base para minha própria intervenção contra a dicotomia hipócrita do sublime e do grotesco, em que o grotesco se torna, invariavelmente, o território do corporal, o que nos desemboca na violência.
(Michael Haneke, La pianiste, 2001, baseado no romance de Elfriede Jelinek)
No ensaio "Ideologia da percepção", escrevi sobre meu interesse pelo trabalho de Hilda Hilst, por demonstrar justamente uma busca por transcendência que jamais implica sublimação. Lembro-me de que, em debate com o poeta Dirceu Villa, ele viria a dizer que o que interessava a ele era a retomada, por parte de Hilst, de certas formas de Catulo. Aqui entraria uma discussão interessante sobre a imbricação entre forma e função, já que eu diria que estes dois aspectos do trabalho de Hilda Hilst irmanam-se: parece-me bastante acertada, por parte de Hilst, a escolha de Catulo como referência em um trabalho como o que descrevi acima, de uma poética de pés-no-chão, contextualmente consciente, sem sublimação do físico em nome de uma possível transcendência. Lembro-me da febre que tive ao ler Hilda Hilst pela primeira vez, de pé em uma livraria da Avenida Paulista, em 1997, abrindo seu romance Estar sendo. Ter sido, lançado naquele ano, e lendo o poema que o encerra, intitulado "A mula de Deus", aquele que termina com esta coisa maravilhosa: "Palha/ Trapos/ Uma só vez o musgo das fontes/ O indizível casqueando o nada/ Essa sou eu/ Poeta e mula", a mulher que escreveu:
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
Hilda Hilst, Do desejo, 1992
Vejo isso em meu mestre eleito dentre os primeiros modernistas brasileiros, meu caríssimo Murilo Mendes, aquele que terminou um poema com o verso "eu estou no meu corpo" e, mesmo em busca por transcendência, conhecia sua condição carnal, ainda que, assim como Hilda Hilst, nem sempre se apaziguava com ela:
"Estou aqui, nu, paralelo à tua vontade,
sitiado pelas imagens exteriores.
Todo o meu ser procura romper o seu próprio molde
em vão! noite do espírito
onde os círculos da minha vontade se esgotam."
(Murilo Mendes, "O poeta na igreja", Poemas, 1930)
Vejo isso no trabalho de Orides Fontela, outro de meus mestres escolhidos, como no poema "São Sebastião":
São Sebastião
As setas
- cruas - no corpo
as setas
no fresco sangue
as setas
na nudez jovem
as setas
- firmes - confirmando
..................a carne
Orides Fontela, Trevo (São Paulo: Duas Cidades, 1988)
Intuo que houve outros tempos em que nossa relação com o corporal era mais saudável. Por isso me interesso por uma poética do grotesco, como a que Bakhtin descreve ter existido na Idade Média. Um dos problemas que tenho com certos parâmetros neoclássicos é por ver nessa atitude algo das causas por que perdemos esta saúde, a partir do Renascimento, por releituras (que vejo como equivocadas) do legado clássico, baseadas na sublimação do contextual, físico, histórico. Algo piorado pelo cartesianismo que a Europa viria a propagar, e contra o qual poetas como os do Cabaret Voltaire, do Grupo de Viena, da Internacional Situacionista ou indivíduos como John Cage e Frank O´Hara viriam a se rebelar.
Minha pesquisa est-É-tica contra esta sublimação do físico, contextual, histórico e corporal (vejo-os unidos) levar-me-ia a esta pesquisa do oral e da performance, por uma busca pela reunião entre língua e corpo. Isso geraria, por exemplo, os textos do livro a cadela sem Logos, em que tento buscar uma maneira de manter a oralidade implícita na escrita, tentando convocar e obrigar o leitor à sua performance.
falar hoje exige
elidir a própria
voz as transações
inventivas entre
interno e externo
demandam
que a base venha
à tona e a
superfície seja
da profundidade da
história ímpeto
denotando o
centrífugo
o corpo público
que exibo como
palco fruto
da ansiedade
do remetente
o interno ao longo
da epiderme
como emily
dickinson terminando
uma carta de minúcias
com “forgive
me the personality“
Ricardo Domeneck, a cadela sem Logos (São Paulo: Cosac Naify, 2007)
Isso geraria também meus primeiros vídeos, como o que vim a chamar de meu "oralfesto", o vídeo "Garganta com texto", em que busco fazer o dizer.
