Mostrando postagens com marcador jovens poetas europeus. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador jovens poetas europeus. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Jovens poetas europeus: Oskar May


Oskar May é um poeta sonoro austríaco, nascido em Viena em 1991. Colaborou em suas paisagens e poemas sonoros com Gianna Virginia e, no momento, colabora com Anna de Marco em um projeto ainda sem nome, em preparo. Oskar May vive e trabalha em  sua cidade natal.

Ao contrário da Alemanha, onde a poesia contemporânea é bastante fincada no suporte do livro como forma privilegiada de publicação (e, consequentemente, produção), há na Áustria uma forte tradição de poesia experimental / sonora no pós-guerra, que vem desde o Grupo de Viena.

Nesta série, já comentei e apresentei aqui o trabalho de outro austríaco, Max Oravin (n. 1984).

Tenho bastante apreço por seu trabalho sonoro e de colagem de vozes em "Diskursmaschinengewehr", além do trabalho propriamente lírico de um poema como "The Lane" e do escancaradamente nonsense em "mhm".

No Brasil e neste caminho, podemos pensar no trabalho de Victor Heringer, Reuben da Cunha Rocha e Orlando Scarpa Neto, entre outros. Acredito que haja aqui estratégias interessantes para outros poetas brasileiros contemporâneos.


POEMAS DE OSKAR MAY


Oskar May - "The Lane"

§
  Oskar May - "Diskursmaschinengewehr"

§
 
Oskar May - "mhm"

.
.
.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Jovens poetas europeus: Jonas Lieder


Jonas Lieder é um escritor, poeta e músico alemão, nascido em Frankfurt am Main em 1983. Formado em matemática, o autor é também diretor de arte da agência de publicidade Ballhaus West em Berlim. Seu trabalho textual inclui o visual e a experimentação marcada pela paronomásia, que nos remetem ao trabalho dos poetas concretos da década de 50, vários deles tendo mais tarde trabalhado no campo da comunicação social, e ainda uma ligação à tradição trovadoresca da poesia europeia, como nestes poemas líricos abaixo. Neles, vemos como as técnicas do trobar leu de um Martim Codax ou Dom Dinis sobrevivem no mundo de hoje, fazendo da poesia a forma de arte ainda mais popular nesse nosso mundo.


POEMAS DE JONAS LIEDER
   

feathered
Jonas Lieder

oh, this time let me tell you what i think
there’s a line on the brink.
beyond the brink there is a garden with a tree
and in this tree there is a me.

and i fly, it’s absolutely sure i wing it this time
and i fly, it’s absolutely sure i wing it this time

oh this pine majestically a full-grown tree
it asks for me
beyond the tree beyond the garden and the me
this is where i want to be

and i fly, it’s absolutely sure i wing it this time
and i fly, it’s absolutely sure i wing it this time

:

emplumado

ah, dessa vez deixa-me dizer o que imagino
há uma linha no precipício
além do precipício há uma árvore no jardim
e nessa árvore há-me a mim

e voo, é absolutamente certo que ouso asas no interim
e voo, é absolutamente certo que ouso asas no interim

ah majestosamente adulto em copa um buriti
pede por mim
além da árvore além do jardim e de mim
eu quero é estar aí

e voo, é absolutamente certo que alço asas no interim
e voo, é absolutamente certo que alço asas no interim

(tradução de Ricardo Domeneck)


§




bubbles
Jonas Lieder

on the very ground
of the pool in the yard
with the boys and the drinks
there is you
not breathing at all.
are you not breathing at all?

on the very ground
of the pool in the yard
with the girls and the drugs 
there is you
not breathing at all. 
are you not breathing at all?

and the bubbles bubble up now, bubble up now, bubble up.

on the very ground
of the pool in the yard
with the do’s and the don’t’s
there is you
not breathing at all. 
are you not breathing at all?

and the bubbles bubble up now, bubble up now, bubble up.
and the bubbles bubble up now, bubble up now, bubble up.
and you see them climb higher, higher, right up to the surface
where they turn into thin air.

on the very ground
of the pool in the yard
with the boys and the girls
and the drinks and the drugs
and the do’s and the don’t’s
there is you
not breathing at all.
not breathing at all.
not breathing at all.

