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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

VIDEO: Domeneck & Nikolaus - "Don´t feed the poet" (live/ao vivo - Brussel / Bruxelles / Bruxelas)


Domeneck & Nikolaus - "Don´t feed the poet" (live/ao vivo - Brussel / Bruxelles / Bruxelas). 

Evento no espaço Les Ateliers Claus, também com apresentação solo de Markus Nikolaus (Cunt Cunt Chanel) e do duo Tetine. Curadoria de Hugo Lorenzetti Neto.


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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Lendo "X + Y: uma ode" na Casa Refugio Citlaltépetl, na Cidade do México, em dezembro de 2011

Abaixo, vídeo com minha leitura do poema "X + Y: uma ode" na Casa Refugio Citlaltépetl, na Cidade do México, em dezembro de 2011. A leitura foi organizada por Paula Abramo e o Centro Cultural Brasil-México. Na mesa, três dos meus poetas mexicanos favoritos: Luis Felipe Fabre, Julián Herbert e Minerva Reynosa, assim como o argentino Ezequiel Zaidenwerg, e Paula Abramo moderando. Foi uma noite linda, alguns dos melhores poetas com quem já tive a honra de ler. O video foi-me enviado pelo poeta mexicano Alejandro Albarrán, um dos melhores poetas da nova geração latino-americana. Agradeço a todos com muita saudade e todo o meu respeito.


 



X + Y: uma ode

An refert, ubi et in qua arrigas?
Suetônio

Houvesse nascido
mulher, já teria dado
à luz sete
filhos de nove
homens distintos.
Agora, vivo entretido
com as teorias
a explicarem meu gosto
por odores específicos,
certa distribuição de pelos
nas pernas alheias,
os cabelos na nuca
e no peito
sem seios, ainda que aprecie
certas glândulas mamárias
de moços e rapazes
com aquela dose
saudabilíssima
aos meus olhos de hipertrofia.
Medito sobre as conjecturas
de terapeutas,
os relatos de uma Persona
partida, Édipo subnutrido,
sem modelo
na infância de um lendário
Laio
exemplar, lançando-me
a uma suposta
busca entre amantes
por mim mesmo.
Tentei, sem o menor
sucesso,
por dias induzir-me à ereção
diante do espelho.
Concluí não ser tão
eréctil meu ego.
Ouvi com atenção
a fórmula
sobre pai ausente e mãe
dominante a gerar rainhas
de paus, espadas e copas
lassas e loucas,
mas, apesar do meu histórico
de progenitora histérica
e procriador estóico,
meus irmãos
tão afeitos e afoitos
diante dos clitórides
embromam a estatística.
Li todas as reportagens
sobre a possível queerness
na boutique do código
genético, esta quermesse
das afinidades seduzidas,
e ri com o amigo
que certa vez, em chiste,
nomeou-me dispositivo
biológico
de uma Natureza em estresse,
medicando o hipercrescimento
populacional. Não mentirei dizendo
que não temo e tremo
com o perigo do inferno.
Cheguei, contudo, à conclusão
de que minha passagem
só de ida
ao Hades
não se dá
apenas pela inclinação
algo obcecada
de minha genitália
pelo caráter heterogêneo
dos vossos gametas.
Houvesse
nascido fêmea,
já teria dado à luz onze
filhotes de treze
machos diferentes,
e, de puta,
assegura
o Vaticano (e mesmo Hollywood),
não se conhece ascensão,
tão-somente queda.
Portanto, poeta, pederasta e puta,
sigo com meus olhos pela rua
cada portador
desta combinação gloriosa
de cromossomas
X e Y,
chamem-se Chris ou Absalom,
com suas espaçadas proporções
entre os buracos
do crânio, a linha que se forma
entre orelhas e ombros,
as asas de suas omoplatas
e a coifa dos rotadores,
as simetrias volubilíssimas
entre as extremidades
excitantes e excitáveis
como nariz, pênis e dedos,
o número de pelos
entre o umbigo
e ninho púbico,
o formato dos dentes
e seu espelhamento
em diâmetro
nos pés e suas unhas.
Se andam como comem,
se bocejam como riem,
se bebem como tossem,
se fodem como dançam.
A absoluta falta de mistério
em alguns deles, incapazes
da dissimulação famosa
de certas personagens
literárias femininas
do século XIX.
Neles, é oblíqua
somente a ocasional
ereção inconveniente.
Constrangem-me
estas confissões,
mas cederia certos direitos políticos
por algumas dessas cristas ilíacas
já presenciadas em praias, ao sol,
e abriria mão de uma ida às urnas
este inverno por esta ou outra nuca.
E veja só como o planeta
insiste na demonstração empírica
dessa abundância de músculos
e seus reflexos
cremastéricos:
neste exato momento,
enquanto escrevo este textículo,
entra no café, em pleno Berlimbo,
um desses exemplares de garoto
canhestro e canhoto,
o boné cobrindo meio rosto,
prototipagem de barba
e bigode, calças
que me catapultam a fantasias
com skateboards como props,
sobrancelhas feito caterpillars
sitiando os olhos com promessas
de delícias e desfaçatez épicas.
Seu tênis é bege;
ao tirar o suéter, vê-se
a sua escala de Tanner.
Sua Calvin Klein.
Bege fico eu, adivinhando que pele
cobre seus joelhos, seus calcanhares.
Sonho o sexo biônico e homérico,
algo entre Aquiles e Pátroclo,
interpretados em nosso mundo
por Brad Pitt e Garrett Hedlund,
potros xucros como búfalos
ou bárbaros.
E este mundo está cheiíssimo
dessas distrações quase sádicas
para meu masoquismo
voluntarioso e em vício,
que impedem que componha
a minha Divina Commedia,
meu Paradise Lost.
Perdoe, Sr. Cânone,
esta minha tosca e parca
contribuição lírica à safra
de seus contemporâneos,
mas não me catalogue
entre as farsas, sátiras.
Pois não é, consinto, culpa
das massificações capitalistas
esta minha attention span
pouco renascentista,
mas desta explosão de cântaros
plenos de testosterona púbere
a ir e vir nos espaços públicos.
Quando passam, petiscos,
finger food em arrogância
cocky e garbosa, murmuro
na cavidade oca
da boca:
"Deviam ser proibidos
seus exageros de lindos".
Meu fim será nestes botecos
do Berlimbo,
entupindo-me de café preto
e esperando suas ocasiões
para escrever poemas
que vos celebrem, atores
principais deste longo pornô
em que me vi concebido, gerado
e expelido, coadjuvante
contente e dublado.
Agradeço-vos a oportunidade
de fazer do advérbio sim
uma interjeição obscena.
Aos outros, juro que não se trata
de encômio, louvor ou gabo.
Quisesse eu fazer apologia,
talvez dissesse
haver mais elegância
em "Sê meu erômenos
e eu serei teu erastes"
do que, ao cangote,
"Mim Tarzan, você Jane".
Não busco novos adeptos
que me façam concorrência.
Boys will be boys,
há quem diga, e, ora,
não vou dizer que espero
de todo moço
que seja Mozart
ou Beuys.
Haverá os momentos de caça
e rendição felizes, as poucas
vezes de sorte
em que seremos camareiros
de algum moço pasolínico,
com quem se poderá, enfim,
fazer o cama-supra, meia-nove
e então discutir no pós-coito
outros conceitos hifenizados
ao som de Cocteau Twins,
listar as guitarras de 1969,
nosso horror a Riefenstahl,
a obsessão por Fassbinder,
e oxalá sentir em meio a tal
loa uma nova ereção
cavucar
as malhas entre as dobras
do edredão
enquanto lemos poemas de Catulo,
Kaváfis.
Quando chegarem os bárbaros,
me encontrarão na cama;
que venham porém armados,
pois hei de estar acompanhado,
e em riste as nossas lanças.