(Ricardo Domeneck, "Garganta com texto: um oralfesto", exibido pela TV Cultura em dezembro de 2006)
Há certas asserções bombásticas no vídeo, como afirmar que "poesia não é literatura", o que gerou desentendimentos e necessitaria de elaboração e discussão. Preparei o vídeo em pleno momento de "ativismo anti-literário" à la Zumthor, de certa forma, e sei que esta declaração merece reparos e argumentação. Poesia é também literatura, obviamente, especialmente após as transformações poéticas pós-Renascimento. Insisto, porém, ser um equívoco associar o trabalho poético primordialmente com a escrita, o que tem nos levado a uma tradição bastante limitada, que muitas vezes mais atrapalha do que ajuda.
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domingo, 9 de agosto de 2009
Escrever em voz alta: parte 2: explicando, implicando
No último texto aqui publicado, afirmei que não se tratava de veleidade de vanguarda, esta discussão sobre escritura e oralidade. Sabemos que a poesia sonora e oral pertencem a uma tradição mais antiga que a literária. Mesmo alguns dos grandes nomes do que chamamos de Literatura se espantariam com a nomenclatura e a noção poética que muitos consideram eternas, mas têm um endereço bastante claro no século XIX, o século da literatice.
No entanto, não compartilho da ojeriza ativista que Paul Zumthor, por exemplo, nutria contra a transformação que a poesia literária trouxe à prática poética. Entendo, no entanto, sua tristeza ao ver poemas importantes do mundo desaparecerem por não se conformarem aos parâmetros da Literatura. Cresci no Brasil, onde a divisão crítica entre poesia oral e escrita é bastante clara. Ainda me considero, primordialmente, um poeta-escritor. Por que a pesquisa e todos os meus artigos sobre poesia oral e performance?
Porque creio que os poetas-escritores ganhariam muito, se mantivessem sua atenção também voltada para estes aspectos da prática poética, assim como creio que os poetas orais e trovadores contemporâneos brasileiros ganhariam muito se atentassem mais para a textualidade de seu trabalho oral e em performance. Os escritores ganhariam, por exemplo, pois o trabalho oral é menos suscetível a um exagero de intertextualidade (ou "metástase de referências literárias", como alguns prefeririam), assim como o contato direto com seu público, apenas possível em leituras e performances, seria extremamente saudável para alguns poetas-escritores. Quanto aos poetas orais, uma maior preocupação (digamos) literária permitiria a criação de textos mais tesos, densos e concretos, que poderiam também funcionar na página. O parâmetro aqui seria, obviamente, o trabalho dos trovadores medievais.
Sei, porém, que certas pesquisas não permitem tal equilíbrio. Há pesquisas poéticas que buscam certos extremos do trabalho oral, como a de Henri Chopin, assim como certas pesquisas entregam-se a extremos do trabalho escrito (ou visual, digamos), como o de Haroldo de Campos, para ficarmos entre dois poetas ativos nos anos 50, ambos considerados, de formas distintas, poetas concretos. Sempre os vi como opostos, de certa maneira. Foi uma surpresa ler recentemente um artigo assinado por Nicholas Zurbrugg, intitulado "Programming Paradise", em que o ensaísta discute as diferenças entre a abordagem verbivocal de Chopin a partir das vanguardas históricas (precisamos rever esta nomenclatura) e a abordagem verbivisual de Haroldo de Campos, a partir das mesmas vanguardas. Zurbrugg discute justamente a questão do aspecto da utopia (e pós-utopia) das práticas de ambos, a forma como Campos nega a prática da vanguarda como proposta utópica, a partir da década de 80, e a maneira como Chopin insiste nela. O ensaio se encontra no volume Writing Aloud - The Sonics of Language, do qual retirei o nome para esta nova série de artigos. O álbum de peças e poemas sonoros que acompanha o volume traz trabalhos de Marina Abramovic, Jocelyn Robert, Yasunao Tone e Vito Acconci, entre outros.
