segunda-feira, 26 de novembro de 2012

"Deixem-me recitar o que a História ensina" - Original & Deutsche Interpretation von Odile Kennel



Ontem à noite fizemos a última performance do Zeitkunst 2012, na Villa Elisabeth, aqui em Berlim. Posto aqui o poema que escrevi para a performance e que vocalizei com a peça "In a landscape" (1948), de John Cage, para a sua "Homenagem". Unten: Deutsche Interpretation von Odile Kennel.


Deixem-me recitar o que a História ensina

“Let me recite what History teaches”
Gertrude Stein

Nada, talvez. Não
se arde com a febre
alheia, só se aprende
com a faca e o fogo
na própria pele,
não contemplando a foto
da cicatriz
dum antepassado. Trágico
ou banal, tudo
parece fadado a repetir-se,
mesmo os discursos
sobre o sangue
que nos precede, nossa dívida
com seu derramamento.
Mas, mal há tempo
para justiçar os mortos
cumulativos, quiçá o sangue
se predestine, década
a década, a jorrar fora
de veias e artérias,
como se o chão invejasse,
por ser inanimado, os cinco
litros que insistimos
em manter selados,
(quase) herméticos
em nossos corpos. Fraturas
em esqueletos
de outros séculos? Fêmures,
úmeros de avós não
nos asseguram o aumento
da resiliência dos ossos,
não a curto prazo, os erros
de mães não nos valem
como cartilha.

Talvez Waterloo
ensinara algo a Napoleão,
mas certamente não
aos que ali morreram, a nós
são relatos tão próximos
quanto o das Termópilas,
e os soldados
em posição de descanso
em ambos os solos
ali estão, obedientes
ainda às ordens.
“Ilustríssimo senhor transeunte,
vem-se por meio desta requerer
que informe aos honrados
cidadãos de Esparta
que, por ocasião
da ressurreição dos mortos,
aqui estaremos, ainda
de uniforme, todavia prontos
para mutilar, pilhar e tolher.”

E no tempo começam
a distanciar-se
Canudos e Babi Jar,
Darfur e Bagdá
deitam-se tão longe
dos mapas do meu bairro.
Fronteiras unem, separam,
e nós, na fila de espera
entre passado e futuro,
nos confundimos,
sem passaportes,
como se as paredes
móveis de uma armadilha –
retrocedem, avançam,
não em velocidade
equilibrada e mal
as sabemos prestes
a esmagar-nos. Reprises
das quais esquecemos
invariavelmente os finais
ou os confundimos
com os começos de novos
episódios, ao advento
das represálias não sabemos
quais os crimes
originais, se somos o que vinga
ou o que incinera com ares
de uma mítica defesa legítima.

Toda morte
é uma queima de arquivos.
Aulas de História, mas não
da História. Esta, nada mais
que uma lista de revanches
infindáveis e não importa
se nossa brutalidade
é edênica ou endêmica,
se culpamos o ovo
ou o galo.

Com sorte, para nós o dénouement
funcionará como um desnudamento,
seguido de extinção, oxalá
sem muitos gritos.


Ricardo Domeneck, 2012.

:


Lasst mich vortragen, was Geschichte lehrt

                   Let me recite what History teaches
Gertrude Stein

Nichts, womöglich.
Man glüht nicht
von fremdem Fieber
man lernt nur
vom Messer und Feuer
an der eigenen Haut
nicht beim Betrachten
der Narben auf Fotos
von Vorfahren. Tragisch
oder banal, alles
scheint zur Wiederholung
bestimmt, sogar die Reden
übers Blut, das uns voranging
und unsere unbeglichene
Schuld an seinem Vergießen.
Wir haben keine Zeit
die angehäuften Toten
zu rächen, kann sein
Blut ist dazu bestimmt
Dekade um Dekade
aus Kapillaren
zu quellen, als würde
der unbelebte Boden
die fünf Liter uns neiden
die wir beharrlich
und (fast) hermetisch
in unserem Körper
verschlossen halten. Brüche
an Skeletten aus Großvaters
Zeiten? Oberschenkel-
Oberarmknochen
von Großmüttern
garantieren uns keine
größere Knochendichte, nicht
kurzfristig, die Irrtümer
der Mütter dienen
uns nicht als Fibeln.