Berlim, 25 de outubro de 2010

Publicado em Ciclo do amante substituível (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012).


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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Colaboração com Ezequiel Zaidenwerg: vídeo meu para seu poema "Murió el terror de las escandinavas", especial para a revista mexicana "Chilango"

Ezequiel Zaidenwerg por Valentina Siniego


A revista eletrônica mexicana Chilango convidou o poeta argentino Ezequiel Zaidenwerg (Buenos Aires, 1981), meu caríssimo amigo, a participar do projeto "Poeminuto", unindo textos vocalizados a vídeos preparados para tal. Zaidenwerg perguntou-me se eu faria algo com sua vocalização para um texto recente, bastante irônico e mordaz, intitulado "Murió el terror de las escandinavas". Aceitei o convite-desafio, trazendo minha própria ironia para a peça. Talvez o resultado seja um verdadeiro quebra-cabeças em questões de política de gênero. Parti de uma colagem com material existente e em domínio público.

Fiquei feliz com esta colaboração e quis compartilhá-la com vocês, vocês todos que, assim espero, já leram La Lírica Está Muerta (Bahía Blanca: Vox Senda, 2011), do nosso caro Zaidenwerg. Se ainda não tiveram a chance, baixem o livro, que foi disponilizado pelo autor na Rede. Foi uma das leituras de poesia que mais me deram prazer no ano passado. Abaixo, "Murió el terror de las escandinavas":


Ezequiel Zaidenwerg - "Murió el terror de las escandinavas" - texto y voz.
Video de Ricardo Domeneck. Ciudad de México / São Paulo / Rio de Janeiro. 2012.