É interessante como a poesia concreta pode assumir aspectos est-É-ticos tão diversos, em poetas como Henri Chopin e Haroldo de Campos. Talvez porque o Grupo Noigandres tenha buscado preparar a poesia para participar de uma nova era tecnológica e política, contra a qual poetas como Henri Chopin queriam simplesmente resistir. Aqui poderíamos discutir a proposta problemática de Noigandres, por exemplo, de fazer do poema um "objeto útil". Talvez possamos também discutir, a partir disso, minha proposta de que algumas das vanguardas não eram apenas pró-utópicas, como eram também anti-distópicas. Aí reside minha obsessão pelo trabalho dos poetas ligados ao Cabaret Voltaire e à revista DADA (obsessão que parecia também residir em Henri Chopin). Assim, enquanto Haroldo de Campos insistiu no aspecto semântico de sua pesquisa poética, Henri Chopin viria a afirmar em seu texto "Por que sou o autor de poesia sonora": "Não é possível, não se pode continuar com a Palavra todo-poderosa, a Palavra que impera sobre tudo. Não se pode seguir admitindo-a em toda casa, e ouvi-la em todos os cantos descrevendo-nos e descrevendo eventos, dizendo-nos como votar, e a quem devemos obedecer... Eu prefiro o sol, eu aprecio a noite, eu aprecio os meus barulhos e os meus sons, eu admiro esta fábrica imensa e complexa de um corpo, eu aprecio meus olhares que tocam, meus ouvidos que vêem, meus olhos que recebem... eu não preciso ter minha vida derivada do inteligível. Eu não quero estar sujeito à palavra verdadeira que sempre confunde e mente, não suporto mais ser destruído pela Palavra, esta mentira que se abole no papel."
Serão realmente importantes as implicações est-É-ticas dos trabalhos de
Haroldo de Campos --- clique AAQQUUII
ou
Henri Chopin --- clique AAQQUUII
?
Aqui seria necessário começar a discutir aquilo que chamo de uma poética de implicações, a partir do trabalho formal de cada poeta, atentando porém para a função de tal forma no contexto em que se insere. Não a partir de algum conteudismo, como na crítica equivocada de Roberto Schwarz ao poema de Augusto de Campos na década de 80. Refiro-me às implicações est-É-ticas do trabalho formal de um poeta, algo em que os poetas ligados à revista L=A=N=G=U=A=G=E insistem desde a década de 70. Discussão que faria necessário invocar os poetas do Cabaret Voltaire, assim como Gertrude Stein e John Cage, os poetas do Grupo de Viena, a Internacional Situacionista, os artistas e poetas ligados ao Fluxus e ao Punk, assim como pensadores da linguagem como Ludwig Wittgenstein e Charles Sanders Peirce.
Trabalho hercúleo e incessante, com o qual seguimos.
.
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No entanto, não compartilho da ojeriza ativista que Paul Zumthor, por exemplo, nutria contra a transformação que a poesia literária trouxe à prática poética. Entendo, no entanto, sua tristeza ao ver poemas importantes do mundo desaparecerem por não se conformarem aos parâmetros da Literatura. Cresci no Brasil, onde a divisão crítica entre poesia oral e escrita é bastante clara. Ainda me considero, primordialmente, um poeta-escritor. Por que a pesquisa e todos os meus artigos sobre poesia oral e performance?
Porque creio que os poetas-escritores ganhariam muito, se mantivessem sua atenção também voltada para estes aspectos da prática poética, assim como creio que os poetas orais e trovadores contemporâneos brasileiros ganhariam muito se atentassem mais para a textualidade de seu trabalho oral e em performance. Os escritores ganhariam, por exemplo, pois o trabalho oral é menos suscetível a um exagero de intertextualidade (ou "metástase de referências literárias", como alguns prefeririam), assim como o contato direto com seu público, apenas possível em leituras e performances, seria extremamente saudável para alguns poetas-escritores. Quanto aos poetas orais, uma maior preocupação (digamos) literária permitiria a criação de textos mais tesos, densos e concretos, que poderiam também funcionar na página. O parâmetro aqui seria, obviamente, o trabalho dos trovadores medievais.
