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domingo, 1 de janeiro de 2012

Feliz ano novo, feliz poesia nova: vídeos e poemas de Victor Heringer na "Modo de Usar & Co."

Victor Heringer (Rio de Janeiro, 1988)

Os primeiros a me falarem sobre Victor Heringer foram Marília Garcia e Dimitri Rebello. Algum tempo depois, o próprio jovem poeta cortesmente enviou-me seu livro Automatógrafo (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011) para terras berlimbosas e viemos a publicar seu inédito "Alérgico ma non troppo" no terceiro número impresso da Modo de Usar & Co.. Quando pude finalmente dedicar uma leitura mais atenta ao livro, encontrei nele um poeta de imaginação, inteligência e o tipo de humor que me atrai, com poemas que pareciam engajar-me, como nos poetas contemporâneos brasileiros que mais me alegram, naquilo que Pound chamava de "conversation between intelligent men" - um ato de generosidade de tais poetas. No Rio de Janeiro no mês passado, tive o prazer de conhecer o poeta, que é além de tudo um cavalheiro, e Marília Garcia e eu preparamos um vídeo para a Modo de Usar & Co. em que ele vocaliza alguns de seus textos. Este vídeo e outros do próprio Heringer, assim como vários poemas, podem ser vistos/lidos/escutados na franquia eletrônica de nossa revista, encimados por um texto de apresentação meu em que, como era de se esperar, o leio a partir das minhas obsessões talvez, mas tentando apenas, com minhas parcas capacidades, simplesmente apontar para o que me alegra em seu trabalho. Perdoem minha miopia (a velha ideologia da percepção de que já falei) e leiam apenas a poesia de Victor Heringer. Quanto às sereias da catástrofe que dizem que não há bons poetas no Brasil, ora, segurem-se em suas cadeiras de balanço do cânone com unhas e dentaduras.




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sábado, 12 de novembro de 2011

Obrigado e uma canção

Agradeço a todos que estiveram ontem no Bar Sabiá em São Paulo e levaram para casa um exemplar da Modo 3 e/ou do meu Cigarros na cama, e agradeço e me desculpo junto aos que lá estiveram mas não puderam comprar um ou outro porque tudo havia sido vendido. Edições esgotadíssimas! Imprimiremos mais nos próximos meses, e terei exemplares comigo quando fizer leituras em São Paulo e no Rio de Janeiro, assim que chegar ao Brasil em dois meses.

Quero ainda fazer um agradecimento especial e declaração de amor pública a meus companheiros Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia por me permitirem fazer parte da aventura.

Deixo vocês com uma canção maravilhosa de Atlas Sound, o projeto solo de Bradford James Cox, o vocalista da banda Deerhunter.



Atlas Sound - "Te amo", do álbum Parallax (2011)


Te amo
Bradford James Cox

Te amo
Pretend you know the way I love
And we will go to sleep
And we’ll have the century.
You can come around when you’re down,
You’re
always down!
When you’re down you’re always down!

Te amo
I’ll pretend you are the only one
And we will go to sleep and we’ll have such strange dreams!
You can come around when you’re down
You’re always down!




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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Nesta sexta-feira, 11/11/11, lançamento em São Paulo da "Modo de Usar & Co. 3" e do meu livro "Cigarros na cama"


O terceiro número impresso da nossa Modo de Usar & Co. e o meu livro Cigarros na cama serão lançados em São Paulo nesta sexta-feira, dia 11 de novembro, no Bar Sabiá: R. Purpurina, 370, Vila Madalena. Tudo começa por volta das 18:00. O lançamento contará com a presença dos editores Angélica Freitas e Fabiano Calixto.


Este número impresso da Modo de Usar & Co. traz textos de:

Angélica Freitas
Cecília Pavón
Charles Pennequin
Charles Reznikoff
Christian Prigent
Dirceu Villa
Emmanuel Hocquard
Érica Zíngano
Érico Nogueira
Fabiana Faleiros
Fabiano Calixto
Fabrício Corsaletti
Gertrude Stein
Helmut Heissenbüttel
Inês Cardoso
John Ashbery
Júlia Hansen
Kenneth Koch
Leandro Rafael Perez
Leonardo Gandolfi
Liv Nicolsky
Marcelo Sahea
Marco Catalão
Marília Garcia
Mario Sagayama
Nathalie Quintane
Paula Glenadel
Renan Nuernberger
Reuben da Cunha Rocha
Ricardo Domeneck
Roberto Bolaño
Rodolfo Caesar
Rodrigo Álvarez
Rodrigo Damasceno
Rosmarie Waldrop
Rui Camargo
Tiago Pinheiro
Vicente Huidobro
Victor Heringer
Violeta Parra
Walter Gam



Bar Sabiá: R. Purpurina, 370, Vila Madalena.
Tel. 6850-2805, a partir das 18h,
11/11/11


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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Lançamento do meu pequeno livro "Cigarros na cama" e do terceiro número impresso da "Modo de Usar & Co."



Neste sábado, lanço no Rio de Janeiro (in absentia) um pequeno livro novo, com 28 poemas interligados, intitulado Cigarros na cama. Acima, vocês podem ver a capa. A fotografia é do meu amigo Heinz Peter Knes e o projeto gráfico é de Marília Garcia, que cuida da diagramação e projeto gráfico da Modo de Usar & Co.. Abaixo, a capa do novo número impresso, nosso terceiro (na foto, a poeta norte-americana e tradutora de poetas brasileiros para o inglês Hilary Kaplan, feita por Alexandra Shaw):



O lançamento da Modo de Usar & Co. e do livro Cigarros na cama será na Livraria Berinjela, Av. Rio Branco, 185 / loja 10 subsolo, a partir das 10 da manhã deste sábado.