:

bolhas

bem ali no chão
da piscina no quintal
com os meninos e as bebidas
há você
todo sem respirar.
você está mesmo todo sem respirar?

bem ali no chão
da piscina no quintal
com as meninas e as drogas
há você
todo sem respirar
você está mesmo todo sem respirar?

e as bolhas borbulham agora, borbulham agora, borbulham

bem ali no chão
da piscina no quintal
com os sins e os nãos
há você
todo sem respirar.
você está mesmo todo sem respirar?

e as bolhas borbulham agora, borbulham agora, borbulham
e as bolhas borbulham agora, borbulham agora, borbulham
e você as vê subirem, subirem, lá no alto da superfície
onde elas se tornam só ar solto

bem ali no chão
da piscina no quintal
com os meninos e as meninas
e as drogas e as bebidas
e os sins e os nãos
há você
todo sem respirar
todo sem respirar
todo sem respirar

(tradução de Ricardo Domeneck)

.
.
.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Jovens poetas europeus: Pontus Ahlkvist




Pontus Ahlkvist é um poeta e jornalista sueco, nascido em Jönköping em 1987. Formado em História das Ideias e Jornalismo pela Universidade de Estocolmo e Língua e Literatura Alemãs pela Universidade de Gothenburg. Escreve sobre política para o diário sueco Aftonbladet. Pontus Ahlkvist vive e trabalha em Estocolmo.


POEMAS DE PONTUS AHLKVIST

cordas sonoras de ventos amainando
gritos da cidade
meus heróis loucos para dançar têm lugar
e se deslocam o tempo todo
com costas retas
silenciosos campos do céu
quartos de hotel desde uma memória de infância fugaz
levemente ofegantes
a luz destino, as lanternas ou dia-fanias inventadas
um quê sem importância
respirações
se não me atrevo a dizer
se não digo nada
é uma mentira;
e um Drury´s
sonhos morrem onde pairamos, livremente
sem a providência de ninguém
indescritíveis
como lembrança
somos só nós
salmos na cabeça, paralelepípedos
abandonados nesse marasmo
para além
de uma ansiedade que teu sorriso joga longe
dados
que tu não me tocas
não, não de novo


(tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback)

:

mojnande ljudsträngar,
stadstjut
mina danssjuka hjältar äger rum
och förflyter, alltid
med raka ryggar
de tysta himmelsåkrarna
hotellrummen från ett flyende barndomsminne
små flämtande
ödeljus, lanternor eller påhittedagrar,
oviktigt vad
andningarna
vågar jag inte tala om
säger jag något alls
är det en lögn,
och ett gesöff
drömmar dör där vi hänger, fritt
under ingens försyn
obeskrivliga
som hågkomsten
är bara vi
psalmerna i huvudet, de övergivna
stentorgen i detta kavlugna
bortom
en ängslan du ler iväg,
givet,
att du inte rör mig
nej inte igen

§


a)

um quarto decadente numa pousada em Madrid
entre as quatro paredes meu novo eu recebe
forma
a regeneração,
a fuga
Deus, eu anseio
pelo esquecimento da noite
lá na rua
arrebanham-se os curiosos
porcos da sujeira
animais da cidade
querem que conte do vazio
dificilmente,
para vocês
eu só posso sentir o amor


b)

uma estação de ferro abandonada no interior
lugares
horas
memórias se dissipando
mais rápido que luxúria;
veículos com rodas de ferro latejando
por trás do muro do pátio ferroviário
cantando a meia voz, o campo selvagem;
sentimos medo
a paz e a moderação
sentimos medo
o nojo
a falta de vida
e do sentido sentimos medo
acima de tudo


c)

um aeroporto no exterior
perspectivas das vésperas do viver
pessoas cujos olhos
são apenas vazios
aberturas
adeus vá com deus, adeus vá com deus
será que já contei sobre o vazio
neve caindo do lado de fora
silencioso,
como o tempo
escuta os sons da dúvida se soltando
dentro de mim,
desvigor
e a morte do coração terno  

(tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Publicada originalmente no 4° número impresso da Modo de Usar & Co.)

:


a.

ett sjabbigt rum på ett vandrarhem i madrid
mellan de fyra väggarna tar mitt nya jag
form
föryngringen,
flykten
gud, jag längtar
efter nattens glömska
nere på gatan
flockas de nyfikna
lortgrisarna
stadsdjur
vill ni att jag ska berätta om tomheten
knappast,
för er
kan jag bara känna kärlek


b.

en folktom järnvägsstation i småland
platserna
timmarna
minnena skingras
fortare än lustan,
farkosternas järnhjul dunkar
i kvällen
bakom bangårdens plank
nynnar nejdens vilda
vi räds
freden och jämnmodet,
vi räds
äckligheten
och livlösheten
och meningen räds vi,
mest av allt

c.