Sei, porém, que certas pesquisas não permitem tal equilíbrio. Há pesquisas poéticas que buscam certos extremos do trabalho oral, como a de Henri Chopin, assim como certas pesquisas entregam-se a extremos do trabalho escrito (ou visual, digamos), como o de Haroldo de Campos, para ficarmos entre dois poetas ativos nos anos 50, ambos considerados, de formas distintas, poetas concretos. Sempre os vi como opostos, de certa maneira. Foi uma surpresa ler recentemente um artigo assinado por Nicholas Zurbrugg, intitulado "Programming Paradise", em que o ensaísta discute as diferenças entre a abordagem verbivocal de Chopin a partir das vanguardas históricas (precisamos rever esta nomenclatura) e a abordagem verbivisual de Haroldo de Campos, a partir das mesmas vanguardas. Zurbrugg discute justamente a questão do aspecto da utopia (e pós-utopia) das práticas de ambos, a forma como Campos nega a prática da vanguarda como proposta utópica, a partir da década de 80, e a maneira como Chopin insiste nela. O ensaio se encontra no volume Writing Aloud - The Sonics of Language, do qual retirei o nome para esta nova série de artigos. O álbum de peças e poemas sonoros que acompanha o volume traz trabalhos de Marina Abramovic, Jocelyn Robert, Yasunao Tone e Vito Acconci, entre outros.
É interessante como a poesia concreta pode assumir aspectos est-É-ticos tão diversos, em poetas como Henri Chopin e Haroldo de Campos. Talvez porque o Grupo Noigandres tenha buscado preparar a poesia para participar de uma nova era tecnológica e política, contra a qual poetas como Henri Chopin queriam simplesmente resistir. Aqui poderíamos discutir a proposta problemática de Noigandres, por exemplo, de fazer do poema um "objeto útil". Talvez possamos também discutir, a partir disso, minha proposta de que algumas das vanguardas não eram apenas pró-utópicas, como eram também anti-distópicas. Aí reside minha obsessão pelo trabalho dos poetas ligados ao Cabaret Voltaire e à revista DADA (obsessão que parecia também residir em Henri Chopin). Assim, enquanto Haroldo de Campos insistiu no aspecto semântico de sua pesquisa poética, Henri Chopin viria a afirmar em seu texto "Por que sou o autor de poesia sonora": "Não é possível, não se pode continuar com a Palavra todo-poderosa, a Palavra que impera sobre tudo. Não se pode seguir admitindo-a em toda casa, e ouvi-la em todos os cantos descrevendo-nos e descrevendo eventos, dizendo-nos como votar, e a quem devemos obedecer... Eu prefiro o sol, eu aprecio a noite, eu aprecio os meus barulhos e os meus sons, eu admiro esta fábrica imensa e complexa de um corpo, eu aprecio meus olhares que tocam, meus ouvidos que vêem, meus olhos que recebem... eu não preciso ter minha vida derivada do inteligível. Eu não quero estar sujeito à palavra verdadeira que sempre confunde e mente, não suporto mais ser destruído pela Palavra, esta mentira que se abole no papel."
Serão realmente importantes as implicações est-É-ticas dos trabalhos de
Haroldo de Campos --- clique AAQQUUII
ou
Henri Chopin --- clique AAQQUUII
?
Aqui seria necessário começar a discutir aquilo que chamo de uma poética de implicações, a partir do trabalho formal de cada poeta, atentando porém para a função de tal forma no contexto em que se insere. Não a partir de algum conteudismo, como na crítica equivocada de Roberto Schwarz ao poema de Augusto de Campos na década de 80. Refiro-me às implicações est-É-ticas do trabalho formal de um poeta, algo em que os poetas ligados à revista L=A=N=G=U=A=G=E insistem desde a década de 70. Discussão que faria necessário invocar os poetas do Cabaret Voltaire, assim como Gertrude Stein e John Cage, os poetas do Grupo de Viena, a Internacional Situacionista, os artistas e poetas ligados ao Fluxus e ao Punk, assim como pensadores da linguagem como Ludwig Wittgenstein e Charles Sanders Peirce.
