quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Traduzindo meu poema favorito de Audre Lorde

Uma litania para a sobrevivência

Para aqueles entre nós que vivem no litoral
em pé frente às arestas constantes da decisão
cruciais e sós
para aqueles entre nós que não podem dar-se ao luxo
dos sonhos passageiros da decisão
que amam de passagem por soleiras
nas horas entre auroras
olhando para dentro e para fora
no instante antes e depois
buscando um agora que possa gerar
futuros
como pão na boca de nossos filhos
para que seus sonhos não reflitam
a nossa morte:

Para aqueles entre nós
que foram impressos com o medo
como uma linha tênue no centro de nossas testas
aprendendo a temer com o leite de nossas mães
pois por esta arma
esta ilusão de alguma segurança a ser achada
os de passos pesados esperavam silenciar-nos
Para todos nós
esse instante e esse triunfo
Nunca fomos destinados a sobreviver.

E quando o sol se ergue temos medo
que talvez não permaneça
quando o sol se põe temos medo
que talvez não se erga de manhã
quando nossos estômagos estão cheios temos medo
da indigestão
quando nossos estômagos estão vazios temos medo
que talvez nunca mais comamos
quando nós amamos temos medo
que o amor desaparecerá
quando estamos sós temos medo
que o amor jamais voltará
e quando falamos temos medo
que nossas palavras não sejam ouvidas
nem benvindas
mas quando estamos em silêncio
ainda assim temos medo

Então é melhor falar
lembrando-nos
de que nunca fomos destinados a sobreviver

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

A litany for survival
Audre Lorde

For those of us who live at the shoreline
standing upon the constant edges of decision
crucial and alone
for those of us who cannot indulge
the passing dreams of choice
who love in doorways coming and going
in the hours between dawns
looking inward and outward
at once before and after
seeking a now that can breed
futures
like bread in our children's mouths
so their dreams will not reflect
the death of ours:

For those of us
who were imprinted with fear
like a faint line in the center of our foreheads
learning to be afraid with our mother's milk
for by this weapon
this illusion of some safety to be found
the heavy-footed hoped to silence us
For all of us
this instant and this triumph
We were never meant to survive.

And when the sun rises we are afraid
it might not remain
when the sun sets we are afraid
it might not rise in the morning
when our stomachs are full we are afraid
of indigestion
when our stomachs are empty we are afraid
we may never eat again
when we are loved we are afraid
love will vanish
when we are alone we are afraid
love will never return
and when we speak we are afraid
our words will not be heard
nor welcomed
but when we are silent
we are still afraid

So it is better to speak
remembering
we were never meant to survive





Audre Lorde foi uma poeta americana, nascida em Nova Iorque a 18 de fevereiro de 1934, em uma família de imigrantes do Caribe. Começou a publicar na década de 60, na revista de Langston Hughes, New Negro Poets, USA. Neste período, engajou-se nos movimentos Feminista, Anti-Guerra e dos Direitos Civis. Seu livro de estreia foi The First Cities (1968), publicado pela editora Poet´s Press e editado por Diane di Prima. Seu segundo livro, de 1970, foi Cables to rage, seguido de volumes como From a Land Where Other People Live (1973), Coal (1976), Between Our Selves (1976), The Black Unicorn (1978) e The Cancer Journals (1980). Entre 1984 e 1992, ano de sua morte, a poeta viveu e trabalhou em Berlim, Alemanha, período sobre o qual a diretora Dagmar Schultz lançou, no ano passado, o documentário Audre Lorde: The Berlin Years (1984 - 1992).



O ativismo feminista de Audre Lorde foi importante e polêmico, ao acusar o Movimento Feminista norte-americano, dominado por ensaístas e ativistas brancas, de ignorar a questão racial do problema, e por focar-se nas experiências de mulheres brancas da classe média. Audre Lorde insistiu que questões de raça, sexualidade, idade, classe e até mesmo saúde influíam e definiam as experiências particulares de cada mulher, e precisavam, portanto, ser abordadas de formas específicas. Suas ideias influíram sobre o conceito de interseccionalidade nos estudos políticos da opressão contra minorias. No documentário A Litany for Survival: The Life and Work of Audre Lorde, de Ada Gay Griffin e Michelle Parkerson, Lorde diz:

"Let me tell you first about what it was like being a Black woman poet in the ‘60s, from jump. It meant being invisible. It meant being really invisible. It meant being doubly invisible as a Black feminist woman and it meant being triply invisible as a Black lesbian and feminist."


Lutando contra o câncer desde 1978, primeiro o câncer de mama (o que exigiria uma mastectomia), e depois no fígado, Audre Lorde morreu a 17 de novembro de 1992.


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Um comentário:

José Duarte disse...

Caro Ricardo Domeneck,

O meu nome é José Duarte, sou de Portugal, e publiquei, recentemente, um livro de poemas intitulado Dias de Tempestade, baseado numa técnica chamada de erasure. Aquilo que fiz foi aplicar essa técnica ao romance Moby Dick. É uma edição de autor.

Fiquei muito interessado na sua poesia e gostaria apenas de lhe sugerir o seguinte: como, por vezes, alguns são complicados de ter (seja pela distância, seja pelo preço, especialmente pelo preço) proponho-lhe que troquemos obras. Eu mandar-lhe-ia uma cópia do meu livro e o Ricardo, caso aceitasse, fazia o mesmo, enviando-me uma cópia da sua última obra.

Gostaria de fazer o mesmo com alguns dos poetas que sugere nesta antologia da Idade de Ouro, mas tentei conseguir os seus contactos e não consegui. Talvez me possa ajudar também.

Isto é apenas uma sugestão e se o incomodo peço, desde já, as minhas desculpas. Se não lhe interessar, ignore, por favor, este meu comentário.

Caso esteja interessado contacte-me para o meu mail pessoal para podermos falar melhor: joseaoduarte@gmail.com

Cumprimentos,

José Duarte

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