en flygplats i utlandet
levnadsaftonens utsikter
människor, vars ögon
bara är tomma
gluggar
ajöken adjö, ajöken adjö
har jag berättat om tomheten
snöfallet utanför
är tyst,
som tiden
hör du tvivelsljuden lossna
i mig,
vissnaden
och ömhjärtats död


.
.
.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Jovens poetas europeus: Ondřej Buddeus


Ondřej Buddeus é um poeta, ensaísta e tradutor tcheco, nascido em Praga em 1984. Ele traduz do alemão e norueguês (J. Winkler, J.E. Vold, A. Mortensen, entre outros) e é editor da revista de literatura tcheca contemporânea Psí vino.


 
Ondřej Buddeus - "a me". Criado em conjunção com a exibição "adaptation" (Graz: Steirischer Herbst, 2012), 
da qual o poeta participou. O texto-instalação fará parte de um livro intitulado "a me"
a ser lançado em fevereiro de 2014.


Seus textos foram traduzidos para o alemão, italiano, polonês, galês, húngaro e inglês. Estreou em livro com 55.007 caracteres com espaços (2011) e Swiflty (2013), pelo qual recebeu o Prêmio Jiří Orten




Sua publicação mais recente é um livro infantil em colaboração com o artista David Böhm. As traduções-parâfrases abaixo foram feitas a partir das traduções para o inglês. Ondřej Buddeus vive e trabalha em Praga.



POEMAS DE ONDŘEJ BUDDEUS



O poema flexível

Este poema é flexível
dinâmico
compatível com absolutamente
qualquer coisa
por exemplo Karel que Milena abandonara
ele estava muito bem
até que caiu a ficha
ele leu este poema flexível
que se adaptou a ele
abriu seus olhos
e o centrou
neste mundo louco
dessarte ele está bem de novo
ou veja a pequena Tereza
ele tinha pavor
que eles finalmente viessem
e eles vieram
ela leu para eles este poema
e eles sumiram de imediato
ou como ontem
ainda estava lá
e hoje não mais
o motivo, a consequência
o resultado sumiram
tome três vezes ao dia após refeições
faça suas orações urine e vá pra cama
amanhã
estará lá novamente
Um último exemplo:
você acordou
devorou o café-da-manhã e saiu
por cinco horas
eu me sentei pensando
e então escrevi
não!
por quatro horas
eu me sentei pensando
e então escrevi
sim!
você voltou
e de repente aí está.
este é um poema flexível
ninguém precisa ter vergonha dele
ou por ele
ele está aqui para todos
até mesmo para você
sinta-se à vontade para confissões

(paráfrase de Ricardo Domeneck, a partir da tradução inglesa)

§

Estado de equilíbrio (Fazer o bem I)

ele veio para fazer
o bem, disse ele.
puxou uma cadeira.

ele sentou-se
ele disse nada
ele fez o bem.

:


Estado de equilíbrio (Fazer o bem II)



ele veio para fazer
o bem, disse ele.
puxou uma cadeira
e começou.

com o tempo
pedimos a ele
fosse fazer o bem
em outro lugar


§

Como sair em busca de Bárbara

Dedique uma tarde à busca de Bárbara.
Passeie pela rua central da vila, pela praça da matriz
ou pelo comércio
e pergunte às mulheres que atraírem seu olhar: "Com licença,
você por acaso seria Bárbara?" Se for negativa a resposta,
desculpe-se. Se for afirmativa a resposta, prossiga:
"Poderia fazer mais uma pergunta - você me reconhece?"
Se for negativa a resposta,
prossiga em sua busca por Bárbara.


§

gatilho

eu puxo o gatilho
viro-me e contemplo
a tela
eu puxo o gatilho viro-me
e contemplo a tela
eu puxo o gatilho viro-me e contemplo
a tela sou eu

você puxa o gatilho
vira-se e contempla
a tela
você puxa o gatilho vira-se
e contempla a tela
você puxa o gatilho vira-se e contempla
a tela é você

eu subo minha camisa tensiono
meu abdômen e puxo
o gatilho viro-me e contemplo
a tela este sou eu
digo e mostro para você

você sobe sua camisa
pesca um seio do sutiã e puxa
o gatilho vira-se e contempla
a tela esta sou eu
você diz e me mostra

há-de haver amor




Ondřej Buddeus (Praga, República Tcheca, 1984)


.
.
.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Jovens poetas europeus: Gabrielė Labanauskaitė