Vielleicht hat Napoleon
aus Waterloo gelernt
doch sicher nicht die
die starben, und für uns
sind das Berichte
kaum näher als die Schlacht
bei den Thermopylen, Soldaten
in Ruhestellung bergen
beide Böden, sie gehorchen
noch immer Befehlen.
„Werter Wanderer,
hiermit bitten wir, die aufrechten
Bürger von Sparta
darüber in Kenntnis
zu setzen, dass wir
bei Auferstehung
der Toten bereit sein werden
zum Plündern, Verstümmeln, Verwüsten.“

Canudos und Babi Jar
rücken in die Ferne
Darfur und Bagdad liegen
außerhalb meines Stadtplans.
Grenzen vereinen, trennen
doch wir stehen Schlange
zwischen Vergangenheit
und Zukunft, kommen
durcheinander ohne Pass
als ob die beweglichen
Wände einer Falle –
sich auf dem Vormarsch
auf dem Rückzug
befinden, doch nicht
gleich schnell, wir ahnen
sie werden uns zermalmen. Reprisen
deren Ende wir grundsätzlich
vergessen oder
mit dem Anfang neuer
Episoden verwechseln.
In Erwartung von Repressalien
wissen wir nicht
was das Erste Verbrechen war
und ob wir Rächer sind
oder alles abfackeln
mit einem Ausdruck
mythischer Notwehr.

Jeder Tod
bedeutet Niederbrennen
von Archiven. Unterricht
in Geschichte, nicht
der Geschichte. Diese besteht
aus einer nie abreißenden Kette
von Vergeltungen, müßig
die Frage ob unsere Brutalität
edenisch oder endemisch ist
ob wir die Schuld beim Ei suchen
oder beim Hahn.

Mit etwas Glück besteht die Auflösung
für uns in Entblößung
und wir sterben aus, hoffentlich
ohne viel Geschrei.


(Deutsche Interpretation von Odile Kennel)
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domingo, 25 de novembro de 2012

Primeira noite do Zeitkunst 2012 em Berlim: textos que li



Ontem foi a primeira noite do Zeitkunst 2012 em Berlim, com um programa diferente do que apresentamos no Brasil. Com o título "The Human Voice", leram, além de mim, os poetas Björn Kuhligk (um dos poetas alemães mais respeitados da Geração 90 do país), Birgit Kreipe e a israelense Tal Nitzan. O Ensemble Meitar tocou composições de contemporâneos como Fabian Panisello, Toru Takemitsu, Hadas Pe'ery e Sivan Cohen Elias. Eu li 5 fragmentos do poema-em-série "Dedicatória dos joelhos", incluído a´a cadela sem Logos (2007). Hoje será o encerramento, com a "Homenagem a John Cage" que apresentamos no Brasil. Abaixo, os texto que li e as respectivas traduções de Odile Kennel para o alemão.


falar hoje exige
elidir a própria
voz as transações
inventivas entre
interno e externo
demandam
que a base venha
à tona e a
superfície seja
da profundidade da
história ímpeto
denotando o
centrífugo
o corpo público
que exibo como
palco fruto
da ansiedade
do remetente
o interno ao longo
da epiderme
como emily
dickinson terminando
uma carta de minúcias
com “forgive
me the personality“

§

sprechen verlangt heute
die eigene Stimme
zu sperren der findige
Handel zwischen
Innen und Außen
setzt voraus
dass der Grund
zutage tritt die
Oberfläche tief
wie Geschichte
ist Wucht
die Zentrifugales
zeigt öffentlicher
Körper den
ich als Bühne
ausstelle Frucht
der Furcht
des Absenders
Inneres in der Ferne
der Haut
wie Emily
Dickinson die einen
Brief voller Kleinigkeiten
beendet mit "forgive
me the personality"

§

para provar seu
entusiasmo e assegurar
a destruição de tecidos
no pedágio
da alegria
apagou o
cigarro no próprio
pulso que revidou
latejando
e mordendo a
brasa lambendo
as cinzas a
semente da
maçã inaproveitável
devolva-me
o caroço como exige
o mel do rei ao mesmo
tempo que o depõe
a prover dor ao fingimento
alheio