Murió el terror de las escandinavas
Ezequiel Zaidenwerg

Murió el terror de las escandinavas,
ése que echaba espuma por la boca
no bien veía una melena rubia
vagamente foránea. Sus amigos
lo imaginan ahora entre los fiordos
del cielo, persiguiendo a las valkirias
a un Valhalla nudista junto al sol,
con su falo de cera, inofensivo.
Poco a poco se fue descascarando,
igual que una cebolla hecha de carne,
y quedó expuesta, capa a capa, toda
la geología de su desviación
(el púgil fracturado, el libertino
púdico, el cocainómano amateur),
hasta que al fin la imagen de su crimen,
como un puño de odio palpitante,
se hizo visible al estallar la cáscara
que lo cubría: un fauno enloquecido
que, apretando del cuello a una doncella,
la flagelaba con su verga bífida
y abría surcos de copiosa sangre
de cocodrilo sobre el cuerpo trémulo;
luego se lo llenaba de gargajos
y de insultos y, armado con un fórceps
al rojo vivo, abría sus caderas
para implantarle en la matriz profunda
algún objeto no identificado
de látex, con higiene y precisión.
Después, para humillarla, le decía:
“La princesa está triste, ¿qué tendrá
la princesa?”, al oído con ternura
fingida, y explotaba de repente
en una carcajada demencial;
y, a fin de hacer completo el aquelarre,
traía a algún secuaz para vejarla.

Ya no existe el terror de las noruegas,
nativas o becadas; lo borraron
ráfagas bienhechoras de silencio,
que, deshaciendo aquella ruina humana,
muscular y moral, trajeron paz
definitiva. Ahora, como antes,
mancebos y muchachas pueden creer
que es posible un amor, en este mundo
cruel, puro como el agua del deshielo;
otra vez pueden respirar las madres
aliviadas (ya nadie grita: “¡Viene
el lobo!”) y pueden regresar los chicos
a jugar a las plazas, sin temer
la presencia furtiva en los arbustos:
murió el terror de las escandinavas.


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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"Cantiga de ninar para amante surdo", poema multilíngue com vocalização em vídeo, gravado por Paula Abramo na Cidade do México

Foto feita por meu amigo, o (excelente) poeta mexicano Alejandro Albarrán,
Cidade do México, dezembro de 2011.


"Cantiga de ninar para amante surdo / Lullaby for a deaf lover / Canción de cuna para amante sordo", texto multilíngue (usando palavras do português, castelhano, inglês, francês, alemão, italiano, catalão, crioulo cabo-verdiano, sefardí, inventado e latim), já que na última década não me apaixonei por uma única criatura que fosse civilizada suficiente para falar português.

Gravado por Paula Abramo na Cidade do México a 18 de dezembro de 2011.




Texto do poema abaixo. Publicado originalmente no Diário de Poesía de Buenos Aires, em 2008, no dossiê de poesia brasileira contemporânea organizado por Cristian De Nápoli.


Cantiga de ninar para amante surdo
Ricardo Domeneck

Eres the plague meiner fauna,
my allerdearest passerculus
infenso al questionnaire
dos meus needs, do quê

tens angst, nha kretxeu,
if otros páxarus planam
alrededor d´your caixola
toracique like girassóis

or schmetterlinge y
hay keine delicatessen
full d´engrunes
nel malheur di toalha

da vuestra távola que
balança wie manzanas
dil otonio u soçobram
sin solaciolum al soluço

meu y el plenu século est
aranearum a memorandar
le gravity ou statistics
entre epiderm y shampoo,

bicho-da-seda of my own
cheveux, my holzpferdchen
di carroussel, sussurro-te
questo lullaby, quirinsiozo

nonchalant y taube
sorda of mi olvido:
ecco ichyojeu
sobjective,

mon callboy, j´am deine
mullah, et con one sonrisa
sur la fresse cargo tu planetoid,
heavy hecho plumas y paese,

mio xodó, tal qual un atlas
avec avlas y árvulis y
everything di solombra
sur riachos, mein benzinho

gauche de pampers da vita,
basia mille, deinde centum
y tremblo trotzdem dibaxu
der sonne, hasta que deslizes

under los lençóis di camomila
sur tua llit, oh! l´alba assovia,
de morsus a ictus glutona-se
teu focinho avec mis tatters,

ronron meu,
si hay rincão
more londji
von mim,

mendigo-te:
do not go,
ay paura da
departure,

baby bobo


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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vídeo com Marília Garcia e sua vocalização do texto "É uma lovestory e é sobre um acidente"

Marília Garcia (Rio de Janeiro, 1979)


Voo amanhã de manhã para o Rio de Janeiro, como disse, onde passo 30 e poucas horas antes de embarcar para a Cidade do México. Espero, nestas parcas horas, conseguir encontrar amigos como Dimitri Rebello e minha querida Marília Garcia, que esteve há poucos dias em Berlim após nossa passagem pela Bélgica. Aqui, gravamos o vídeo abaixo, com este lindo poema recente dela.



Marília Garcia vocaliza seu texto "é uma lovestory e é sobre um acidente", em Berlim, Alemanha,
a 6 de dezembro de 2011. Um vídeo de Ricardo Domeneck.


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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

"Pequeno estudo sobre os ciúmes" (2007), o poema mais conciso de minha *tosse*

Abaixo, o poema mais conciso que este vosso verborrágico contemporâneo já cometeu, tão apropriado, além de demonstrar que até mesmo eu tenho parcos, ainda que raros, momentos de lucidez.