O terceiro número impresso da Modo de Usar & Co. traz:

textos inéditos de

Dirceu Villa, Inês Cardoso, Paula Glenadel, Renan Nuernberger, Rui Camargo, Victor Heringer, Walter Gam, Liv Nicolsky, Rodrigo Damasceno, Leonardo Gandolfi, Marco Catalão, Fabiana Faleiros, Érica Zíngano, Rodolfo Caesar, Mario Sagayama, Júlia de Carvalho Hansen, Érico Nogueira, Reuben da Cunha Rocha, Leandro Rafael Perez, Fabrício Corsaletti e Marcelo Sahea, além de inéditos dos editores Angélica Freitas, Fabiano Calixto, Marília Garcia e Ricardo Domeneck

e traduções para textos de

Gertrude Stein (por Inês Cardoso), Charles Pennequin (por Marcelo Jacques de Moraes), Kenneth Koch (por Marília Garcia e Wilson Reis), Violeta Parra (por mim), Vicente Huidobro (por Juliana Amato), Nathalie Quintane (por Paula Glenadel), Rodrigo Álvarez (por Marília Garcia), Helmut Heissenbüttel (por Marília Garcia e Wilson Reis), Roberto Bolaño (os poemas por Fabiano Calixto, o conto por Tiago Guilherme Pinheiro), Emmanuel Hocquard (Marília Garcia), Rosmarie Waldrop (por Andrea Mateus), Christian Prigent (por Marcelo Jacques de Moraes), Charles Reznikoff (por Marília Garcia), Cecília Pavón (por Marília Garcia) e John Ashbery (por Ismar Tirelli Neto).




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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Nota de Alice Sant´Anna no jornal "O Globo" de hoje, sobre Marília Garcia, o festival Europália e o terceiro número impresso da "Modo de Usar & Co."

Abaixo, você pode ler o pequeno artigo de Alice Sant´Anna n´O Globo de hoje, sobre Marília Garcia, o festival Europália – que homenageia o Brasil este ano, trazendo à Bélgica artistas visuais, músicos, cinema e escritores do País –, e chamando a atenção para o lançamento do próximo número impresso da Modo de Usar & Co.

Marília Garcia e eu, coeditores da Modo, estaremos presentes na Bélgica entre os autores brasileiros em novembro e dezembro. O festival prepara duas antologias com os poetas e prosadores convidados para o Festival, bilíngues, uma em francês e outra em holandês. Os outros poetas convidados são Augusto de Campos, Zuca Sardan, Francisco Alvim, Alice Ruiz, Lu Menezes, Ricardo Aleixo, Carlito Azevedo, Arnaldo Antunes e Paula Glenadel. Marília e eu somos os mais jovens dentre os poetas. Os prosadores convidados são João Almino, Beatriz Bracher, Bernando Carvalho, Daniel Galera, Milton Hatoum, Paulo Lins, Lourenço Mutarelli, Nuno Ramos, Silviano Santiago, Veronica Stigger e João Ubaldo Ribeiro. O autor brasileiro homenageado, com exposições, traduções e outras publicações, será Clarice Lispector.

Quanto ao terceiro número da Modo de Usar & Co., o lançamento oficial está marcado: dia 17 de setembro de 2011, na Livraria Berinjela, no Rio de Janeiro. Na mesma ocasião, lançarei um pequeno livro de poemas, intitulado Cigarros na cama, diagramado por Marília Garcia e lançado em conjunto com a revista.

Este número impresso da Modo de Usar & Co. traz traduções para textos de Gertrude Stein, Roberto Bolaño (poesia e prosa), Charles Reznikoff, Vicente Huidobro, Helmut Heissenbüttel, Nathalie Quintane, Emmanuel Hocquard, Violeta Parra, entre outros; texto crítico de Rosmarie Waldrop (em tradução de Andrea Mateus); ensaios de Inês Cardoso e Reuben da Cunha Rocha; poemas de brasileiros como Dirceu Villa, Érico Nogueira, Rodrigo Damasceno, Érica Zíngano, Fabiana Faleiros, entre outros, assim como inéditos dos editores: Angélica Freitas, Fabiano Calixto, Marília Garcia e eu.


clique na imagem para aumentá-la



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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pequena seleção e nota sobre a poesia de Sebastião Alba

Sebastião Alba (1940 - 2000)


Não me lembro bem de que maneira descobri a poesia tão delicada e bonita de Sebastião Alba (1940 - 2000). Creio que a primeira descoberta foi buscando vídeos de poesia lusófona na Rede, quando caí em um filme intitulado Um poeta não se pega, pequeno documentário-entrevista com o poeta português naturalizado moçambicano. O filme mostra este homem, beirando os 60 anos, poeta andarilho que vive nas ruas de Braga, dormindo em um barraco improvisado, entrevistado por quem soa claramente como um brasileiro.




Um Poeta Não se Pega, primeira parte, filme com o poeta Sebastião Alba.


Tenho, confesso, sentimentos muito conflituosos em relação ao filme. Sou grato que alguém tenha guardado algo do poeta e que eu tenha chegado a sua obra pelo vídeo. Tenho certeza que o diretor tinha respeito e carinho pelo homem e pelo poeta, mas eu sempre tenho a sensação de uma exposição da fragilidade alheia, além de um certo tom de voz no entrevistador que me parece infantilizado, talvez um pouco condescendente, não sei. Há ainda o perigo romântico de glamourizarmos a situação precária em que vivia este homem que vim a descobrir ser um dos poetas líricos mais sensíveis, delicados e competentes da língua portuguesa no pós-guerra. Pois, após ver o vídeo por alguns minutos, o que me importou foi descobrir sua poesia, e pesquisando-a na Rede, passei a encontrar textos como este:



Ninguém meu amor
Sebastião Alba

Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos.




É texto de poeta de verdade. Não é fácil esta simplicidade. Esta leve tensão sintática em alguns dos poemas na seleção abaixo. Sebastião Alba tornou-se um dos meus poetas favoritos. É uma pena que não edições de seu trabalho no Brasil. Poeta sensível, emocionado e que emociona, como já não se faz muito no Brasil desde que virou chique ser antilírico.

Reproduzo abaixo a nota biográfica e seleção de poemas de Sebastião Alba que preparei ontem para a Modo de Usar & Co.






Nota biográfica e seleção de poemas de Sebastião Alba
Ricardo Domeneck, especial para a Modo de Usar & Co., 24 de maio de 2011





Sebastião Alba nasceu em Braga, Portugal, a 11 de março de 1940. Seu nome de batismo era Dinis Albano Carneiro Gonçalves. Em 1950, a família do poeta emigrou para Moçambique, onde ele passaria a viver até 1984, tornando-se cidadão moçambicano. No seu novo país, trabalhou como jornalista. Estreou em livro com Poesias (1965), ao qual se seguiram O Ritmo do Presságio (a primeira edição, moçambicana, em 1974 e a portuguesa em 1981) e ainda A Noite Dividida (1982).