§

um seine Begeisterung
zu beweisen und die
Zerstörung von Stoffen
an der Zahlbox
der Freude
zu gewährleisten
drückte er die
Zigarette auf dem
eigenen Puls
aus der zurückschlug
in die Glut
biss Asche
leckte die immer
nutzlose Apfel-
saat gibt mir den
Kern zurück mein
Liebster will
den Honig des
Königs und bietet
ihn feil versieht
mit Schmerz das Heucheln
des anderen

§

difícil convencer todas
as partes do meu corpo
do sentido
de uma ação e
assim pôr em
movimento as roldanas
da corpulência em
direção ao
abstrato cruzar
o oceano tantas
vezes umedece
os propósitos faz
querer uma cama
no fundo
não não
é irônico
que bas jan ader in search
of the miraculous afunde
desapareça em meio
oceano

§

schwierig alle
Teile meines
Körpers vom Sinn
einer Handlung zu
überzeugen und
so die Flaschenzüge
der Fettleibigkeit in
Richtung Abstraktheit
in Bewegung zu
setzen so oft das Meer
zu überqueren wässert
die Absicht weckt
den Wunsch nach
einem Bett
am Grund nein
das ist keine Ironie
möge Bas Jan Ader in Search
of the Miraculous versinken
verschwinden mitten im
Meer

§

o que é uma língua
perdida se
encontra saliva
em estranhos como se
vai de são paulo a
berlim nomear esta
relevância morta
vício de memória horror
à memória horror do
esquecimento uma foto
é irrespirável a catedral
da cidade do méxico
afundando no antigo
lago bombeie bombeie
concreto até reter as
águas é preciso
cruzar o oceano
para ousar
falar de
água

§

Was ist eine verlorene
Sprache Speichel
finden in Fremden
wie man von Sao Paulo
nach Berlin
geht diese tote
Bedeutung benennen
Laster der Erinnerung Horror
für die Erinnerung Horror
des Vergessens ein Photo ist
uneinatembar die Kathedrale von
Mexiko Stadt versinkt
im Ursee Beton
Beton das Wasser
zu bremsen
man muss das Meer
überqueren bevor
man von Wasser
zu sprechen
wagt

§

em minha boca ele
alcança o meio-dia
mas a intermitência o
apreende como em
qualquer música
cúmplice do acaso a
pessoa começa a
afastar-se desde que
se aproxima a distância
existe entre pele e
pele cada imagem
dobrando a esquina
não configura
sua chegada
ele
só chega quando seu
corpo chega carregado
pelas próprias pernas
e jamais falha que
eu o reconheça
de imediato
como dono de
certos lábios voz
nome e um modo
de apresentar-se
ele
chega o mundo
assume uma nova
forma: a do
equilíbrio precário do
mundo

§


§

in meinem Mund erreicht
er den Mittag aber
die Unterbrechung um-
klammert ihn wie
eine Musik die Komplizin
des Zufall ist die
Person beginnt
sich zu entfernen sobald
sie sich nähert Entfernung
existiert zwischen Haut und
Haut jedes Bild
das um die Ecke biegt
zeigt nicht
seine Ankunft
er
erscheint nur
wenn sein Körper
erscheint getragen
von seinen Beinen
und nie bleibt
es aus, dass ich
ihn gleich erkenne
als Besitzer von
Lippen Stimme
Name an seiner Art
sich vorzustellen
er
erscheint die Welt
nimmt eine neue Form
an: die des heiklen
Gleichgewichts der
Welt


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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Tendo acabado de deixar Curitiba, dois poetas ligados à cidade





[um dia]
Paulo Leminski

um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

§

Plegária
Jussara Salazar

Verde, âmbar as
pedras,
e as violetas rosadas –
eternas e o humo que
cobria o chão negro
como a noite, e quisera
falar-lhe em seu idioma
antigo
e recordar os lobos
correndo ao redor da
casa e a hera selvagem
cobrindo os vestidos e
os animais, pequenos,
nos bordados coloridos e
ramitos a entreabrir-se
brancos e escuros, cristal
de la luna ao reflexo
como a aparição das
lebres e das ovelhas
correndo os campos sob
as nuvens e a subterra
profunda do horto na
pele do ar em minutos
precisos, envolvendo o
tempo quando vi morrer
o sol, e o vento girando,
soprando mirações da
cor da água, nas rosas e
nos insetos. Quisera falar
seu idioma antigo e
guardar-lhe nas luzitas
do espelho como os
cravos também tão
antigos sobre a toalha
branca, e uma lua de
seda derrama um rosário
de ouro mais os rumores
de um sonho, quisera.