Ricardo Domeneck, "Pequeno estudo sobre os ciúmes" (2007)

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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

"Poema-carta para Patrícia Lino", dois vídeos de leitura no Porto e uma pequena sessão de fotos em que banco a Bette Davis

Poema-carta para Patrícia Lino

Os vídeos
estão ótimos, tão
bem feitos
pelas mãos
do teu respeito,
este, que não
sei se mereço.
Vejo-me
magricelo,
tristonho
e horroroso,
insegurança
de eterno
adolescente
subnutrido,
que só ia
à praia
de camisa.
O vento
é apropriado
sempre
para um poeta
descabelado
a miúdo,
verborrágico
e frequente.
É que bicho
apaixonado
é estapafúrdio,
vê-se em foto
ou vídeo
e tudo
que se pergunta
é se o amado
o achará bonito.
Coço
o bócio
eu próprio,
agora
sem quem
o molhe
com fluidos
alheios.
Não se preocupe
com a resolução
do Youtube,
é assim, prefiro-me
vivo, mesmo
com pouquíssimos
pixels.
Agradeço
esta desculpa
de não sentir-me
feito apêndice
inflamado,
todas as ilusões
de nossa relevância.
Guardo o sonho
de ser feliz
um dia
no Porto.


Berlim, manhã do dia 30 de setembro de 2011

§

Dois vídeos de leitura no Porto, filmados por Patrícia Lino, embaixadora da poesia brasileira na cidade.



"Texto em que o poeta celebra o amante de 25 anos", lido no Porto, 26 de setembro de 2011, filmado por Patrícia Lino.

Texto em que o poeta celebra
o amante de vinte e cinco anos



Houve
guerras mais duradouras
que você.
Parabenizo-o pelo sucesso
hoje
de sobreviver a expectativa
de vida
de uma girafa ou morcego,
vaca
velha ou jiboia-constritora,
coruja.
Penguins, ao redor do mundo,
e porcos
com você concebidos, morrem.
Saturno,
desde que se fechou seu óvulo,
não
circundou o Sol uma vez única.
Stalker
que me guia pelas mil veredas
à Zona,
engatinha ainda outro inverno,
escondo
minha cara no seu peito glabro.
Fosse
possível, assinaria um contrato
com Lem
ou com os irmãos Strugatsky,
roteiristas
de nossos dias, noites futuras;
por trilha
sonora, Diamanda Galás muge
e bale,
crocita e ronrona, forniquemos.
Celebro
a mente sob os seus cabelos,
ereto,
anexado ao seu corpo, o pênis.
Algures,
um porco, seu contemporâneo,
chega
ao cimo de seu existir rotundo,
pergunto,
exausto em suor, se amantes,
de cílios
afinal unidos, contam ovelhas
antes
do sono, eufóricas e prenhas.




"Carta a Antínoo", lido no Porto, 26 de setembro de 2011, filmado por Patrícia Lino.


Carta a Antínoo

Que me importam o império as vilas
as efígies nas moedas se o teu cheiro
ocupa ainda cada canto angular
da arquitetura
mas teu pescoço teus pés teu tórax
já não os habitam
e as águas do Nilo não permitem
que este teu cheiro
agora se evada se exale e me excite ou exalte
uns dizem suspeitar que eu ordenei tua morte
outros que tua influência se tornara indesejável
nunca houve lugar para Eros
entre as intrigas de corte
eu já não me lembro tua morte talvez
a tenha ordenado quiçá tenha sido
castigado por meus inimigos
os mais cruéis sugerem que o ato
fora uma fuga tua dos meus cafunés
das minhas mãos geriátricas
não sei não sei tua lembrança
ocupa o espaço de todo o resto
que eu poderia agora memorizar
ordens execuções missões diplomáticas
a fundação de cidades já não me alegra
se tu já não serás um dos cidadãos
as revoltas de bárbaros tão-só
me entediam
se tu não me acompanhas nas campanhas
divinizar-te é consequência lógica
doravante estarás no panteão
entre aqueles que agora
por um motivo a mais invejo
se teu exercício de natação sem volta
foi mesmo sacrifício ou autoimolação
eu me pergunto que deus te merecia
mais do que eu
dizem as boas bocas pelas ruas de Roma
que eu chorei por ti como uma mulher
como se eles pudessem distinguir o gênero
das águas salinizadas
Pancrates de Alexandria comparara
uma flor-de-lótus a ti e não o contrário
e com isso ganhou meus favores
tu eras o parâmetro
de todos os sistemas da simetria
Antínoo ainda que eu mandasse a Bitínia
ser varrida vasculhada
jamais outro com teu pescoço
teus pés teu tórax
tu eras o príncipe das belugas
Antínoo tu foste meu antinão

§


Pequena sessão de fotos em que banco a Bette Davis
(retratos feitos por Patrícia Lino)





terça-feira, 16 de agosto de 2011

Com Góngora no Apocalipse: peça criada para as comemorações dos 450 de seu nascimento, em Córdova



Em janeiro deste ano, recebi um convite interessantíssimo e que me descabelou um pouco: criar uma peça vídeo-textual, na linha do meu trabalho, a partir das Soledades (1613) de Luis de Góngora, e estreá-la em Córdova, num evento chamado Soledades 2.0, dentro do tradicionalíssimo festival cordovês Poetas del Mundo en Córdoba, que este ano celebraria os 450 anos de nascimento do autor.

