sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

"Sonhos de parúsia"



acordei neste sofá
faz já muitos dias
pareço o truman capote
naquela pose indigna
na contracapa
do seu début
alguém favor me dê
quiçá um capote
e me tire deste sofá
crio raízes profundas
uma relação estável
não consigo deixar o sofá
há dias encontro-me
em decúbito dorsal
quem dera estivesse
num vestido de orgândi azul
as palavras já me fogem
só sei dizer
estofo almofada
almofada estofo
me alimento de pipoca
escavando arqueologicamente
os vales acolchoados
faço achados históricos
tenho sede muita sede
minhas mãos estão livres
meus pés estão soltos
me pergunto os motivos
as razões para sair
ou ficar no sofá
minha mãe ameaça
chamar os bombeiros
quem sabe a imprensa
há-de me nomear
a ninfa lânguida num poema
de álvares de azevedo
mas aqui nesse tecido verde
penso no musgo das fontes
espero a radiação chegar
vou-me acostumando
aos poucos
à companhia das baratas



Bebedouro, 9 de janeiro de 2014.

Um comentário:

Luciana disse...

RD, O eu-lírico do poema me recorda um Gregor Samsa pós-moderno. Bravo.
Luciana Martins

Arquivo do blog