A editora portuguesa Assírio & Alvum reuniria em um único volume seus livros O Ritmo do Presságio, A Noite Dividida e O Limite Diáfano em 1996, reunidos uma vez mais no ano 2000, incluindo inéditos, com o título Uma Pedra Ao Lado Da Evidência. A essa altura, o poeta vivia nas ruas de sua cidade natal. No dia 14 de outubro de 2000, com 60 anos, morreu atropelado. Havia escrito recentemente um bilhete:


"Se um dia encontrarem morto o teu irmão Dinis, o espólio será fácil de verificar:
dois sapatos, a roupa do corpo e alguns papéis que a polícia não entenderá".


Poeta lírico de extrema delicadeza, tentamos contribuir aqui com a divulgação de sua poesia tão bonita.



POEMAS DE SEBASTIÃO ALBA


A palhota

Espanta não ver nada
que se coma e caçarolas
As aranhas debandaram
não há moscas
até o humor secou
nas espinhas largadas
Vive-se como?
Donde a modeladora energia
que põe a carne?
Ladino um rato
como na infância o quereríamos
rói os bambus a viga
as horas urdem
e um opaco cisco indizível
aduz as proporções laqueia
a quietação à roda.


§


Ninguém meu amor

Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos.


§


Último poema

(ao Jorge Viegas)


Nestes lugares desguarnecidos
e ao alto limpos no ar
como as bocas dos túmulos
de que nos serve já polir mais símbolos?

De que nos serve já aos telhados
canelar as águas de gritos
e com eles varrer o céu
(ou com os feixes de luar que devolvemos)?

É ou não o último voo
bíblico da pomba?

Que sem horizonte a esperamos
em nossa arca onde há milénios se acumulam
os ramos podres da esperança.


§


Ícaro

Da Mafalala estorva-nos
a memória dos gregos
É um anjo negro segredado
e assim goza
de asas sussurrantes
Desce por entre
intervalos do vento
e findo o voo refunde
o modelo de cera
Como qualquer pássaro faz ninho
ele no vestido das mulheres
Sem céu fixo
exala a plumagem
da comum nudez interrompida.


§


Não sou anterior à escolha

Não sou anterior à escolha
ou nexo do ofício
Nada em mim começou por um acorde
Escrevo com saliva
e a fuligem da noite
no meio de mobília
inarredável
atento à efusão
da névoa na sala.


§


No meu país

No meu país
dardejado do sol e da caca dos gaios
só há estâncias
(de veraneio) na poesia.
Nossos lábios
a um metro e sessenta e tal
do chão amarelecido
dos símbolos
abrem para fora
por dois gomos de frio.
Nossos lábios outonais, digo,
outonais doze meses.
No entanto
o equilíbrio jacente
faz florir as acácias;
a terra incha;
na derme da possível
geografia,
um frémito cinde
as estações do ano.


§


A um filho morto

Ontem a comoção foi da espessura dum susto
duma árvore correndo
vertiginosamente para dentro do desastre

E já não choramos. Passamos
sem que o mais acurado apelo
nos decida

Nas camisas
teu monograma desanlaça-se.
Tua mão vê-o nos céus nocturnos
sabe que há uma ígnea
chave algures

Minha tristeza não tem expressão visível
como quando a chuva cessa
sobre a dádiva fugaz do nosso sangue
que hoje embebe a terra

É tal a ordem em nós
que um odor a bafio sai de nossas bocas
e uma teia de aranha interrompe o olhar
que te envolveu em vão.


§


Como os outros

Como os outros discipulo da noite
frente ao seu quadro negro que é
exterior à música dispo o reflexo
sou um e baço

dou-me as mãos na estreita
passagem dos dias
pelo café da cidade adoptiva
os passos discordando
mesmo entre si

As coisas são a sua morada
e há entre mim e mim um escuro limbo
mas é nessa disjunção o istmo da poesia
com suas grutas sinfónicas
no mar.


§


Como se o mar

Quero a morte sem um defeito.
Sem planos brancos.
Sem que pequeninas luzes se apaguem
dentro dos ruídos.
Também a não quero providencial,
com um anjo vingador e secretíssimo
enfim pousado.
Nenhuma mitologia. Nenhuma
fruição poética. Assim: Como se o mar
me aspirasse os ouvidos... etc.
Mas súbita e civil,
com repartições abertas,
comércio, a luz graduada
nas altas paredes
dum bom dia sonoro.


§


O limite diáfano

Movo-me nos bastidores da poesia,
e coro se de leve a escuto.
Mas o pão de cada dia
à noite está consumido,
e a alvorada seguinte
banha as suas escórias.
Palco só o da minha morte,
se no leito!,
com seu asseio sem derrame...
O lado para que durmo
é um limite diáfano:
aí os versos espigam.
Isso me basta. Acordo
antes que a seara amadureça
e na extensão pairem,
de Van Gogh, os corvos.


§


Há poetas com musa

Há poetas com musa. Muitos.
Eu, neste jardim do Éden,
a cargo do município,
onde um velho destece a sua vida
e, baixando o olhar,
ainda lhe afaga a trama,
quando a poesia se afoita,
amuo
na agrura de, ao acordar,
tê-la sonhado.


§


Gosto dos amigos

Gosto dos amigos
Que modelam a vida
Sem interferir muito;
Os que apenas circulam
No hálito da fala
E apõem, de leve,
Um desenho às coisas.
Mas, porque há espaços desiguais
Entre quem são
E quem eles me parecem,
O meu agrado inclina-se
Para o mais reconciliado,
Ao acordar,
Com a sua última fraqueza;
O que menos se preside à vida
E, à nossa, preside
Deixando que o consuma
O núcleo incandescente
Dum silêncio votivo
De que um fumo de incenso
Nos liberta.


§



Sem título


Para isto de dar
um bambo passo entre as estrelas
não se vai com a grande ocasião reclinada
na cabeça a ouvir Puccini

Breve empanadas as estrelas
não mais se acenderão e apagarão
O rumo estará raso
O silêncio a nada obrigará

De pouco serve a ida ao lugar de ausência

que o teu sono já não é extensível
Aboliu-se uma posição relativa na noite
Não circulando em ti com a sua mistura
o ar atravessará o esqueleto

E tudo será sem data e sem prenúncio

E não acrescentarei ao poema ainda um verso relvado Que buxo!
Ele não seria a medida ou a balança Seu inconcreto molde
restaria quebrado entre outros cacos

(Se bem que da infância suba até mim o coro admonitório dos anjos.)