Gabrielė Labanauskaitė é uma poeta textual e vocal, prosadora, dramaturga e crítica lituana, nascida em  1980. Estudou História e Teoria Literária na Universidade de Vilnius e mais tarde seguiu seus estudos nas Universidades de Jyvaskyla (Finlândia) e Parma (Itália). Hoje, leciona Teoria Dramatúrgica na Academia de Música e Teatro de Vilnius. Estreou como dramaturga em 2003, com a peça "Aquilo que mais machuca". Em sua poesia, Gabrielė Labanauskaitė tem privilegiado a oralidade, lançando seus poemas em álbuns como Apelsinai aikštėj apgriuvusioj (Laranjas em uma praça destituta, 2004).


Em 2009, fundou o coletivo de poesia sonora AVASPO, com o qual lançou vários álbuns. Alguns exemplos de suas performances coletivas podem ser encontrados em vídeos, abaixo.


A tradução foi feita a partir da inglesa, tentando respeitar certa estrutura sonora no original. Labanauskaitė vive e trabalha em Vilnius.

§

POEMA DE GABRIELÈ LABANAUSKAITÈ

[Como o calendário maia, os anos passados]

Como o calendário maia, os anos passados somam zero
Significando nada mais que uma concha vazia.
E nossa existência
É igualmente insignificativa
Ou talvez a mesma conquista -
Depende de sua vista.

Mas mesmo assim não faz diferença.

:

[Kaip majų kalendoriuje prabėgę metai susiveda į nulį]

Kaip majų kalendoriuje prabėgę metai susiveda į nulį
Reiškiantį nieko daugiau, tik tuščią kevalą
Taip ir mūsų buvimas
Yra toks pat beprasmiškas
Arba toks pats išsipildymas –
Čia jau kaip pažiūrėsi.

Bet juk net ir nuo to niekas nesikeičia.


§


§


Gabrielė Labanauskaitė, Žygimantas Kudirka & Darius Jurevičius - "nunu"


§



Nota: esta postagem é dedicada ao amigo lituano Dovydas Sidabras.


.
.
.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Jovens poetas europeus: Max Oravin



Max Oravin é um poeta austríaco, nascido na cidade de Leoben em 1984. Cresceu em Graz, e viveu por algum tempo em Reykjavik e Berlim. Vive e trabalha hoje em Jyväskylä, na Finlândia, onde tem se dedicado a pesquisar a traduzir a poesia do país para o alemão, preparando recentemente, para a revista que coedita com Max Czollek, Babelsprech, um dossiê sobre a poesia contemporânea finlandesa. Estou preparando no momento um dossiê sobre a poesia brasileira contemporânea para a mesma série da revista.



Gravação ao vivo da apresentação de Max Oravin em Jyväskylä, Finlândia, 
a 23 de novembro de 2013.



Traduções de seus poemas para o finlandês foram publicadas na revista Tuli&Savu.  Tem se concentrado sobre seu trabalho com poesia sonora e vocal, com a qual se apresenta como Oravin.




Apresentou-se em Berlim, Munique, Helsinque, Lana (Tirol) e Jyväskylä. Seu vídeo para "mein kind", mostrado e traduzido abaixo, foi exibido no festival de vídeo "extra.experimental trails" em Leipzig,  em novembro. 


POEMAS VOCAIS, TEXTOS E VÍDEOS DE MAX ORAVIN







a grande chancelaria do sol

sobre o fogo há uma rocha e sobre ela uma rocha e sobre ela uma rocha
e sobre ela a terra negra
e sobre a terra estão os pés
e sobre os pés flutua um crânio
e sobre o crânio está uma faca e costura
um pensamento

e sobre o crânio está um osso e sobre o osso os cabelos
e sobre os cabelos está o céu o inquieto amplo céu
e entre o céu estão pássaros com ossos e penas
e no crânio os pensamentos

e sobre o céu está o mundo e curva-se perante o rei

sobre o rei está um chanceler e sobre ele um chanceler maior
e sobre ele a chancelaria
a grande chancelaria do sol
e sobre o sol está a noite longa
com longos dedos frios

e sobre a noite está o dia o infindável dia
e no dia está uma faca e costura o céu
para que caia daí a luz
no dia está a faca e costura
a luz