Aceitei o que se provou um grande desafio. Enviaram-me uma edição da coleção Catedra que restabelecia o texto e grafia do tempo de Góngora. Trabalhei na peça por mais de um mês, tentando algo que estivesse completamente baseado no trabalho de Góngora e ao mesmo tempo fosse uma peça pessoal minha, sem a ambição de verter de qualquer forma o trabalho do senhor barroco a tempos modernos ou criar apenas algo ilustrativo. Era um momento em que sentia meu trabalho talvez mais próximo de Lope de Vega que tanto de Góngora como do mestre Quevedo, mas foi uma experiência marcante. Mostro aqui o trabalho com a gravação em vídeo de minha apresentação em Córdova.

Apenas algumas palavras sobre o método e princípio usado na criação da peça: as Soledades me atingiram nesta leitura como extremamente apocalípticas. É claro que isso se deu porque todo o meu trabalho tem se dirigido, est-E-ticamente, para uma denúncia das distopias contemporâneas. Eu mesmo ando todo apocalíptico. Como escrevi no meu "Educação dos cívicos sentidos", estou buscando escrever uma poesia pré-distópica, parte do meu questionamento da falácia do pós-utópico. Para criar um clima ainda mais pós-apocalíptico, enquanto trabalhava na peça ocorreu o maremoto no Japão. O estado mental em que trabalhei nesta peça está patente no resultado.

Esta peça, que chamei de "Entrañas de las Soledades", foi composta com o princípio de colagem e apropriação. O texto é todo ele formado com palavras retiradas das Soledades. Alguns perceberão certas inconsistências ortográficas, mas é pelo fato de ter usado uma edição que mantém a grafia barroca de certas palavras. Ainda por cima, tomei certas liberdades. É um poema castelhano o que creio ter composto, mas tem suas peculiaridades. Misturei a esta est-É-tica, num texto todo sacado de uma matriz barroca, certos elementos da poesia expressionista germânica, em especial dos meus dois favoritos: Jakob van Hoddis (1887 – 1942, assassinado num campo de concentração) e Georg Heym (1887 – 1912). 

O vídeo, por sua vez, é todo composto pela apropriação e colagem de vídeos encontrados na Rede. A peça sonora foi composta por meu amigo Uli Buder. A edição do material em vídeo foi feita com meu amigo Daniel Reuter. Nada disso teria sido possível sem a assistência de Adelaide Ivánova na pesquisa do material visual.

O evento contou ainda com performances da madrilenha Miriam Reyes (n. 1974) e do chileno Eugenio Tisselli (n. 1972), e com uma exposição que trazia peças de poetas trabalhando com mídia alternativa, incluindo peças dos brasileiros Augusto de Campos e André Vallias.

Agradeço a António Jesus Luna, curador do evento, pelo convite.


Entrañas de las Soledades

ou, em seu título completo,

Entrañas de las soledades del último sobreviviente sobre la Tierra, sin nombre, escrito con fragmentos de un libro encontrado en las ruinas de la biblioteca de Córdoba y datado en julio del 2013





Entrañas de las Soledades
Ricardo Domeneck 

§ - Entraña primera

Era el año en que un vulcán, robador
del sol de Europa, borró el cielo.
Más tarde, sorbido y vomitado,
el oceano cubrió orillas, árboles
y aldeas en cenizas y carbunclo
como un can diligente, un Sísifo.
En la cuesta, la seca, contra ella
el viento, armas y perros. Mismo
las plantas abortaron. En los
campos, inundación. Último
sueño interrumpido del Occidente
fatigado, sobre la tierra estanque
la grana nace en ondas y en ondas
muere. El oceano divide metales,
abre sepulcros. Presagios
astronómicos, reinos al fin, fuego
en Egipto, Grecia en ruinas
de erudicción y pompa, hormigas
a esconder el camino, el cielo,
el polvo. Apócrifa, la política sigue.
Abriles, mayos, cual la arena
ardiente de Libia,
la luz que el día cedió al campo
estéril de ceniza, la que anocheció
aldea el fuego preside. Para la sed,
hay que beber el propio sudor.
Vence la noche y triunfa el silencio,
reina el gusano sordo, Noruega
seca como con dos soles, en Etiopía
restan dos estómagos. Diluvio.
Que vuestras cabras, vuestras vacas
se desaten, alimenten áspides,
vuestros descendientes.
Fin del Fénix del tiempo humano
y de las necesidades de opulencias.
Esfinge que se muere. El viento hereda
ahora Egipto, el Coliseo, Ícaro
hecho a su ruina, el polvo
cojea el pensamiento, en humo
se resuelven las aves.