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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Curitiba: Performance no Museu Oscar Niemeyer : Hoje à noite, 20:00



HOMENAGEM A JOHN CAGE - Zeitkunst 2012 - CURITIBA

Em Curitiba esta noite, 20/11: última performance brasileira da "Homenagem a John Cage", parte do Festival Zeitkunst 2012. A apresentação será no Museu Oscar Niemeyer, às 20:00.

Com os poetas Johannes CS Frank (Inglaterra), Max Czollek (Alemanha), Maya Kuperman (Israel) e Ricardo Domeneck (Brasil). Músicos: Luiz Gustavo Carvalho (Brasil, piano e piano preparado), Caspar Frantz (piano preparado) e Julian Arp (violoncelo). 

No programa, peças de Cage como "A valentina out of season" e "Dream", além de uma homenagem a ele, composta pelo húngaro György Kurtág (n. 1926).

20 de novembro, às 20:00
Museu Oscar Niemeyer
Rua Marechal Hermes, 999 
Curitiba




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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Oito poetas mineiros, estando em solo mineiro



                               Oito poetas mineiros, estando em solo mineiro


Soneto V
Cláudio Manuel da Costa

Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;

Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.

Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;

Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.

§

Grafito numa cadeira 
Murilo Mendes

Cadeira operada dos braços
Fundamental que nem osso

Não poltrona com pés de metal
Knoll
Ou projetada por um sub-Moholy Nagy
Com nota didascálica

Antes cadeira no duro
Cadeira de madeira
Anônima
Inânime
Unânime
Cadeira quadrúpede

Não aguardas
Nenhuma "iluminação" particular
Nem assento e clavícula de nenhuma deusa
Que te percutisse — gong —
Nem de nenhum Van Gogh
Que súbito te tornasse
Eterna

§

O enterrado vivo
Carlos Drummond de Andrade

É sempre no passado aquele orgasmo,
É sempre no presente aquele duplo,
É sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra,
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre no meu lábio a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim o inimigo
E sempre no meu sempre a mesma ausência.

§

De súbito cessou a vida
Henriqueta Lisboa


De súbito cessou a vida.
Foram simples palavras breves.
Tudo continuou como estava.

O mesmo teto, o mesmo vento,
o mesmo espaço, os mesmos gestos,
Porém como que eternizados.

Unção, calor, surpresa, risos
tudo eram chapas fotográficas
há muito tempo reveladas.

Todas as cousas tinham sido
e se mantinham sem reserva
numa sucessão automática.

Passos caminhavam no assoalho,
talheres batiam nos dentes,
janelas se abriam, fechavam.

Vinham noites e vinham luas,
madrugadas com sino e chuva.
Sapatos iam na enxurrada.

Meninas chegavam gritando.
Nasciam flores de esmeralda
no asfalto! mas sem esperança.

Jornais prometiam com zelo
em grandes tópicos vermelhos
o fim de uma guerra. Guerra?...

Os que não sabiam falavam.
Quem não sentia tinha o pranto.
(O pranto era ainda o recurso
de velhas cousas coniventes.)

Nem o menor sinal de vida.
Tão-só no fundo espelho a face
lívida, a face lívida.


§

patrulha ideológica
Affonso Ávila


te alerta poeta que a p/i te espreita
         desestruturou o discurso e embaralhou as letras
te aleart paeto que o pc te recrimina
         barroquizou a linguagem e descurou da doutrina
te alaert peota que o sni te investiga
                   parodiou o sistema e ironizou a política
te alaret poate que o women´slib te corta o genitálio
         glosou o objetou sexual e teve orgasmo solitário
te alerat peato que a puc te escanteia
         foi tema de mestrado e não quis compor  mesa
te areta petoa que a cb não te reedita
         gastou muito papel e ouço sangue na tinta
te alrate petao que a abl te indexa
                   fez enxertos de inglês e sujou a água léxica
te arealt patoe que a cnbb te exorciza
         macarronizou o latim e não aprendeu a nova missa
te alatre potae que o esquadrão te desova
                   traficou palavrinha e não destruiu a prova
te atrela ptoea que o doicodi te herzoga
         suspeito sem suspeição e enforcado sem corda

i must be gone and live                          or stay and die


§

Paupéria revisitada
Ricardo Aleixo

Putas, como os deuses,
vendem quando dão.
Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).
Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.
Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
na companhia das traças
de tal “nobre condição”).
Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.
Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanks
seu refrão.