Trabalho hercúleo e incessante, com o qual seguimos.
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terça-feira, 4 de agosto de 2009
Escrever em voz alta: parte 1: A pergunta
Voltei ontem de Barcelona, com uma de minhas perguntas obsessivas zumbindo entre as orelhas, ricocheteando dentro do crânio, pergunta que desperta a cada leitura, a cada performance: qual a relação entre oralidade e escritura, entre o signo visual e o som material, entre a página e a voz do poeta?
É muito difícil discutir isso no Brasil, onde tenho a sensação de que as fronteiras entre estas dualidades seguem em vigor, onde se discute, da maneira mais primária, ainda, aquele velho debate sobre poesia literária e letra-de-música, em termos que às vezes me deixam boquiaberto, no pun intended.
Para os poetas da mais recente onda neoclássica, imagino que a mera discussão sobre poesia sonora ou sobre oralidade vá parecer veleidade "vanguardística", desejo de novidade. Na tradição limitada destes poetas, que acreditam defender valores estéticos eternos, mas vivem em um ambiente forjado no século XIX, com pitadas de século XVI, poesia segue sendo apenas e tão-somente Literatura, letra no papel, com sua contagem de versos, pés e estrofes, ignorando muitas vezes o quanto esta contagem de versos, pés e estrofes um dia foi guiada pela preocupação que poetas tinham justamente em manter saudável a relação entre oralidade e escritura.
Gostaria de deixar claro, aos que se interessam por este debate e também pela maneira como tenho tentado conduzi-lo, que "vanguardismo" é a última de minhas preocupações. A própria expressão /// "vanguarda" ///, com seu tom militarista, assim como o debate nas últimas décadas sobre o seu fim, já denuncia, em poetas tão distintos como Haroldo de Campos ou Antonio Cicero (entre os que se ocuparam com este debate nos últimos tempos), uma visão linear evolutiva que me parece extremamente problemática. De qualquer forma, estes poetas precisam defender esta visão sobre a vanguarda e seu fim para justificarem suas práticas poéticas, como todos nós fazemos em nossas defesas e ataques de qualquer conceito.
Prefiro alinhar-me a poetas como Jerome Rothenberg, pois sabemos (cuidado com meu truque retórico, ao usar a primeira pessoa do plural) que há práticas poéticas ativas e dormentes, prestigiadas ou esquecidas, que retornam, renovam-se, caem em desuso por séculos, florescem numa região e língua enquanto tornam-se risíveis em outras. Ao pesquisar poetas ligados à revista DADA e ao Cabaret Voltaire, como Hugo Ball, Hans Arp, Kurt Schwitters e Tristan Tzara, comecei a perceber sua ligação a práticas poéticas européias medievais, assim como a de outras línguas e geografias, algo que guia, por exemplo, o trabalho crítico de Rothenberg.
Acontece, também, que não considero as tais "vanguardas históricas" todas iguais ou emanações do mesmo espírito crítico e est-É-tico. Para mim, há diferenças brutais entre DADA e o Surrealismo, entre estes dois e o Futurismo e, neste, entre o russo e o italiano. É nossa historiografia literária preguiçosa que necessita unificar tudo em um único sistema. Usemos uma analogia para deixar clara a minha posição, e apenas uma delas: se DADA foi a Reforma, o Surrealismo foi a Contra-Reforma. Isto é, obviamente, uma declaração ideológica minha, pois aprecio a maneira como DADA representou um retorno a práticas poéticas que estavam em desprestígio, mas que sempre pertenceram à tradição, remontando à poesia medieval, antes de neoclássicos turvarem as águas no século XVI e dos surrealistas turvarem as águas no XX.