§ - Entraña segunda


El mar era un arroyo sediento,
mucha sal su ruina.
Muros desmantelándose. Nudos
los bosques. La aurora:
muchas lágrimas y poca agua.
Deseo de hueso, contagio
de pescados nadando en sangre
y sangre, el propio clima una prisión
solicitando sepultar el sol
donde muere el día.
Que muera. Homicidio, mundo,
el oceano haga túmulo
para mis huesos ya que nada
yace en el mar sin besar la arena.
El cielo moderando la miseria,
pluvia de hierro, mordía huesos.
Fin de la comida, la más
seca de las gallinas domésticas.
Vomitando saliva, ronca todo.
Que el hueco exceda Cartago
o el fulminante fin de la República,
Roma de cabras. Nieve el agua.
Por comida, mármol. Ruinas
acusando la aurora, pesadumbre
de campo, sediento se bebe
espuma. Azotar los ojos, la lengua,
la muerte, fuga al horror. Huesos
de amantes a desatarse, cenizas
en los vientos. Llega el tiempo
del gusano, del monstruo
en el césped. Ya no vuelve
Proserpina. El último graznido.
Injuria de la luz, horror del viento.




(escrito com palavras - e em alguns casos versos - extraídas das Soledades de Góngora. Peça estreada em Córdova, na noite de 31 de março de 2011)

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quinta-feira, 17 de março de 2011

É inaugurada hoje à noite em Belo Horizonte a mostra de poesia sonora e visual "ZIP: Zona de Invenção Poesia &"


É inaugurada hoje à noite em Belo Horizonte a impressionante mostra de poesia sonora e visual "ZIP: Zona de Invenção Poesia &", na Grande Galeria do Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais, com curadoria de Ricardo Aleixo, Chico de Paula e Bruno Brum. Compareço com o poema videovocotextual "The poor poet (after Carl Spitzweg)" e o poema vocal em colaboração com o TETINE, nossa viajada "Mula".

A lista de pessoas interessantes que Aleixo, Paula e Brum reuniram me faz querer muito que eu estivesse em Belo Horizonte nos próximos dias. A exposição traz aquilo que Aleixo vem chamando de "poesia expandida". Dê uma olhada na lista de poetas incluídos na mostra:


Instalação audiovisual:

Aggeo Simões + Marcus Nascimento & Amir Brito Cadôr & André Amparo + Ana Cristina Murta & André Vallias & Bruno Brum & Chico de Paula & Cris Ventura + Mariana Campos & Fábio Carvalho & Gabriela Marcondes & Grupo Aquífero Poético (Álvaro Andrade Garcia + Marcelo Dolabela + Sônia Queiroz + Francine Canto + Ilka Boaventura Leite + Jair Tadeu + Luciana Tonelli + Marcelo Dolabela + Silvana Leal) & Grupo TEXTA (Gláucia Machado + Susana Souto + Marcelo Marques + Tazio Zambi) & Joacélio Batista & Kiko Ferreira & Makely Ka & Manoel Ricardo de Lima & Marcelo Dolabela & Marcelo Kraiser & Marcelo Sahea & Maria Botelho & Ricardo Aleixo & Ricardo Corona & Ricardo Domeneck + Tetine & Sérgio Fantini & João Diniz & Tatu Guerra & Thais Guimarães & Tião Nunes & Suely Machado + Marcela Rosa &


Mostra de poemas-cartazes:

Bruno Brum & Cândido Rolim & Carlito Azevedo & Chico de Paula & Edimilson de Almeida Pereira & Fabrício Marques & Francisco Kaq & Gláucia Machado & Guilherme Mansur & Kiko Ferreira & Leo Gonçalves & Letícia Feres & Luciana Tonelli & Manoel Ricardo de Lima & Marcelo Sahea & Marcus Nascimento & Maria Esther Maciel & Mariana Botelho & Mônica de Aquino & Paulo Kauim & Pedrinho Fonseca & Renato Mazzini & Romério Rômulo & Tazio Zambi & Thais Guimarães & Vera Casa Nova & Wir Caetano & Wlademir Dias Pino &


Ciclo de performances:

Beatriz de Almeida Magalhães + Manoel Andrade & Benjamin Abras & Chico de Paula + Carmen Castro & Gil Amâncio + Tatu Guerra + Gabriela Guerra & Grupo de Pesquisas Sonoras da Fumec/GPS (Ricardo Aleixo + Chico de Paula + Daniel Mendonça + Julius César) & 1mpar & Leo Gonçalves & Letícia Castilho & Marcelo Dolabela & Marcelo Kraiser & PROJETO EULIPÔ (Antônio Barreto + Caio Junqueira Maciel + Francisco de Morais Mendes + Jeter Neves + Luís Giffoni + Maurício Meirelles + Rodrigo Leste + Sérgio Fantini) & Renato Negrão & Ricardo Aleixo + Iná Aleixo + Flora Aleixo + Gabriela Pilati & Rui Moreira & Waldemar Euzébio &


Recitais:

Bruno Brum & Kiko Ferreira & Gláucia Machado & Luciana Tonelli & Mariana Botelho & Mônica de Aquino & Thais Guimarães & Grupo Aquífero Poético & Tazio Zambi &


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Aos que não podem ir a Belo Horizonte e talvez ainda não conheçam a peça, deixo vocês com a "Mula", minha colaboração com o Tetine, aqui em vídeo do alemão Eugen Braeunig.


"Mula" - texto de Ricardo Domeneck, composição sonora e vocal do Tetine, vídeo de Eugen Braeunig.