EU ABRO MINHA BOCA
E VOCÊ INSERE UM VOCÁBULO
UM PEDREGULHO NA LÍNGUA

EU ABRO MEU OUVIDO
E VOCÊ INSERE UM VOCÁBULO
UM OSSO MASTIGADO

EU ABRO MINHA MÃO
E VOCÊ COSPE SEU VOCÁBULO
SEU VOCÁBULO SALIVADO

EU ABRO MINHA MÃO
E VOCÊ ME DÁ UMA PEDRA
E A PEDRA CRESCE EM ROCHA

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

die große kanzlei der sonne
Max Oravin

über dem feuer ist ein fels und darüber ein fels und darüber ein fels
und darüber die schwarze erde
und über der erde sind füße
und über den füßn schwebt ein hirn
und im hirn ist ein messer und stichlt
einen gedankn

und über dem hirn ist ein knochn und über dem knochn das haar
und über dem haar ist der himml der rastlose weite himml
und zwischen dem himml sind vögl mit knochn und federn
und gedankn im hirn

und über dem himml ist die welt und verbeugt sich vor dem könig

über dem könig ist ein kanzler und darüber ein größerer kanzler
und darüber die kanzlei
die große kanzlei der sonne
und über der sonne ist die lange nacht
mit langen kaltn fingern

und über der nacht ist der tag der endlose tag
und im tag ist ein messer und stichlt in den himml
damit das licht herabfällt
im tag ist ein messer und stichlt
das licht

ICH ÖFFNE MEINEN MUND
UND DU LEGST EIN WORT HINEIN
EINEN KIESL AUF DIE ZUNGE

ICH ÖFFNE MEIN OHR
UND DU LEGST EIN WORT HINEIN
EINEN ABGENAGTN KNOCHN

ICH ÖFFNE MEINE HAND
UND DU SPUCKST HINEIN
DEIN WEICHGEKAUTES WORT

ICH ÖFFNE MEINE HAND
DU GIBST MIR EINEN STEIN
UND DER STEIN WÄCHST ZUM FELS



§








profeta

eis uma pessoa a falar na língua dos anjos
e a mastigar o ar em sua boca
eis uma pessoa a deitar-se ao vento
com os braços esticados
eis uma pessoa a respirar vocábulo por vocábulo
as mãos livres de machada ou teclado
enrodilhado pela madeira
eis uma boca que gagueja
para contar não há nada

ele sabe como o zumbido eletrônico
racha o crânio ao meio
e agua a palavra para dentro
ele conhece a erva o cogumelo o álcool
a conexão inorgânica
ele sente o relâmpago nos nervos
ele sente a criança não gerada
as mãos tremem inúteis
ele sente a criança não gerada

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

prophet
Max Oravin

hier ist ein mensch der in englszungen spricht
und der die luft zerkaut in seinem mund
hier ist ein mensch der sich legt in den wind
mit ausgestrecktn armen
hier ist ein mensch der atmet wort für wort
die hände frei von faustkeil oder tastatur
gewundn ums gehölz
hier ist ein mund der stammlt
es gibt nichts zu erzähln

er weiß wie elektronisches gesirr

die schädldecke spaltet
und gießt das wort hinein
er kennt das kraut den pilz den trunk
die anorganische verbindung
er spürt die blitze in den nervn
er spürt das ungezeugte kind
die hände zittern nutzlos
er spürt das ungezeugte kind

§









o toque da língua: pedaço de carne 

quando ainda morávamos na pedra
na pedra como fazem os corais
esparramando-se no mar azul aéreo
com as próprias mãos formando o cérebro 
até que a lama do cérebro derramou-se
confluíram em canto
os neurônios sob a pele

quando ainda olhávamos a boca
e obedecíamos seu som
chilreos e vibrações
de cordas vocais dedilhadas
o toque da língua: pedaço de carne

e quando nossos uivos
sobrepujaram o barulho de tudo

quando feríamo-nos com as mãos
até que os ossos estouravam
e nada havia em nossos corpos
além de macerada e tenra carne

tenra tenra
tenra e macerada carne

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

der zungenschlag : ein fetzn fleisch
Max Oravin

als wir noch wohntn im gestein
und am gestein korallnhaft
im blaun luftmeer wuchernd
das hirn mit bloßn händn formtn
bis sich der hirnschleim löste
und nervenzelln unter der haut
verwuchsn zum gesang

als wir noch schautn auf den mund
und seinem klang gehorchtn
dem schnalzn und den vibrationen
gezupfter bänder
der zungenschlag : ein fetzn fleisch

und als wir mit gebrüll
das dröhnen aller dinge übetöntn

als wir uns schlugn mit der hand
bis alle knochn barstn
und nichts mehr blieb in unsrem leib
als weichgeklopftes fleisch

das weiche weiche
weichgeklopfte fleisch


§





Marte!