§


As mãos


Componho com as linhas dos meus dedos outros puros
cujas pontas façam girar nenhum raio sucessivo
de sol Dedos sem o cadastro de enlaces doendo
e se declamo ficções que eles escorem
Sem par noutras mãos Nem fundos na algibeira
mexidamente obscenos e a salvo da garra dos gatilhos
Dedos com um horizonte de pálpebra baixando
que assim não acordem as formas tacteadas
donde um sono mane estrie os espaços vedados
Dedos de que mesmo a chuva escorra sem uma lágrima
Ou os que já compus e assinam adiam o poema.


§


Epílogo

Fui
hóspede desta mansão
na encruzilhada
dos meus sentidos.

O verso apenas é,
transversal e findo,
o poleiro evocativo
da ave do meu canto.

Essa ave em que o Outono
se perfila
e, cada vez mais exígua
no rumo e nas vigílias
do seu bando,
de súbito, espirala
até sumir-se
num país imaginário.




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terça-feira, 10 de maio de 2011

Nossa contemporânea Gertrude Stein!


Esta é uma nota para pedir aos leitores deste espaço, para sua própria alegria, que, aconteça o que acontecer, não deixem de ler na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. a palestra de Gertrude Stein intitulada "Composição como explicação", com tradução de Andrea Mateus, que já havíamos publicado em 2009 na revista impressa e agora disponibilizamos a todos na franquia eletrônica.





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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Da lírica amorosa


Nos três livros e duas plaquetas de poemas que publiquei até hoje, há um número significativo daquele que é um "tema" dos mais antigos calos e cicatrizes dos poetas, espraiando-se pelas tradições, línguas, culturas: a lírica amorosa. Sim, muitos estão disfarçados, digamos, de análise histórica, mas são também lírica amorosa.


Entre estes, a quase totalidade pende mais para o lamento do pé-na-bunda que para a celebração dos braços-nos-braços. Menos aconchego que abandono. Como qualquer um que passou dos 30, eu carrego minha boa quota de hematomas.


No ano passado, no entanto, na semana em que O Moço completaria 25 anos, decidi tentar escrever um poema que não fosse imprecação in absentia. Que fosse, de alguma maneira, celebração.


Publiquei o texto no segundo número impresso da nossa Modo de Usar & Co., que trazia justamente O Moço na capa. Compartilho-o agora com os generosos leitores deste espaço. Por um bom fim de semana para a vida amorosa de nós todos. Amem e amém.



Texto em que o poeta celebra
o amante de vinte e cinco anos


a Jannis Birsner

Houve
guerras mais duradouras
que você.
Parabenizo-o pelo sucesso
hoje
de sobreviver a expectativa
de vida
de uma girafa ou morcego,
vaca
velha ou jiboia-constritora,
coruja.
Penguins, ao redor do mundo,
e porcos,
com você concebidos, morrem.
Saturno,
desde que se fechou seu óvulo,
não
circundou o Sol uma vez única.
Stalker
que me guia pelas mil veredas
à Zona,
engatinha ainda outro inverno,
escondo
minha cara no seu peito glabro.
Fosse
possível, assinaria um contrato
com Lem
ou com os irmãos Strugatsky,
roteiristas
de nossos dias, noites futuras;
por trilha
sonora, Diamanda Galás muge
e bale,
crocita e ronrona, forniquemos.
Celebro
a mente sob os seus cabelos,
ereto,
anexado ao seu corpo, o pênis.
Algures,
um porco, seu contemporâneo,
chega
ao cimo de seu existir rotundo,
pergunto,
exausto em suor, se amantes,
de cílios
afinal unidos, contam ovelhas
antes
do sono, eufóricas e prenhas.


Ricardo Domeneck. in Modo de Usar & Co., número 2, 2009.


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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

"Nós vivemos no inferno mas não o conhecemos por completo"

Publiquei cinco traduções minhas para poemas de Helmut Heissenbüttel (1921- 1996) na Modo de Usar & Co.

Heissenbüttel é um de meus poetas alemães favoritos no pós-guerra. Ainda quero um dia escrever algo sobre seu verso "Wir leben in der Hölle aber wir kennen sie nicht genau", ou "Nós vivemos no inferno mas não o conhecemos por completo". Na poesia germânica do pós-guerra, geralmente encontro referências mais fortes para o meu trabalho entre os austríacos, como H.C. Artmann e Friederike Mayröcker, poetas que tiveram seu impacto sobre minha escrita, assim como Peter Handke e Thomas Bernhard, mas creio que posso afirmar que Heissenbüttel estaria muitíssimo à vontade entre os poetas do Grupo de Viena. É dele um de meus poemas favoritos:

minha história bíblica começa com o cheiro do campo
.......em agosto
meu paleolítico chega apenas até minha própria infância
prosódia dos vagões ferroviários
do correr descontínuo do tempo
ontem foi há três semanas
cachos de dias penduram-se fora no passado
meu desassossego é a vista das águas que são
.......partidas pelos remos das canoas
meu desassossego é o barulho dos dados
.......que rolam sobre a tábua da mesa
Ângulos dobram-se tortos sobre minha cara

§

meine biblische Geschichte beginnt mit dem Geruch der Heide
.......im August
mein Paläolithikum reicht nur bis in meine eigene Kindheit
Prosodie der Eisenbahnwagen
der unkontinuierliche Ablauf der Zeit
gestern war vor drei Wochen
Trauben von Tagen hängen aussen an der Vergangenheit
meine Beunruhigung ist der Anblick des Wassers das von den
........Ruderbooten zerteilt wird
meine Beunruhigung ist das Geräusch der Würfel die über die
.......Schreibtischplatte rollen
Blickwinkel klappen schräag über mein Gesicht



As referências destes poetas todos estão ancoradas nas duas vanguardas históricas germânicas: o grupo em torno do Cabaret Voltaire, da revista DADA e das germinações metropolitanas múltiplas dos dadaístas (Hugo Ball, Hans Arp, Richard Huelsenbeck, Kurt Schwitters, Raoul Hausmann, Hannah Höch, etc), e também os expressionistas, como Georg Trakl, August Stramm, Gottfried Benn, Else Lasker-Schüler, Georg Heym ou Jakob van Hoddis. Mesmo Brecht, de certa forma, pelo menos o Brecht de Baal (1918).