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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Nestes tempos tão difíceis, eu confesso tão-somente ter mais perguntas a oferecer.

Faz dias que venho tentando terminar um artigo que deveria se chamar "Para que poetas em tempos de eleição?", no qual queria expor e compartilhar com vocês alguns dilemas pessoais, e minhas meditações muito individuais sobre o papel do poeta em um momento tão conturbado como este. Apesar de viver há tantos anos na Alemanha, muito longe, tenho acompanhado as campanhas presidenciais e me perturbado muito com os discursos em andamento hoje no Brasil. Ao mesmo tempo, parece-me um momento histórico incrivelmente interessante, que dá sinais de ver ressurgirem trincheiras ideológicas que há muito acreditavam-se mortas.

Não pude terminar o artigo, por um motivo muito simples: não consegui chegar a uma conclusão satisfatoriamente responsável para reabrir este debate sobre o papel do poeta em sua comunidade, sem acabar meramente repetindo-me. Não se trata, vejam bem, de tomar partido, e não estou me referindo a apoiar publicamente um ou outro candidato. Há uma diferença gigantesca entre tomar partido e tomar posição. Estas eleições me lançaram em uma meditação que me ocupou muito nas últimas semanas, sobre as possibilidades de agir de maneira prática em um momento histórico que testemunha a linguagem, em sua manifestação física como Língua Portuguesa, sendo continuamente dobrada, distorcida, borrada e abusada para enganar, mentir e ludibriar, com o que vou ousar chamar de "crimes de linguagem" dos dois lados do debate, tanto pelos membros do Partido da Social Democracia Brasileira, como pelos membros do Partido dos Trabalhadores. Além deles, as imposturas pouco éticas da imprensa, também dos dois lados do espectro ideológico. Em meio a isso tudo, refletindo-o e piorando-o, as manifestações assustadoras de machismo, racismo e homofobia de vários setores da sociedade brasileira nos últimos meses, sua regressão política, e a tentativa deselegante de usar um debate ético e religioso tão sério como o da legalidade do aborto para ganhar votos. Aconteça o que acontecer neste domingo, se um dos candidatos for eleito através desta estratégia político-ideológica, isso significará uma vitória do obscurantismo sobre a democracia brasileira.

Mallarmé escreveu que o poeta é aquele que mantém puras as palavras da tribo. Pound, por sua vez, falou sobre "the tale of the Tribe", o que lança ainda mais importância sobre a historicidade da poesia como narrativa de sua comunidade. Contrapondo-se a eles, penso em uma mulher tão importante como Clarice Lispector, que, em sua famosa entrevista à TV em 1977, respondeu que o papel do escritor brasileiro naquele momento era "falar o menos possível". Vale lembrar que a entrevista, de uma lucidez incrível, ocorre em plena ditadura, naquele momento com Ernesto Geisel no Palácio do Planalto.

Se o poeta é o artista que usa a linguagem como matéria de composição primordial, linguagem e língua que compartilha com sua comunidade, como reagir aos abusos de linguagem espalhados pela imprensa, pela oposição ao governo e pelo próprio Governo? Como poeta, como reagir aos abusos de linguagem do presidente da República e também dos de seus opositores?

Minha única certeza, uma certeza pessoal, individual, particular, que não pretendo estender a nenhum outro poeta, é que, seja Dilma Rousseff ou José Serra o novo presidente da República, pretendo ser oposição a ele ou ela em todo e qualquer momento em que, seja ou não a autoridade máxima do país, incorra neste abuso imperdoável da linguagem para distorcer e aproveitar-se, como temos assistido nos últimos meses.

Além dessa certeza, tenho apenas perguntas, meus caros.

Estas perguntas formaram no ano passado, quando comemorou-se aqui em Berlim o vigésimo aniversário da queda do Muro, um texto que intitulei "A educação dos cívicos sentidos" (2009), que usa este jogo de homofonia com o título do livro de Haroldo de Campos, A educação dos cinco sentidos (1985), para a partir disso entregar-se a algumas perguntas e polemizar mais uma vez com o poeta paulistano e sua posição est-É-tica da década de 80, o autor, que respeito muitíssimo, que viria a embasar ideologicamente, com seus conceitos questionáveis (tão equivocados a meu ver) de "trans-historicidade" e "pós-utópico", as certezas ao mesmo tempo arrogantes e preguiçosas do absenteísmo público de tantos poetas brasileiros dos últimos 25 anos.

É com estas perguntas que encerro esta postagem, junto de um "vídeo" improvisado para poder participar com minha intervenção à distância de uma mesa de debates na Casa das Rosas, em 2009.

Volto apenas na semana que vem, quando já teremos um novo ou nova presidente. Se os discursos apocalípticos de ambos os lados estiverem certos, um erro na urnas poderá nos levar a uma catástrofe. Gostaria de ter mais certeza sobre o que se pode esperar de um poeta em meio a uma catástrofe social e política nos dias de hoje. Mas para isso preciso seguir meditando, até quem sabe poder terminar o artigo que gostaria de ter publicado aqui e não pude.