Em um ensaio sobre um poeta oral contemporâneo, escrevi sobre a "tradição que teve em Arnaut Daniel (1150 - 1210), Bertran de Born (1140 – 1215), Raimbaut d`Aurenga (1147 – 1173) e outros poetas occitanos seu momento de hegemonia e ápice artístico, no trabalho do poeta como escritor, vocalizador e performer. Com o naufrágio desta cultura occitana durante a Grande Peste do século XIV e as transformações políticas da Europa, a partir do Renascimento há um gradual deslocamento de atenção e prestígio (ou seja, hegemonia crítica), levando o poeta a privilegiar o trabalho poético como escrita acima de tudo, ainda que a tradição da poesia oral e cantada tenha seguido saudável. O ápice desta nova hegemonia (a literária) ocorre em 1897, com o Coup de dés mallarmeano, momento em que claramente o poeta se torna consciente da página como campo de composição poética, mais do que mero registro do oral, gerando a tradição a que pertencem poetas visuais, concretos e conceituais do século XX e XXI. No entanto, esta mesma hegemonia receberia seu primeiro golpe mortal pouco menos de 20 anos após a criação de Mallarmé, com os poetas-performers do Cabaret Voltaire, que religam a poesia a sua tradição pluralista medieval." Percebam que não estou insinuando um golpe mortal contra a escritura e sua manifestação na página e em livro, mas contra a sua hegemonia na percepção crítica do poético.
De qualquer forma, ao contrário do que muitos pensam, geralmente por desconhecimento, o trabalho de muitos dadaístas tem alta qualidade literária, como nos belos poemas de Hans Arp ou mesmo nos de Tristan Tzara, ainda que os manuais de Literatura reproduzam apenas aquele "Como fazer um poema dadaísta", mesmo assim ignorando as mui frutíferas implicações críticas do último verso.
Como disse, não pesquiso a poesia oral e sonora, assim como a performance, pela veleidade de querer ser vanguarda. Sei que essas práticas pertencem a uma tradição milenar. Eu também prefiro pensar no "News that stays news", definição (uma delas) de Pound para a poesia, como "Notícia que permanece notícia", pois prefiro essa ao tom levemente distorcido de "Novidade que permanece novidade", que os neoclássicos e anciens usam como desculpa para voltarem a defender, incessantemente, algum "l´art pour l´art", este argumento fácil, já que ninguém ousaria defender algum utilitarismo para a poesia. No entanto, parece-me equivocado tentar transformar a legítima preocupação formal de todo poeta, em zelo xiita pelo que já foi feito. É um dos truques mais comuns: querer associar "formalismo" com "tradicionalismo".
Assim como, em minha opinião, MAKE IT NEW é muito mais um "RENOVE" do que um "DÊ-NOS NOVIDADES". MAKE IT NEW é o desejo de não deixar engessar ou paralisar-se, não permitir que a poesia se torne peça de museu ou assunto apenas para especialistas.
Em meu trabalho pessoal, meditar sobre a oralidade é um desdobramento que eu vejo como coerente com a pesquisa que se dá também em minha escritura. Em minha busca por uma relação mais saudável com as dicotomias que herdamos de certo Ocidente, com sua separação violenta entre corpo e mente, matéria e espírito, sem mencionar outras (para não exagerar na polêmica), sempre busquei, em minha escrita e a partir de minha est-É-tica, que minhas imagens, metáforas, metonímas, símiles viessem de meu corpo, do corpo humano. Queria, como nos últimos versos do poema de exórdio do meu trabalho, o primeiro da Carta aos anfíbios, escrever "como uma garganta / enrijece-se rápida / para resistir à faca."
Antes mesmo de começar a trabalhar com a oralização de textos, já buscava, de alguma forma, viver na fronteira entre a escrita e a oralidade, como na longa sequência "Dedicatória dos joelhos", que abre minha coletânea a cadela sem Logos. Ou, ao querer tratar disso pela primeira vez, decidi não escrever um texto, mas busquei unir o FAZER e o DIZER, fazer/dizer, preparando algo como meu vídeo "Garganta com texto".
Apenas recuso a noção de uma hierarquia entre o trabalho poético oral/sonoro e o literário/visual. Há, no entanto, diferenças grandes no processo de cada prática. Como conciliá-las? É necessário conciliá-las? Talvez sejam complementares?
Já escrevi em outros textos sobre minha busca por uma POESIA TESA, preferindo este adjetivo a outros como "concreta" ou "densa". Eu acredito que um poeta buscando uma poesia TESA chega a resultados e processos muito distintos daqueles que procuram uma poesia CONCRETA ou DENSA. São focos de pesquisa distintos. Não se trata de melhor ou pior, mas creio necessário debater a implicação de cada.
