sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Sobre Tomas Tranströmer e minha pequena nota na "Folha de S. Paulo" de hoje

Na segunda-feira, em correspondência com o artista brasileiro Laércio Redondo, radicado em Estocolmo há muitos anos, falávamos sobre o trabalho de dois poetas do país: Gunnar Ekelöf (1907 - 1968) e Tomas Tranströmer (n. 1931). Mal sabíamos que dois dias depois o segundo estaria nos jornais do mundo todo.

Ekelöf é praticamente uma instituição, sua obra é incontornável, muitíssimo influente. Eu o considero um dos poetas mais elegantes (e melancólicos) que já li. Todos os meus amigos suecos o leem, alguns são admiradores declarados. Já a posição de Tomas Tranströmer talvez seja mais complicada. Obviamente, é mais jovem (em comparação com Ekelöf), e, sendo um poeta contemporâneo, vivo, cai na rede das disputas pelas parcas vagas no cânone, na teia das comparações quase sempre injustas. Não sou sueco, não conheço os debates poéticos do país. Estive uma única vez em seu solo, e, ainda por cima, na cidade de Malmö, ligada por uma ponte a Copenhague, na Dinamarca. Tranströmer é, no entanto, o poeta contemporâneo sueco mais traduzido, publicado e conhecido fora do país. Está entre os poetas europeus mais famosos no continente, ao lado de autores como seu conterrâneo Lars Gustafsson, Paul Muldoon (da Irlanda do Norte), Yves Bonnefoy (França), Tomaž Šalamun (da Eslovênia), ou os recentemente falecidos Inger Christensen (Dinamarca) e Edwin Morgan (Escócia), sem mencionar os laureados Seamus Heaney (Irlanda) e Wislawa Szymborska (Polônia). Em minha opinião, a Alemanha não tem, hoje, um poeta que assuma este tipo de "estrelato". Aquela que é chamada por alguns de "Grande Dama da Poesia Germânica", minha adorada Friederike Mayröcker (Áustria), é praticamente desconhecida fora do ambiente germânico ou mesmo dentro dele. E, se pensarmos bem, mesmo estes autores não têm a influência, como public intellectuals, digamos, que T.S. Eliot teve no passado, ou Joseph Brodsky teve até a década de 80. A que Octavio Paz e Czesław Miłosz tiveram até suas mortes.

Ora, como brasileiros, sabemos que ser amplamente traduzido não é, em si, status que indique a importância do poeta em seu próprio país. Um dos poetas brasileiros vivos que mais encontro em tradução aqui na Europa é Ledo Ivo, e sabemos da insignificância de seu trabalho dentro do debate poético contemporâneo brasileiro.

Mas Tomas Tranströmer não é Ledo Ivo algum, eu ousaria dizer. Seu trabalho é de uma clareza bastante elegante, de uma simplicidade lírica que me alegra muito, até o ponto em que posso julgá-lo, conhecendo-o a partir de publicações em alemão e inglês. Soube através de alguns artigos lidos desde sua premiação com o Nobel ontem que sua religiosidade encontra resistência na Suécia, e que seu trabalho já foi acusado de "alienado", por "furtar-se à discussão das grandes questões". Sinceramente, eu nunca entendo bem o que querem dizer com "grandes questões". Se o envelhecimento, a morte e a desolação amorosa não são grandes questões, não sei bem o que seriam. Pergunto-me se poemas como "Citoyens", com seu relato de um sonho em que Danton e Robespierre comparecem, ou "Sobre a História", em que comparecem Goethe, Gide e Dreyfus, abordam este conflito.

Descobri o trabalho de Tranströmer há alguns anos, quando percorria os sebos de Berlim à procura das edições de poesia de uma casa editorial extinta, da antiga Berlim Oriental, que se chamava Verlag Volk und Welt (Editora Povo e Mundo), que publicava muitas antologias, de poetas muito diferentes entre si (tanto estética como politicamente), como Dylan Thomas, William Carlos Williams, Vladimir Maiakóvski, Ai Qing, Odysséas Elýtis, entre outros. Nesta coleção encontrei minha primeira antologia de poemas de Tomas Tranströmer, traduzidos para o alemão por poetas da Alemanha Oriental, como Richard Pietrass.

Soube que Tomas Tranströmer recebera o Prêmio Nobel de Literatura de 2011 de uma maneira curiosa. Ao chegar ao meu apartamento, após passar o dia cuidando de certas burocracias alemãs (kafkianas) necessárias, encontrei, antes de ler qualquer notícia, uma mensagem da Folha de S. Paulo, pedindo-me um comentário crítico (com espaço minguado) sobre o novo ganhador do Nobel, o poeta sueco Tomas Tranströmer, para a "Ilustrada" desta manhã. Tomada de surpresa, imagino que a redação estava em polvorosa para conseguir publicar algo de concreto sobre um poeta sem volumes traduzidos no Brasil. Eu mesmo, tomado de surpresa, tentei esboçar em algumas linhas o que pensava sobre Tomas Tranströmer e seu prêmio. Minha nota, editada, apareceu esta manhã, creio, no jornal. Deixo vocês com a nota, aqui expandida. Passarei os próximos dias lendo Tranströmer (estou carregando uma antologia alemã de seus poemas desde a tarde de ontem) e talvez volte a alguns dos pontos. Trata-se de uma pequena nota, cheia de impressões. Minha comparação, por exemplo, entre Tranströmer e Montale é extremamente subjetiva, e tem apenas a ver com a maneira como os dois poetas pareceram distanciar-se de uma noção de poesia pura a caminho de uma escrita mais marcada pelo quotidiano. Não é uma comparação hierárquica.