Vivendo na Alemanha, sinto na pele o que significou para estes vários grupos as possibilidades da conjunção entre estética e ética. A discussão é infindável, como sempre. Os traumas desta discussão assumem características distintas no Brasil e na Alemanha. Quem conhece, por exemplo, o debate entre Ernst Bloch e Georg Lukács sobre os expressionistas, iniciado por um artigo de Lukács em 1934, em que este condena violentamente os poetas expressionistas, gerando a defesa apaixonada de Bloch, sabe quais os abismos que cercam este dilema.



Heissenbüttel lutou no front russo como soldado, aos 20 anos de idade, onde perdeu o braço esquerdo. Retorna para uma Alemanha às voltas com o processo de Entnazifizierung (desnazificação), reconstrução tanto das cidades como da própria democracia no país, a divisão do território entre os aliados, a hipocrisia do esquecimento de crimes. Trata-se de uma geração de poetas pouquíssimo conhecida no Brasil, de poetas como o próprio Helmut Heissenbüttel, além de Heiner Müller e de austríacos como Erich Fried e Ernst Jandl, ou poetas de fala germânica do Leste Europeu, como Paul Celan, o único mais discutido no Brasil. É a geração que daria ao Brasil poetas como João Cabral de Melo Neto, José Paulo Paes e autores como Clarice Lispector ou Dalton Trevisan. É, como de costume, difícil definir gerações. No caso desta, muitos poetas mais velhos, que chegaram a estrear em livro antes da Segunda Guerra, só no pós-guerra poderiam unir-se a uma comunidade poética e publicar mais ativamente, como é o caso de um poeta maravilhoso como Peter Huchel (1903- 1981) ou ainda de Günter Eich (1907 - 1972) e Rose Ausländer (1901 - 1988), contemporâneos de Murilo Mendes, Henriqueta Lisboa e Carlos Drummond de Andrade.




Como escrevi na Modo de Usar & Co., Helmut Heissenbüttel está entre os poetas de língua alemã que retomaram a pesquisa experimental destas duas vanguardas germânicas. Sua perspectiva experimental, porém, não se baseou em qualquer elefantíase semântica, desregramento ou atomização sintáticos. A antologia poética da qual foi retirado o texto abaixo intitula-se Das Sagbare sagen, ou seja: dizer o dizível. É inevitável aqui pensar na última proposição de Wittgenstein no Tractatus Logico-Philosophicus, de 1922 - o anno mirabilis do modernismo internacional, como Marjorie Perloff chegou a dizer. A última proposição do Tractatus, como todos sabem, é a famosa e mui citada "Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen" / "Sobre o que não se pode falar, deve-se silenciar." Obviamente, já se usou e abusou desta proposição, em inúmeros contextos, em geral descontextualizando-a, na verdade. Não se pode esquecer da proposição que diz: "Os limites de minha língua são os limites do meu mundo", na qual Wittgenstein investiga uma possível "sutura" (ou apenas "analgésico"?) para o dilema poético do abismo/ferida que separaria da linguagem o mundo, algo que tanto ocupara a poesia moderna a partir do Romantismo, levando quase ao esfumaçamento da linguagem entre os simbolistas (basta pensarmos em um brasileiro como Cruz e Sousa, ou num alemão como Stefan George). Algo desta proposta talvez possa ser sentida já em Mallarmé, transformando a equação "Mundo X Linguagem" em "Linguagem = Mundo". Não sei se esta proposição já foi pensada a fundo na poesia brasileira. A concentração única na chamada "função poética" da linguagem (apesar da advertência de Jakobson), ou a noção de "materialidade da linguagem" praticada pelo grupo Noigandres, levando na maior parte dos casos a uma teatralização visual do signo, não me parecem realmente levar essa proposição às consequências mais profundas.



No entanto, é justamente a Haroldo de Campos que eu recorreria para discutir um dos aspectos dos poemas traduzidos abaixo. Pois o módulo de composição de Helmut Heissenbüttel, nestes poemas específicos e em muito de seu trabalho poético, assemelha-se ao que Haroldo de Campos viria a escrever sobre a composição poética de Murilo Mendes, ou seja, o que o poeta paulista viria a chamar no poeta mineiro de uma "espécie de gerador iterativo de sintagmas, que se escandem completos e acabados", seguindo para reiterar o que Manuel Bandeira já escrevera sobre Murilo Mendes, sobre sua articulação de uma "combinatória capaz de lobrigar a concórdia na discórdia". Não iria tão longe na comparação entre Helmut Heissenbüttel e Murilo Mendes, mas o alemão também parece compor um poema "de frases inteiras", não tanto com a "violência de arestas sucessivas, arrombando com a alavanca da imagem imprevista e impressível, a porta blindada do silogismo”, mas criando uma combinatória permutativa de significados instáveis, questionando de certa maneira a noção de objetividade baseada em um conceito como o de mot juste, do século XIX. Já insinuei em outros artigos uma oposição possível entre os grupos experimentais do pós-guerra, especialmente os que floresceram em metrópoles como São Paulo, Paris, Nova Iorque ou Viena, ou seja, entre os grupos que se basearam nas vanguardas construtivistas (como é o caso dos brasileiros da revista Noigandres) e os grupos que se basearam no trabalho dos poetas da revista DADA e do expressionismo (caso, por exemplo, do Grupo de Viena e da Escola de Nova Iorque). No caso destes últimos, a materialidade da linguagem busca atingir a não-transparência do signo sem teatralizar demais seu aspecto visual, e baseia-se mais na instabilidade dos referentes que na tentativa de precisão na relação significante/significado, sem no entanto desprezá-la.

o negro da água e o pontilhado das luzes
o negro da água e o ocasional dos reflexos
regiões e regiões e paisagens
paisagens que eu tingi e paisagens que eu
.......não tingi
o ocasional das sombras e a cromática da claridade
o negro da negrura e a cromática da clara mancha
amarelo vermelho amarelho e vermelho vermelho
regiões e paisagens e ou
ou e ou ou

die Schwärze des Wassers und das Punktuelle der Lichter
die Schwärze des Wassers und das Gelegentliche der Reflexe
Gegenden und Gegenden und Landschaften
Landschaften die ich gefärbt habe und Landschaften die ich
.......nicht gefärbt habe
das Gelegentliche der Schatten und die Chromatik des Hellen
die Schwärze des Schwarzen und die Chromatik der hellen Flecke
gelb rot rotgelb und rot rot rot
Gegenden und Landschaften und oder
oder und oder oder