a terra é lisa e plana
pista de dança ampla
de minerais mortos
teu corpo ergue-se alto
pega os disparos dos relâmpagos

passeia com a mão pelos olhos
e encara o sol
deixa o pó de luz entrar cabeça adentro
e deixa-o dançar no cérebro

a terra é lisa e plana
e dançamos sobre minerais mortos
nossos corpos erguem-se altos
e pegam os disparos dos relâmpagos

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Mars!
Max Oravin

das land ist glatt und flach
ein weites tanzparkett
aus unbelebtm mineral
dein körper ragt empor
und fängt den stromschlag der blitze

wedl mit der hand vor den augn

und blinzl in die sonne
lass den lichtstaub in dein hirn hinein
und lass ihn tanzn im hirn

das land ist glatt und flach

und wir tanzn am unbelebtn mineral
unsre körper ragn empor
und fangen den stromschlag der blitze


§






meu filho

meu filho

lá fora é terra calcinada
uma terra lisa e estéril
nós a queimamos por ti
para teus pes descalços

quando tu ergues os braços 
filho partirás o vidro
enfia os cacos na boca
e tritura com os dentes
sangue na língua e gengiva

meu filho

estica os dentes retos e sorri
só uma mandíbula reta pode mastigar

QUANDO PEIDAS ARROTAS
MORRE NO CÉU UM ANJO 

tu tens que organizar as palavras na cabeça
elas não podem te elidir
tu tens que grampear sílabas à boca
costurar a língua ao palato

meu filho
meu filho

INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA


(tradução de Ricardo Domeneck)


:

mein kind
Max Oravin

     mein kind

draußn ist verbranntes land

ein kahles glattes land
das habn wir für dich verbrannt
für deine bloßn füße

wenn du die arme hochreißt kind

wirst du das glas durchbrechn
stopf dir die splitter in den mund
und knirsch mit den zähnen
blutig die zunge das fleisch

     mein kind


spann dir die zähne gerade und lächel

nur ein gerades gebiss darf kaun

     WENN DU FURZT ODER RÜLPST

     STIRBT EIN ENGL IM HIMML

du musst die wörter ordnen im hirn

sie dürfn dir nicht entgleitn
du musst dir silbn heftn an den mund
die zunge im gaumen vernähn

die ordnung der wörter muss gewahrt sein

muss unbedingt gewahrt sein

     mein kind

     mein kind

     EINATMEN AUSATMEN

     EINATMEN AUSATMEN
     EINATMEN AUSATMEN
     EINATMEN AUSATMEN
     EINATMEN AUSATMEN

.
.
.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Jovens poetas europeus: João Miguel Henriques



João Miguel Henriques nasceu em Cascais, Portugal, em 1978. Estudou Literatura em Lisboa, Jena (Alemanha) e Edimburgo (Escócia). Vive e trabalha em Lisboa. Estreou com o livro O Sopro da Tartaruga (2005) e publicou este ano Este é o meu corpo (Lisboa: Tea for One, 2013). Mantém o blogue Quartos Escuros.

Nas palavras de Miguel Martins, um dos poetas contemporâneos da língua que mais respeito:

"João Miguel Henriques é poeta. João Miguel Henriques é emigrante. (Dois motivos para termos pena dele). João Miguel Henriques bebe copos de 1920 como quem bebe copos de Carbo Sidral. João Miguel Henriques come púcaras de chanfana como quem come tacinhas de marshmallows. (Dois motivos para termos inveja dele)."


TEXTOS DE JOÃO MIGUEL HENRIQUES


Este é o meu corpo

disseste
buscar alento
como algo
para a boca
algum alimento
algo nosso
de cada dia
dado em dado momento
para a travessia

só que (lembras?)
nós não semeámos
nada lançámos ao vento
não madrugámos
nada colhemos
votámos a seara
ao esquecimento
e hoje nada há sobre a mesa
nada partido
e repartido
que não já o sentimento

§

Boa promessa

não tem de ser hoje não
nem mesmo amanhã
ou  muito em breve
apenas que seja
que dê um dia
que um dia se dê

chamemos boa promessa
à vileza do adiamento
que as coisas boas vêm com o tempo
e só quem espera muito alcança

não tem pois de ser já
agora mesmo
ou mesmo para ontem

somente que seja
apenas que valha a pena

§

Tens o corpo a arder sobre a colina

tens o corpo a arder sobre a colina
esquecida da casa
da penumbra do quarto

alastras fogo
pelo bosque
como musgo

chamam-te chama
assinas labareda

e a um toque de tronco
incendeia-se o planeta
como lava perpétua

hás-de um dia enlevar-me nesse fogo
eu que pela orla do teu mato
há tanto me arrasto
morto de frio