§

Aula
Edimilson de Almeida Pereira

Fala de vendedor ambulante
é signo em rotação. A gente
lança no ar o que tem de ser
dito e colhe — nem sempre —
o fruto de algo vendido.
Repetimos as falas aceitas
para garantir a venda, mas
o risco do improviso é o que
há. Três por dois, duas por
uma — essa sintaxe apraz.
A gente lança no ar. Se der
ritmo ganhamos a feira, se
não, fazemos fina de baile.

§


Aparador
Ana Martins Marques

Sonho que estou de volta
ao primeiro apartamento
quando éramos jovens e tínhamos
muito menos coisas
e nem sabíamos que já éramos
felizes como pensávamos que seríamos
estás na minha memória
jovem e alegre como numa fotografia
talvez ainda mais jovem e mais alegre
mais jovem do que jamais foste
e mais alegre
usas uma presilha
no cabelo castanho e comprido
invejo a presilha
que está tão mais próxima do que eu
do teu pensamento
e dos teus cabelos
da tua cabeça de cabelo e pensamento
e invejo a fotografia
que se parece tanto contigo
talvez mais ainda do que tu mesma
ouço as juntas que estalam
como portas batendo
sou hoje uma chaleira, uma pá, uns óculos
esquecidos sobre o aparador
sou o aparador
esquecido de mim mesmo
sobre o aparador está tua fotografia
que nos sobreviverá


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domingo, 18 de novembro de 2012

Em Belo Horizonte : Hoje: Última performance no Oi Futuro (Teatro Klauss Vianna), às 19:00 - Homenagem a John Cage



HOMENAGEM A JOHN CAGE - Zeitkunst 2012 - Belo Horizonte 

Em Belo Hoizonte esta noite, 18/11: segunda e última performance da "Homenagem a John Cage", parte do Festival Zeitkunst 2012. A apresentação será no Oi Futuro (Teatro Klauss Vianna), às 19:00.

Com os poetas Johannes CS Frank (Inglaterra), Max Czollek (Alemanha), Maya Kuperman (Israel) e Ricardo Domeneck (Brasil). Músicos: Luiz Gustavo Carvalho (Brasil, piano e piano preparado), Caspar Frantz (piano preparado) e Julian Arp (violoncelo). 

No programa, peças de Cage como "Music for Marcel Duchamp" e "Dream" (ouça abaixo), além de uma homenagem a ele, composta pelo húngaro György Kurtág (n. 1926).

18 de novembro, às 19:00
Oi Futuro (Teatro Klauss Vianna)
Avenida Afonso Pena, 4001 
Belo Horizonte

 

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

"Homenagem a John Cage" - Rio de Janeiro - Performance - Festival Zeitkunst 2012



HOMENAGEM A JOHN CAGE - Zeitkunst 2012 - Rio de Janeiro 

Nesta sexta-feira, 16/11, no Rio de Janeiro, começa a turnê brasileira do Festival Zeitkunst 2012. A performance será no auditório da Rádio MEC às 17:00, com entrada gratuita. O festival homenageia John Cage este ano, centenário de seu nascimento.

Com os poetas Johannes CS Frank (Inglaterra), Max Czollek (Alemanha), Maya Kuperman (Israel) e Ricardo Domeneck (Brasil). Músicos: Luiz Gustavo Carvalho (Brasil, piano e piano preparado), Caspar Frantz (piano preparado) e Julian Arp (violoncelo). 

No programa, peças de Cage como "Music for Marcel Duchamp" e "In a landscape", além de uma homenagem a ele, composta pelo húngaro György Kurtág (n. 1926).

16 de novembro, às 17:00 (entrada gratuita)
Rádio MEC - Auditório 
Praça da República, 141 A. 
Centro - Rio de Janeiro.