Esta perspectiva da "fala possível" evitaria também, por exemplo, o abuso que se pratica em resenhas de poesia no Brasil, o abuso do clichê que leva autores de artigos a descrever o trabalho de um poeta como sendo a "tentativa de dizer o indizível". Confesso que poucas expressões estimulam tanto meu reflexo faríngeo como esta. Questão de escolha. Talvez, para poetas do pós-guerra (especialmente no território realmente devastado pela Segunda Guerra), dizer o dizível parecia missão maior em termos est-É-ticos. Ouso dizer que o mesmo se aplica a Paul Celan, poeta sobre o qual usa-se com freqüência a descrição (a meu ver equivocada) do "dizer o indizível". A obra de Heissenbüttel é plural e variada. Quem se interessar, pode visitar minha postagem sobre ele na Modo de Usar & Co. , onde estão todos os poemas que traduzi.

AAQQUUII

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domingo, 20 de setembro de 2009

Algumas Elisabeths: para gargalhar sem ser frívolo e lamentar sem ser maçante



Trilha sonora para a postagem.

"Turn Turn Turn", The Byrds.
Particularmente interessado em: "A time to weep, and a time to laugh; a time to mourn, and a time to dance;" ou "Tempo de chorar e tempo de rir; tempo de lamentar e tempo de dançar;"

Para voltar àquela minha insistência de que há propósitos diversos para o trabalho poético, com parâmetros e exigências específicas. E se Orfeu desceu ao Hades, ele também dava suas aulas de agricultura. Parece haver quem imagina que a poesia pode ser "respeitável" apenas como o relatório de uma noche oscura del alma, o que varreria do mapa Edward Lear, Christian Morgenstern, e.e. cummings, Hans Arp, Oswald de Andrade e vários outros. E estou tratando aqui apenas dos poetas escritores e poetas visuais. Se pensarmos nos poetas orais ou poetas cantores, torna-se ainda mais complexa a teia de propósitos.

Precisamos do órfico e dos que estão dispostos a molhar os dedos dos pés no Lete, mas Eurídice não requer resgate todo dia útil. Os hinos de Novalis, os cantares de Hopkins e as elegias de Rilke têm o seu momento e o seu preço, mas venerar o monumento que é o choro de Lear (1606) não nos impede de apreciar os chistes de Lear (1812 - 1888).

Há aquelas horas da noite em que o peito pesa (e não me refiro aqui a sagging breasts) e buscamos algo nas palavras de poetas como Gerard Manley Hopkins:

I am gall, I am heartburn. God's most deep decree
Bitter would have me taste: my taste was me;
Bones built in me, flesh filled, blood brimmed the curse.
Selfyeast of spirit a dull dough sours. I see
The lost are like this, and their scourge to be
As I am mine, their sweating selves; but worse.


Há também as manhãs ensolaradas em que o peito está airado e preferimos palavras de poetas como Edward Lear:

On the top of the Crumpetty Tree
The Quangle Wangle sat,
But his face you could not see,
On account of his Beaver Hat.
For his Hat was a hundred and two feet wide,
With ribbons and bibbons on every side
And bells, and buttons, and loops, and lace,
So that nobody every could see the face
Of the Quangle Wangle Quee.


§

O celestial Antônio Vieira e o infernal Gregório de Matos compartilharam oxigênio. Tampouco se trata de uma tentativa de encurralá-los em esquinas opostas do ringue.

O ano tem tempo para as flores e tempo para os frutos. Porque não terá também o seu Outono a vida? As flores, umas caem, outras secam, outras murcham, outras leva o vento; aquelas poucas que se pegam ao tronco e se convertem em fruto, só essas são as venturosas, só essas são as que aproveitam, só essas são as que sustentam o Mundo. Será bem que o Mundo morra à fome?

Antônio Vieira, "Sermão da sexagésima".

.

Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar
por quem de mim não tem mágoa?
verdades direi como água
porque todos entendais,
os ladinos e os boçais,
a Musa praguejadora.
Entendeis-me agora?


Gregório de Matos, "Senhora Dona Bahia"

§

Muitos momentos históricos permitem a existência de bons poetas com propósitos e parâmetros distintos. Não estou pregando "ecletismo" ou louvando algum tipo de "crítica democrática". Há muita baboseira sendo publicada no Brasil hoje, e já deixei muito claras e fiz públicas minhas discordâncias mais veementes. Estar criticamente alerta implica também saber em que momentos nossos parâmetros críticos nos impedem de reconhecer a qualidade existente fora da cerca do nosso quintal.

Vieira e Matos no Brasil, John Donne com os metaphysical poets e Robert Herrick com os cavalier poets na Inglaterra do mesmo século, há vários exemplos de coteries isoladas de poetas.

A hymn to love

I will confess
With cheerfulness,
Love is a thing so likes me,
That, let her lay
On me all day,
I'll kiss the hand that strikes me.

I will not, I,
Now blubb'ring cry,
It, ah! too late repents me
That I did fall
To love at all--
Since love so much contents me.

No, no, I'll be
In fetters free;
While others they sit wringing
Their hands for pain,
I'll entertain
The wounds of love with singing.

With flowers and wine,
And cakes divine,
To strike me I will tempt thee;
Which done, no more
I'll come before
Thee and thine altars empty.


Robert Herrick

.

trecho de "Farewell to love", de John Donne:

Whilst yet to prove,
I thought there was some deity in love
So did I reverence, and gave
Worship, as atheists at their dying hour
Call, what they cannot name, an unknown power,
As ignorantly did I crave:
Thus when
Things not yet known are coveted by men,
Our desires give them fashion, and so
As they wax lesser, fall, as they size, grow.


§

As "Duineser Elegien" (Elegias de Duíno) tiveram um grande impacto sobre mim quando as li, seguem sendo textos muito importantes no meu espaço mental. Mas penso também, em vários momentos, com muita graça em Hans Arp, que escreveu, no mesmo período em que Rainer Maria Rilke compunha a duras penas suas 10 elegias, aquela que é a maior sátira da vanguarda contra o "elegíaco", em sua série "Die Schwalbenhode", que traduzi como "Textículos do pássaro", publicada na Modo de Usar & Co. impressa e mais tarde na eletrônica (leia AAQQUUII).