§

Penumbra

concede o corpo à penumbra
arrisca um recatamento
diz que foi ela a deter-te no quarto
a toldar-te o discernimento
prepara a noite para o parto

§

Planetário

o mundo arde, amor
as árvores mergulham no rio
os homens fogem para dentro da terra
em covas escuras, para junto dos mortos

a palavra regressa à boca
a ideia à pedra

e nós, amor, já longe de tudo
adormecidos no planetário


§

Roteiro

lestos, farejantes
avançando na tua pegada
bordejamos o rio
na conquista do vale

levamos o vento pelo braço
a erva alta junto ao flanco
seguimos-te o passo

contornamos penedos
por entre saltos de lebre
sobre largos troncos caídos

subimos contigo uma colina
suspeitando à nossa ilharga
o ocaso sereno do dia

e a um vislumbre de oliveiras
suspendes o andamento

levas o lenço à testa
e voltas a face
com os lábios em sangue:

"estamos perto"


§

Cartas panónias

Senhor,

Venho por este meio endereçar-Vos uma primeira missiva de natureza oficial, conforme me obrigam, creio, as disposições legais do Império, em sequência do inquietante e prolongado desaparecimento do nosso estimado governador.

Devo a este respeito fazer desde já notar, não sem mágoa e uma certa perplexidade, a inconsequência de todas as diligências até agora levadas a cabo, das quais Vos pretendo dar detalhada conta em epístola futura. Adianto porém não ter sido ainda explorada a hipótese de um envolvimento das gentes nativas no misterioso incidente, dada a índole habitualmente mansa e cortês desta Vossa panónia massa de súbditos, em nada propensa, se não me engano, a actos de silenciosa sedição.
Mas à parte deste episódio, que tanto sei muita tinta e verborreia fez já correr na capital do Império, bem como noutras províncias e redutos imperiais, cabe-me garantir-Vos, Senhor, de coração sincero e vincado sentido do dever, que assumo com absoluta dedicação a responsabilidade que me impõe o destino e o imperial regimento de Vos informar sobre tudo o que de relevante ocorre nestas panónias paragens do Vosso domínio. E ademais sabei que muitíssimo me honra esta incumbência, pelo desejo pessoal há muito sentido de conVosco partilhar, se tal me é permitido, o que durante largos meses pude aqui observar, matérias para as quais pouco espaço e propósito me oferecem ofícios e relatórios administrativos.

Eis-me portanto aqui, Senhor, corpo batido pelas estações da planície, no espaço longínquo de insuspeitas longitudes, onde corpo morto de rato pequeno é repasto imediato de corvo ou gavião, e do estio ao inverno o grau cai a pique pela ausência de mar. Aqui o tempo tem muitas verdades. Por ora a terra panónia lá se vai preparando para a imperial colheita, na esperança, Senhor, de um dia lhe concederes o gáudio de uma visita Vossa.

Do Vosso súbdito fidelíssimo,
com votos ardentes de que esta carta Vos encontre de excelente saúde e paz governativa.

J

§

Cartas Panónias

Senhor,

Recebei em Vossas ebúrneas mãos, com a parcimónia que sei pautar a Vossa natureza, mais esta humilde missiva, que tantas léguas veio a cobrir para Vos encontrar. Daqui, onde o estio vai lentamente esmorecendo e já a frescura das noites pressagia a estação que se avizinha, enviam-Vos Vossos súbditos e servidores as mais sinceras e dedicadas saudações, que o Vosso nome, à falta ainda de uma imagem ou contorno de rosto, é lenitivo permanente para todas as agruras da existência, pronunciado em todas as panónias partes por lábios modestos, em sinal de louvor e esperança.

Sabeis bem que por aqui se aproxima o mês das colheitas, e não é sem certo traço de reprovável orgulho que me atrevo a prever resultados portentosos nesta Vossa província, dos quais, como é devido, não deixarei de dar conta, em documento próprio, aos oficiais do tesouro, para que posteriormente seja preparada a respectiva guia de transporte para a metrópole. Orgulha-se a enfadonha Panónia das suas artes agrícolas, e é certo que por aqui não nos tem desiludido a terra escura. Que assim seja, esperamos todos, por largos e pacíficos anos.