Tomas Tranströmer, com justiça
especial para a Folha de S. Paulo (versão ampliada)

É comum que a premiação de um poeta com o Nobel gere surpresa e a corrida por informações sobre o autor, tão frequentemente desconhecido, a não ser que se trate de pesos-pesados como T.S. Eliot, em 48, Czeslaw Milosz, em 80, ou Joseph Brodsky, em 87. O último poeta a ter seu trabalho reconhecido pelo prêmio foi a polonesa Wislawa Szymborska, em 1996, àquela altura também razoavelmente desconhecida fora da Europa. No ano anterior, a premiação do poeta irlandês Seamus Heaney causara alvoroço e surpresa parecidos. A década de 90 viu uma única premiação de um poeta parecer, digamos, óbvia, quando o santa-lucense Derek Walcott o recebera em 1992, ou Octavio Paz em 1990, tecnicamente ainda anos 80. Nenhum poeta foi premiado na última década. Talvez pudéssemos refletir sobre a recepção da poesia na cultura contemporânea a partir desta falta de equilíbrio, quando na verdade há ainda poetas muito influentes sem este reconhecimento, como o sírio Adonis ou o norte-americano John Ashbery, certamente mais famosos e influentes em âmbito global, pelo menos antes do Prêmio, que os novelistas Hertha Müller ou John M. Coetzee. No ano passado, quando o Prêmio concedido a Mario Vargas Llosa foi anunciado, eu estava participando da Bienal de Poesia organizada pela Universidade de Lieja, na Bélgica. Todos os participantes se mostraram decepcionados que o Prêmio não houvesse sido dado a Tomas Tranströmer, algo que tomavam por quase certo, e o sueco acabou recebendo o Prêmio da Bienal daquele ano, também concedido a outros poetas pouco ou muito antes do Nobel, como Giuseppe Ungaretti ou Saint-John Perse.

Tomas Tranströmer é hoje o poeta sueco mais traduzido no mundo, ainda que completamente desconhecido no Brasil, onde, com a exceção de publicações esparsas em revistas, o poeta ainda não teve volume publicado, pelo menos nada pude encontrar que estivesse em catálogo. Na Europa, é considerado um dos mais importantes poetas vivos do continente, e sua posição no cânone poético sueco do pós-guerra talvez só possa ser comparada à de Gunnar Ekelöf (1907 – 1968), pelo menos para olhos estrangeiros que contemplam a poesia do país do lado de fora de suas fronteiras.

Em poemas do início de sua carreira, como “Tempestade”, “Solitárias casas suecas” ou “Aquele que acordou com o canto sobre os telhados”, Tranströmer esposava uma poética de ritmos regulares, imagética clara e objetiva, o que talvez o ligue a poetas como o espanhol Jorge Guillén, ao francês Paul Valéry. Aos poucos, sua obra enriqueceu-se de ritmos, passando a adotar versos longos, em poemas de fôlego, como no belo “Mares do norte”, em que versos de ritmo quase sálmico unem-se à técnica da enumeração e a quase-prosa que Allen Ginsberg tornaria famosa e popular em um poema como “Uivo”.

Tranströmer a empregaria ainda em poemas como “Schubertiana”, ou recorreria à prosa propriamente dita em textos como “Funchal” e “Respostas breves”. Ele, no entanto, não parece querer tomar partido entre oposições como objetividade e subjetividade, tradição e vanguarda. Tais oposições parecem encontrar guarida natural em sua obra, com delicadeza e elegância. Mesmo em seus livros posteriores retorna à tradição da poesia nórdica, mas com uma simplicidade que parece ser fruto de uma sabedoria arduamente conquistada.

O desenvolvimento de sua poesia por vezes me lembra a de Eugenio Montale, outro premiado com o Nobel. Com 80 anos, nascido em Estocolmo em 1931 (o que o torna contemporâneo de poetas brasileiros como Ferreira Gullar e Augusto de Campos), o poeta luta há tempos com sérios problemas de saúde. Este prêmio talvez venha agora como a coroação de uma obra que, desde seu primeiro volume em 1954, balança-se em equilíbrio elegante entre a tradição europeia de uma poesia metrificada e pura, e as contribuições das vanguardas que levaram a poesia ocidental a novos territórios rítmicos e temáticos.

O que podemos esperar é que o poeta receba agora maior acolhida no mercado editorial brasileiro.


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