§

Pessoalmente, sigo apreciando poemas que destilam tristeza com um tipo de humor baseado em self-deprecation. Não é qualquer um que o pode fazer. Algo como o poeta que finge que não é dor a dor que talvez até sinta.

§

Postei hoje na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. um artigo sobre a poeta carioca Elisabeth Veiga (n. 1941), que publicou em 2002 um dos livros acordados dos últimos anos, intitulado Sonata para pandemônio (Aeroplano: Rio de Janeiro, 2002). Li seus poemas pela primeira vez na antologia Pontes/Puentes, que reunia textos como este "Algias":

Algias

Elegia 1

Já repeti o antigo encantamento
e só o cimento respondeu,
rastro de cinzas de maçã vencida,
desvestígio de gosto,
estanque julho que moeu vindimas
e deixou no espaço seu vinagre branco.
Onde havia um deus
os dias emboloram nuvens
de estrita agonia antepassada
que se olha no espelho
antes do adeus.
Inexiste, não soa, o que havia
fixou-se atrás da mente:
fim estalado de fotografia.
É agosto seco. É hoje e nunca houve.

Alergia 2

Já repeti o velho encantamento
e o antigo deus Xipanto não azarou
na minha gleba de piche solferina.
Peguei o convescote, as sandálias murchas
e mudei de travesseiro lírico,
para afinar meu sambão em outros infernos.


Elisabeth Veiga, Sonata para pandemônio (Aeroplano: Rio de Janeiro, 2002)

§

Ela é uma das "Elisabeths" no meu poema "Drag queen", que está incluído no meu Sons: Arranjo: Garganta, no eterno prelo.

Drag Queen

na aprendizagem dos ganhos

pela arte da subtração

(oh, how

elizabeth bishop

of you)

acordei meio porta-luvas

& todas as mãos

compareceram à cerimônia

(oh, how

elisabeth veiga

of you)

ao confiar-me aos sete

dias de jericó

desmoronando aos pés

do sim e de las vegas

(oh, how

elizabeth fraser

of you)

pois

ninguém me arranha

ninguém me cospe

ninguém me chama

de kate moss

(oh, how

elisabeth chamber

of you)



Ricardo Domeneck, Sons: Arranjo: Garganta, no prelo.

§

O que por sua vez me traz à memória uma outra Elisabeth desaparecida, em um texto que eu gostaria muito de ouvir sendo oralizado, imagino que seja a melhor aplicação para ele:

A Elisabeth foi-se embora

Eu que já fui do pequeno-almoço à loucura
eu que já adoeci a estudar morse
e a beber café com leite
não posso passar sem a Elisabeth
por que é que a despediu senhora doutora?
que mal me fazia a Elisabeth?
eu só gosto que seja a Elisabeth
a lavar-me a cabeça
não suporto que a senhora doutora me toque na cabeça
eu só venho cá senhora doutora
para a Elisabeth me lavar a cabeça
só ela sabe as cores os cheiros a viscosidade
de que eu gosto nos shampoos
só ela sabe como eu gosto da água quase fria
a escorrer-me pela cabeça abaixo
eu não posso passar sem a Elisabeth
não me venha dizer que o tempo cura tudo
contava com ela para o resto da vida
a Elisabeth era a princesa das raposas
precisava das mãos dela na minha cabeça
ah não haver facas que lhe cortem o
pescoço senhora doutora eu não volto
ao seu anti-séptico túnel
já fui bela uma vez agora sou eu
não quero ser barulhenta e sozinha
outra vez no túnel o que fez à Elisabeth?
a Elisabeth foi-se embora
é só o que tem para me dizer senhora doutora
com uma frase dessas na cabeça
eu não quero voltar à minha vida


Adília Lopes, Obra (Mariposa Azul: Lisboa, 2000)

§


Você pode visitar a página dedicada a Elisabeth Veiga na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. clicando AAQQUUII.

§

Encerro esta postagem, com a esperança de mais oxigênio crítico e poético no debate de hoje, com uma outra Elizabeth, esta de outro temperamento, mas tão isabela quanto as outras.


Cheerfulness Taught By Reason

I THINK we are too ready with complaint
In this fair world of God's. Had we no hope
Indeed beyond the zenith and the slope
Of yon gray blank of sky, we might grow faint
To muse upon eternity's constraint
Round our aspirant souls; but since the scope
Must widen early, is it well to droop,
For a few days consumed in loss and taint ?
O pusillanimous Heart, be comforted
And, like a cheerful traveller, take the road
Singing beside the hedge. What if the bread
Be bitter in thine inn, and thou unshod
To meet the flints ? At least it may be said
' Because the way is short, I thank thee, God. '

Elizabeth Barrett Browning

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Tetine com Mula em anexo

Publiquei hoje, na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., um artigo sobre o duo paulistano/londrino Tetine, formado por Eliete Mejorado e Bruno Verner, com a postagem de alguns de seus trabalhos em música-vídeo e performance oral. Você pode visitá-la AAQQUUII.

Descobri o trabalho do Tetine quando eles lançaram o álbum/espetáculo "Música de amor", em 1999. Lembro-me de ouvir este álbum repetidas vezes nos dois anos seguintes. Lembro-me também de usar sempre uma citação da faixa-título do álbum "Alexander´s Grave" (1996), o primeiro do Tetine, em que Eliete Mejorado diz "Do you think I have no pride just because I have no shame?"... ainda é uma das minhas frases favoritas, assim como às vezes, out of the blue, sinto vontade de dizer: "According to the latest theories, Time is simply a useful tool and dimensional construct for organizing realities / So in 1987 I got a job as a tourist guide", no poema sonoro "Russian Roulette". Eu amo a non sequitur que gera o poético nestas linhas.