Voltando de uma performance, devo mais uma vez meditar muito a respeito disso tudo. Aviso que passarei esta semana escrevendo sobre isso neste espaço.
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É muito difícil discutir isso no Brasil, onde tenho a sensação de que as fronteiras entre estas dualidades seguem em vigor, onde se discute, da maneira mais primária, ainda, aquele velho debate sobre poesia literária e letra-de-música, em termos que às vezes me deixam boquiaberto, no pun intended.
Para os poetas da mais recente onda neoclássica, imagino que a mera discussão sobre poesia sonora ou sobre oralidade vá parecer veleidade "vanguardística", desejo de novidade. Na tradição limitada destes poetas, que acreditam defender valores estéticos eternos, mas vivem em um ambiente forjado no século XIX, com pitadas de século XVI, poesia segue sendo apenas e tão-somente Literatura, letra no papel, com sua contagem de versos, pés e estrofes, ignorando muitas vezes o quanto esta contagem de versos, pés e estrofes um dia foi guiada pela preocupação que poetas tinham justamente em manter saudável a relação entre oralidade e escritura.
Gostaria de deixar claro, aos que se interessam por este debate e também pela maneira como tenho tentado conduzi-lo, que "vanguardismo" é a última de minhas preocupações. A própria expressão /// "vanguarda" ///, com seu tom militarista, assim como o debate nas últimas décadas sobre o seu fim, já denuncia, em poetas tão distintos como Haroldo de Campos ou Antonio Cicero (entre os que se ocuparam com este debate nos últimos tempos), uma visão linear evolutiva que me parece extremamente problemática. De qualquer forma, estes poetas precisam defender esta visão sobre a vanguarda e seu fim para justificarem suas práticas poéticas, como todos nós fazemos em nossas defesas e ataques de qualquer conceito.
Prefiro alinhar-me a poetas como Jerome Rothenberg, pois sabemos (cuidado com meu truque retórico, ao usar a primeira pessoa do plural) que há práticas poéticas ativas e dormentes, prestigiadas ou esquecidas, que retornam, renovam-se, caem em desuso por séculos, florescem numa região e língua enquanto tornam-se risíveis em outras. Ao pesquisar poetas ligados à revista DADA e ao Cabaret Voltaire, como Hugo Ball, Hans Arp, Kurt Schwitters e Tristan Tzara, comecei a perceber sua ligação a práticas poéticas européias medievais, assim como a de outras línguas e geografias, algo que guia, por exemplo, o trabalho crítico de Rothenberg.
Acontece, também, que não considero as tais "vanguardas históricas" todas iguais ou emanações do mesmo espírito crítico e est-É-tico. Para mim, há diferenças brutais entre DADA e o Surrealismo, entre estes dois e o Futurismo e, neste, entre o russo e o italiano. É nossa historiografia literária preguiçosa que necessita unificar tudo em um único sistema. Usemos uma analogia para deixar clara a minha posição, e apenas uma delas: se DADA foi a Reforma, o Surrealismo foi a Contra-Reforma. Isto é, obviamente, uma declaração ideológica minha, pois aprecio a maneira como DADA representou um retorno a práticas poéticas que estavam em desprestígio, mas que sempre pertenceram à tradição, remontando à poesia medieval, antes de neoclássicos turvarem as águas no século XVI e dos surrealistas turvarem as águas no XX.