 

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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Rio de Janeiro (John Cage, Wittgenstein, Max Czollek e por aí)

Cheguei ao Rio de Janeiro no sábado à noite, acompanhado do poeta alemão Max Czollek. Passei o fim de semana na companhia de amigos como Dimitri Rebello (Dimitri BR) e pude rever alguns outros companheiros queridos. Caminhei muito pela cidade e tive conversas extensas com Czollek.

ele tem um céu estrelado

gosta de canções
que soam feitas
por si sós

sob o chuveiro
curte masturbar-se
não é complicado

tem bons amigos
só quando é preciso
pensa em auschwitz

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

er hat einen sternenhimmel
Max Czollek

er mag lieder
die sich anhören
wie selbstgemacht

unter der dusche
masturbiert er gerne
das ist unkompliziert

er hat gute freunde
wenn es sein muss
denkt er an auschwitz

  

Max Czollek nasceu em Berlim, Alemanha, em 1987. Entre 1993 e 2006 estudou na Escola Judaica, antes de ingressar na Universidade Livre de Berlim (Freie Universität Berlin) para estudos em Ciência Política. É cofundador do grupo Lyrikzirkels G13, publicou poemas nas revistas Randnummer, Belletristik e poet, e participou de festivais como o Festival de Poesia de Berlim (Poesiefestival Berlin) e Zeitkunst. Seu livro de estreia, Druckkammern (Berlin: Verlagshaus J. Frank, 2012) foi lançado este ano na Alemanha.

§

Nossas conversas nos levaram a poetas distintos. Eu com Edmond Jabès, George Oppen, pensadores como Simone Weil, Mircea Eliade e Ludwig Wittgenstein. Max com Bertolt Brecht, Kurt Tucholsky, pensadores como Martin Buber e Emmanuel Levinas. Referências distintas, o que é sempre estimulante para a conversa. Hoje, terça-feira, chegam à cidade ainda os poetas Johannes CS Frank (Inglaterra) e Maya Kuperman (Israel). Na sexta-feira, nos apresentamos gratuitamente com o Zeitkunst Ensemble no Auditótio da Rádio MEC, às 17:00, com nossa "Homenagem a John Cage".



§

Conversando com Max sobre Wittgenstein, lembrei-me deste filme de Péter Forgács e o compartilho aqui:


"Wittgenstein Tractatus - Interlude series" (1992), Péter Forgács

Péter Forgács é um cineasta e artista visual húngaro, nascido em 1950. Seu trabalho é quase todo baseado em filmes feitos por famílias nos anos 30 e 40, construindo a partir deles suas narrativas históricas. O filme Wittgenstein Tractatus - Interlude series, de 1992, parte de material parecido, feito por famílias judias húngaras antes da Segunda Guerra, com uma narração que revisita algumas das proposições doTractatus Logico-Philosophicus (1922), de Ludwig Wittgenstein. O filme, narrado em inglês, pode ser visto na íntegra no arquivo acima. Péter Forgács vive e trabalha em Budapeste.

:


Ludwig Wittgenstein, um dos mais influentes filósofos da linguagem e pensador incontornável para a compreensão de parte da poesia contemporânea. Recomendamos aos brasileiros, além da leitura das Investigações Filosóficas (1953) e do próprio Tratado Lógico-Filosófico, do austríaco, também A Escada de Wittgenstein, de Marjorie Perloff, publicado nos Estados Unidos em 1996 com o título Wittgenstein´s Ladder.  No Brasil: A ESCADA DE WITTGENSTEIN :A Linguagem Poética e o Estranhamento do Cotidiano, tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Elisabeth Rocha Leite, lançado pela EDUSP.

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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Três companheiros, cinco anos.

Angélica Freitas, Rilke shake (2007)

§

Marília Garcia, 20 poemas para o seu walkman (2007)

§

Ricardo Domeneck, a cadela sem Logos (2007)

§

Angélica Freitas, Um útero é do tamanho de um punho (2012)

§

Marília Garcia, engano geográfico (2012)

§

Ricardo Domeneck, Ciclo do amante substituível (2012)

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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Paris com poetas

Com o poeta (e meu editor na Alemanha) Johannes CS Frank e o músico Caspar Frantz, 
em Paris. Foto da poeta israelense Maya Kuperman.