Trombava com eles no subterrâneo de São Paulo, em festas e performances, mas fui conhecê-los pessoalmente apenas em 2006, quando eles já viviam em Londres e eu em Berlim. Sabendo que eles estariam aqui no Berlimbo para uma performance no teatro Hebbel am Ufer, escrevi-lhes perguntando se eles gostariam de ficar alguns dias mais na cidade, para fazerem uma outra performance no nosso evento-intervenção semanal Berlin Hilton, our own private Cabaret Voltaire. Nosso relacionamento artístico e de amizade data deste momento. Desde então, já nos apresentamos juntos em Londres, criei com amigos o selo Kute Bash Records apenas para relançar em vinil seu "L.I.C.K. My Favela" e colaboramos no poema "Mula", texto meu que eles oralizaram e musicaram em 2007. Segue abaixo o poema, em vocalização do Tetine e vídeo de Eugen Braeunig:


(Tetine & Ricardo Domeneck, com vídeo de Eugen Braeunig, 2007)

§

Mula


..............Minha
senhora: os unicórnios
que caem com a raiz
não
voltam mais; ainda
que van-goghs até
que engasgues,
.......sigo mula
a indiciar o caso
excepcional
do sem espécie,
self-archived tool, exílio
............dos catálogos
a especificar o espaço
para a porcentagem da escolha
do puro, alheia que se agita
antes de abrir, dose cavalar
de juramento e
egüidade. Poupa-me,
Popeye: longe de mim
impor-me híbrida
à tua hípica -
brutalmente homogênea,
especialista em fronteiras,
.......eject de habitat,
eis-me, excelentíssimo,
a de cascos
.......não-retornáveis,
nula nulla
tal qual high bred hybrid
relinchando o já morto:
muslos de mulícia,
esterilizável, aureolar,
............multívaga
....... ambiqüestre
....de mulas prontas,
perdoai vossa serva
preguiçodáctila aos berros
perturbando vosso áureo
piquenique do sublime,
.......illicit mule
espirrando em vosso épico.
............Não
há Blade
Runner que resista
mesmo euzim
..............fake mullah,
insciente dos teus métodos,
ó sussurrável, hoof muffler
da palha de meu estofo.
Prometo-me estóica
.........e subcutânea,
bem fazes em esporear-me
o couro catecúmeno à chuva
do teu cuspe, inestimável
senhor de eco intumescido:
.......até que a mula
.......aqui fale
como manda
o figurino,
e encontre a exit
de quem às caras
me dera lamber o mundo
com a própria língua: mulo
fundindo
.......com a função da forma
os extremos do exorcício e
a fanfarra do sem categoria.


Ricardo Domeneck
Berlim – agosto mês de desgosto, 2007

§

Conduzi esta entrevista com eles em Londres, em 2006, postada mais tarde na revista eletrônica FLASHER, que eu editava naquela época.



§

Você pode saber mais sobre o Tetine AAQQUUII.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Augusto de Campos com voz na Modo de Usar & Co.

A nova postagem da franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. é dedicada ao poeta paulistano Augusto de Campos, a partir de seu trabalho em voz e som. Marília Garcia e eu selecionamos o material e eu escrevi um artigo de apresentação.

AAQQUUII.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Poesia contemporânea brasileira na Modo de Usar & Co.

Leitores da franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. nos perguntaram algumas vezes quando pretendíamos mostrar poesia contemporânea brasileira na revista. Realmente, durante o ano de 2008, em que as atividades da franquia eletrônica se intensificaram, publicamos postagens sobre muitos poetas do pós-guerra, mas não do século XXI. Houve postagens sobre jovens europeus e latino-americanos, como o catalão Eduard Escoffet, a espanhola Sandra Santana, a francesa Nelly Larguier e a argentina Lucía Bianco, mas nenhuma sobre jovens brasileiros.

O primeiro número impresso da Modo de Usar & Co. trouxe quase que exclusivamente jovens brasileiros, com a exceção de alguns poetas surgidos na década de 90, como Carlito Azevedo, Marcos Siscar e Aníbal Cristobo.

Foi uma decisão consciente a de evitar os poetas de meia-idade. Quase todos os outros colaboradores eram poetas surgidos no fim da década de 90 e início desta década, como Dirceu Villa, Juliana Krapp, Danilo Bueno, Franklin Alves Dassie, Walter Gam, Diego Vinhas, Veronica Stigger, Leonardo Martinelli (a primeira perda de nossa comunidade, falecido no fim do ano passado) e Andréa Catrópa, entre outros.

A mim parecia importante, no primeiro ano de atividades da franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., estabelecer nossos parâmetros críticos, deixar claras nossas preocupações, criar nosso "mãedeuma". Após traduzir e apresentar dezenas de poetas totalmente inéditos, desconhecidos ou obscuros no Brasil (como bpNichol, Friederike Mayröcker e Henri Chopin), assim como certas comunidades de poetas da década de 50 (como o Grupo de Viena e os Lettristes de Paris), parece-me o momento certo e responsável de apresentar os jovens poetas brasileiros que chamam nossa atenção, com trabalhos fortes, ignorando os cantos de sereias da catástrofe que vêm sendo entoados por certos poetas de meia-idade, em algumas outras revistas eletrônicas editadas por poetas de meia-idade.

As duas últimas postagens da Modo de Usar & Co. foram dedicadas a Juliana Krapp e Marcelo Sahea. O segundo número impresso, que deve sair em dois meses, trará vários poetas inéditos em livro. Neste ano de 2009, seguiremos com a pesquisa sobre o que vem sendo produzido de interessante e inquieto na poesia contemporânea brasileira e no resto do mundo. Se vocês confiarem nestas palavras, visitem a página da franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. AAQQUUII e procurem o número impresso de estréia da revista nas seguintes livrarias:

em SãO PAULO (SP)
Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
Vila Madalena São Paulo - SP
tel. 55-11-3814-5811

no RIO DE JANEIRO (RJ)
Livraria Berinjela
Av. Rio Branco, 185 / loja 10
Centro Rio de Janeiro - RJ
tel. 55-21-2215-3528

em BELO HORIZONTE (MG)
Livraria e Editora Scriptum
Rua Fernandes Tourinho, 99
Savassi Belo Horizonte - MG
tel. 55-31-3223-1789

em SANTO ANDRÉ (SP)
Livraria Alpharrabio
Rua Eduardo Monteiro, 151
Santo André - SP
tel. 55 -11-44 38 43 58

em FORTALEZA, CE
Livraria Cavalo Marinho
Rua Senador Pompeu, 2764/lj B
Fortaleza - CE
tel. 55-85-3214-5288)


ou faça seu pedido através do email
revistamododeusar@gmail.com

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