Em um ensaio sobre um poeta oral contemporâneo, escrevi sobre a "tradição que teve em Arnaut Daniel (1150 - 1210), Bertran de Born (1140 – 1215), Raimbaut d`Aurenga (1147 – 1173) e outros poetas occitanos seu momento de hegemonia e ápice artístico, no trabalho do poeta como escritor, vocalizador e performer. Com o naufrágio desta cultura occitana durante a Grande Peste do século XIV e as transformações políticas da Europa, a partir do Renascimento há um gradual deslocamento de atenção e prestígio (ou seja, hegemonia crítica), levando o poeta a privilegiar o trabalho poético como escrita acima de tudo, ainda que a tradição da poesia oral e cantada tenha seguido saudável. O ápice desta nova hegemonia (a literária) ocorre em 1897, com o Coup de dés mallarmeano, momento em que claramente o poeta se torna consciente da página como campo de composição poética, mais do que mero registro do oral, gerando a tradição a que pertencem poetas visuais, concretos e conceituais do século XX e XXI. No entanto, esta mesma hegemonia receberia seu primeiro golpe mortal pouco menos de 20 anos após a criação de Mallarmé, com os poetas-performers do Cabaret Voltaire, que religam a poesia a sua tradição pluralista medieval." Percebam que não estou insinuando um golpe mortal contra a escritura e sua manifestação na página e em livro, mas contra a sua hegemonia na percepção crítica do poético.
De qualquer forma, ao contrário do que muitos pensam, geralmente por desconhecimento, o trabalho de muitos dadaístas tem alta qualidade literária, como nos belos poemas de Hans Arp ou mesmo nos de Tristan Tzara, ainda que os manuais de Literatura reproduzam apenas aquele "Como fazer um poema dadaísta", mesmo assim ignorando as mui frutíferas implicações críticas do último verso.
Como disse, não pesquiso a poesia oral e sonora, assim como a performance, pela veleidade de querer ser vanguarda. Sei que essas práticas pertencem a uma tradição milenar. Eu também prefiro pensar no "News that stays news", definição (uma delas) de Pound para a poesia, como "Notícia que permanece notícia", pois prefiro essa ao tom levemente distorcido de "Novidade que permanece novidade", que os neoclássicos e anciens usam como desculpa para voltarem a defender, incessantemente, algum "l´art pour l´art", este argumento fácil, já que ninguém ousaria defender algum utilitarismo para a poesia. No entanto, parece-me equivocado tentar transformar a legítima preocupação formal de todo poeta, em zelo xiita pelo que já foi feito. É um dos truques mais comuns: querer associar "formalismo" com "tradicionalismo".
Assim como, em minha opinião, MAKE IT NEW é muito mais um "RENOVE" do que um "DÊ-NOS NOVIDADES". MAKE IT NEW é o desejo de não deixar engessar ou paralisar-se, não permitir que a poesia se torne peça de museu ou assunto apenas para especialistas.
Em meu trabalho pessoal, meditar sobre a oralidade é um desdobramento que eu vejo como coerente com a pesquisa que se dá também em minha escritura. Em minha busca por uma relação mais saudável com as dicotomias que herdamos de certo Ocidente, com sua separação violenta entre corpo e mente, matéria e espírito, sem mencionar outras (para não exagerar na polêmica), sempre busquei, em minha escrita e a partir de minha est-É-tica, que minhas imagens, metáforas, metonímas, símiles viessem de meu corpo, do corpo humano. Queria, como nos últimos versos do poema de exórdio do meu trabalho, o primeiro da Carta aos anfíbios, escrever "como uma garganta / enrijece-se rápida / para resistir à faca."
Antes mesmo de começar a trabalhar com a oralização de textos, já buscava, de alguma forma, viver na fronteira entre a escrita e a oralidade, como na longa sequência "Dedicatória dos joelhos", que abre minha coletânea a cadela sem Logos. Ou, ao querer tratar disso pela primeira vez, decidi não escrever um texto, mas busquei unir o FAZER e o DIZER, fazer/dizer, preparando algo como meu vídeo "Garganta com texto".
Apenas recuso a noção de uma hierarquia entre o trabalho poético oral/sonoro e o literário/visual. Há, no entanto, diferenças grandes no processo de cada prática. Como conciliá-las? É necessário conciliá-las? Talvez sejam complementares?
Já escrevi em outros textos sobre minha busca por uma POESIA TESA, preferindo este adjetivo a outros como "concreta" ou "densa". Eu acredito que um poeta buscando uma poesia TESA chega a resultados e processos muito distintos daqueles que procuram uma poesia CONCRETA ou DENSA. São focos de pesquisa distintos. Não se trata de melhor ou pior, mas creio necessário debater a implicação de cada.
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