Distinta empresa, Senhor,será manter as populações indígenas no conveniente estado de mansidão laboriosa que por ora as caracteriza. Pergunta-me a metrópole, não sem algum propósito, se não haverá dedo nativo no desaparecimento do nosso saudoso governador, e eu próprio, ainda que me envergonhe a incerteza, tenho a maior dificuldade em considerar semelhante hipótese, por jamais ter testemunhado o mínimo indício de atrito ou sedição no seio das comunidades. Em todo o caso, Senhor, na eventualidade de se decidir confrontar os reservados indígenas com a suspeita do crime de rapto ou homicídio, ficai desde já com o meu humilde conselho de que tal seja empreendido apenas após as colheitas, de modo a não melindrar o espírito de tranquilidade e dedicação que as propicia.

Tenho bem a consciência, Senhor, sem que Vós o digais, que de tudo isto depende o meu posto, a minha honra, o meu prestígio a Vossos suaves olhos. Tranquiliza-me porém saber que de Vós não receberá o panónio domínio menos que a mais justa consideração.

Já o choupo vai perdendo a sua primeira folha e eu sorrio, Senhor, ao pensar que este vento que a noite arrasta também já Vos terá percorrido a face e levantado a ponta de Vosso real manto.

E assim já por ora me despeço, com as costumeiras saudações que me impõe o ofício e os calorosos votos de saúde e bonança que me dita o coração.

O Vosso humilíssimo súbdito

J

§

Cartas Panónias

Senhor,

Escrevo-Vos hoje com tal embaraço e angústia, que muito me pesa a pena que empunho e mais me resiste o fólio à escritura a que me vejo obrigado. Tomei recente conhecimento de que não terá chegado à metrópole toda a tara de mercancias resultantes da panónia colheita, conforme aqui registada à partida da caravana. A este respeito não poderá seguramente falar-se de nada menos que furto de imperial propriedade, crime para o qual é bem conhecida em todas as partes a costumeira punição. Sabei porém não haver registo ou sequer suspeita, em todo o largo percurso até à metrópole, de incidente ou quebra de protocolo que possa ter conduzido ao desaparecimento das mais de dez arrobas em falta. E é neste ponto que se me enrola a língua e se me adormentam os dedos, Senhor, por não ter algo de concreto que Vos possa desde já transmitir a este respeito. Não posso deixar de aparentar este episódio com o enigmático desaparecimento do nosso saudoso governador, pelo que a meu ver se torna agora inevitável mão mais pesada nas averiguações que se impõem.

Assumo, Senhor, a minha enorme culpa pelo escrúpulo que até agora exibi em tratar destes graves acontecimentos com a firmeza que é forçoso aplicar. Alguns me acusarão, não sem certa justiça, de excessiva afeição pelas gentes locais, o que porventura tende a toldar-me a razão e a refrear em mim certa necessária dureza na demonstração da autoridade imperial. Desse grave pecado, Senhor, não pretendo ser de futuro acusado, pelo que darei início, logo que puder contar com Vosso soberano consentimento, a todo um preparado conjunto de detenções e interrogatórios, com o fim de esclarecer os incidentes mais recentes e evitar que na panónia província se instale qualquer clima de impunidade, o qual, como decerto sabeis, é a daninha raíz da queda de impérios e civilizações.

À falta de resultados concretos em sequência das investigações que pretendo pessoalmente levar a cabo, encontram-se em preparação algumas medidas de punição arbitrária colectiva, com o mencionado propósito de, se me é permitida metáfora em oficial epístola, cravar fundo na escura terra da Panónia o magno selo do Vosso ditoso império.

Ergo agora os olhos, Senhor, e diante de mim corre suave o rio à luz difusa desta manhã de Outono. O mesmo rio que, léguas mais abaixo, delimita a autoridade por Vós estabelecida sobre esta desolada planície. Não posso deixar de pensar, Senhor, que talvez se esconda na outra margem, por detrás das fileiras arbóreas que bordejam as águas, a explicação para as inquietações de que hoje padecemos. Virá o dia, imposto pelo destino ou pela necessidade, em que forçoso será cruzar as águas e enfrentar o que a lonjura nos reserva. Também para isso servirão como preparação e sondagem os interrogatórios de Inverno que Vos proponho.

Ardo, Senhor, por célere resposta, na esperança de que podeis confirmar a Vossa confiança na minha função e assim honrar-me com o ensejo de pugnar pela perpetuação do Vosso nome.

O Vosso servo

J

.
.
.

Arquivo do blog