Cheguei a Paris na quarta-feira à tarde, com pouco tempo livre antes da maratona do dia seguinte: ensaios e performance com o Zeitkunst Ensemble e os poetas Johannes CS Frank, Maya Kuperman e Max Czollek no Instituto Goethe da cidade, com nosso "Tributo a John Cage". 

Usei o tempo para visitar algumas livrarias, trazendo para casa uma antologia de poesia francesa do século XX, que abre com Apollinaire e fecha com poetas nascidos na década de 40, passando por autores como Robert Desnos, Philippe Soupault, Francis Ponge, Raymond Queneau, o mestre Edmond Jabès, o interessantíssimo Jean-Paul de Dadelsen, e chegando a poetas contemporâneos como Jacques Roubaud, Emmanuel Hocquard, Jean Daive, Anne-Marie Albiach (que faleceu esta semana) e Claude Royet-Journoud. O poeta que encerra a antologia chama-se Philippe Denis, nascido em 1947. Não conhecia seu trabalho.

§



Queria também fazer uma descoberta, ler algo recente da poesia francesa que fugisse a minhas referências já conhecidas. Após folhear livros recentes de Pierre Alferi e Nathalie Quintane, optei por um volume de Dominique Meens, poeta que desconhecia, intitulado Vers (Paris: P.O.L., 2012).




§

A performance no Instituto Goethe de Paris foi boa. Acabo de voltar a Berlim, exausto, e embarco já amanhã de manhã para o Rio de Janeiro, com o poeta Max Czollek (Berlim, 1987). Os outros poetas e músicos chegam na terça-feira, e começamos a turnê brasileira com a performance: Rio de Janeiro no dia 16/09, no Consulado da Alemanha; dias 17 e 18 em Belo Horizonte, no Oi Futuro; e dia 20 em Vurtiba, no Museu Oscar Niemeyer.

Nos falamos no Brasil.


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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Meu poema-objeto favorito


"Ninguém" (1992) - bordado sobre fronha, 24,0 x 47,5 cm 

 Leonilson (1957 - 1993)

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sábado, 3 de novembro de 2012

Sem mais para o momento, já que Szymborska diz bem o que se teria a dizer

Agradecimento
Wislawa Szymborska

Devo muito
aos que não amo.

O alívio de aceitar
que sejam mais próximos de outrem.

A alegria de não ser eu
o lobo de suas ovelhas.

A paz que tenho com eles
e a liberdade com eles,
isso o amor não pode dar
nem consegue tirar.

Não espero por eles
andando da janela à porta.
Paciente
quase como um relógio de sol,
entendo o que o amor não entende,
perdôo,
o que o amor nunca perdoaria.

Do encontro à carta
não se passa uma eternidade,
mas apenas alguns dias ou semanas.

As viagens com eles são sempre um sucesso,
os concertos assistidos,
as catedrais visitadas,
as paisagens claras.

E quando nos separam
sete colinas e rios
são colinas e rios
bem conhecidos dos mapas.

É mérito deles
eu viver em três dimensões,
num espaço sem lírica e sem retórica,
com um horizonte real porque móvel.

Eles próprios não vêem
quanto carregam nas mãos vazias.

"Não lhes devo nada" -
diria o amor
sobre essa questão aberta.


(tradução de Regina Przybycien)







sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Três poemas de Carlos Drummond de Andrade (incluindo uma leitura minha em vídeo)



Esta semana, Carlos Drummond de Andrade teria completado 110 anos, no dia 31 de outubro. Faço minha homenagem aqui, com três poemas do mineiro com os quais ainda aprendo muito, todas as vezes que os leio. Termino com minha letura em vídeo do poema "Não se mate", feita para o projeto "Empreste sua voz a um poeta morto".


Amar-amaro
Carlos Drummond de Andrade

porque amou por que amou
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula evidente?

ah PORQUE AMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos ecos
lúgubres de você mesm(o,a)
irm(ã,o) retrato espetáculo por que amou?

se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indignação do achado e aguda espotejação
da carne do conhecimento, ora veja

permita cavalheir(o,a)
amig(o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de núncaras.

§


Amar
Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuido pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

§


O Amor bate na porta
Carlos Drummond de Andrade

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não posso compreender...

§



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