Destarte, eis as inúmeras perguntas da minha own private educação dos cívicos sentidos:





A educação dos cívicos sentidos (texto em vídeo)
Ricardo Domeneck



Aos vinte anos da queda do muro, a oportunidade de meditar sobre dualismos que ainda imperam? Num momento que se gaba de suas multiplicidades? Essa queda marca a ascensão do Império sob o qual nos movimentamos hoje? Opera esse Império através da língua do poema de Yeats? "On being asked for a war poem"? O poeta que escreveu "I think it better that in times like these / A poet keep his mouth shut" é o mesmo que escreveu "Easter, 1916"? Ou este poeta acreditava que a política pertence aos políticos, não aos poetas, e por isso se fez senador? O papel do poeta seria mesmo o de emocionar moçoilas e consolar velhinhos? O silêncio proposto por Yeats é o mesmo de Clarice Lispector que, em lhe sendo pedido o papel do escritor brasileiro, respondeu: "falar o menos possível"? O silêncio dos dois equipara-se ao de George Oppen? Aquele que parecia também crer que poesia e política são incompatíveis? É isso o que dizia a personagem de Glauber Rocha em Terra em Transe? A poesia e a política são demais para um único ser humano? É por isso que Oppen abandona a poesia por vinte anos para dedicar-se ao ativismo político? Ninguém aqui, além de nós, as galinhas? O poeta está ofendido? O poeta é inofensivo? Você teria coragem de dizer isso a Ossip Mandelshtam, que morreu na Sibéria por causa de um poema? Você é pós-utópico? Se o é, você é também trans-histórico? Que dia é hoje no seu poema? Você também acredita que a vanguarda foi apenas um afrodisíaco para a tradição? Escrever sonetos ou concretos tem implicações políticas? Política é conteúdo ou política é forma? Essa pergunta é a mesma se mudarmos o substantivo "política" pelo substantivo "poética"? Talvez a ética da escrita configure-se nesta resposta? Mais radical o silêncio ativista de George Oppen ou o ativismo em voz alta de Ulrike Meinhof? Também te perturba imaginar esta escritora pacifista tornando-se uma das líderes da Facção do Exército Vermelho? O que leva um poeta a decidir que palavras não bastam? O que leva uns a recorrerem a poemas (como Murilo Mendes), uns ao Senado (como W.B. Yeats), outros à organização de greves (como George Oppen) e outros ainda à luta armada (como Ulrike Meinhof)? A poesia silencia diante do mundo dos eventos? Poesia pura é ativismo e resistência? O que diabos queria dizer Adorno com a impossibilidade de escrever poesia após Auschwitz? Você esteve em Búzios hoje? Você já saqueou Celan esta semana? Insistir na inutilidade da poesia como única forma de resistência? Poesia resistência? A negação do caos presente pela nostalgia da Idade de Ouro de um passado mitificado? Ou a negação do caos presente pela invocação da parúsia, da revolução? Resistência pela negação e não-participação, como queria Theodor Adorno no ensaio “Lírica e sociedade”? Lorca foi mesmo assassinado como poeta lírico, ou foi o dramaturgo dissidente e inimigo dos valores de direita que os fascistas precisaram silenciar? Há diferença entre o Lorca do Romanceiro Gitano e o Lorca de A Casa de Bernarda Alba? Você simpatiza com a revolução? Você está sendo filmado? Você já confundiu o espaço público com seu espaço privado hoje? Vladimir Maiakóvski encontra Ezra Pound contra a usura? Oh 1930s, with Usura hath no man a house of good stone? Oh 1960s, with Capitalism hath no man a house? Oh 2000s, with Globalization hath no man a no? O que Ludwig Wittgenstein queria realmente dizer ao afirmar que ética e estética são uma só? Quando um poeta levanta-se da cama pela manhã, ele reencena diariamente o “salto participante” proposto por Décio Pignatari? À direita ou à esquerda, de que lado está o poeta, e isto define se é político ou não? Estava sendo político o cavalier Richard Lovelace ao escrever o poema lírico “To Althea, from Prison”? Como Tomás Antônio Gonzaga escrevendo a segunda parte de “Marília de Dirceu” na prisão? Ou são mais políticas as Cartas Chilenas? Oh Shelley, ninguém quer reconhecer tua legislação mundial? Quem inaugurou o poeta-Cassandra? “L`Albatros” himself, Baudelaire? Rimbaud, o desajustado? O adolescente loiro? O amante de Verlaine? O contrabandista de armas na África? É mais político oralizar estas perguntas ou publicá-las em escrita? Em que momento o poeta exila-se ou é expulso da República? Em que momento o poeta épico deixa de fundar a nação para fundi-la e findá-la? O planalto central do Brasil desce em escarpas abruptas? Você gostaria de ser o Maudsley dos nossos crimes nacionais? Te aborrece tudo quanto seja público? Você estampa teu miocárdio privado em cada muro público? Gregório de Matos entoando “Triste Bahia! Ó quão dessemelhante / Estás e estou do nosso antigo estado!”? Ou seu racismo na estrofe seguinte anula o ato? Tristan Tzara, Hans Arp e Hugo Ball entoando DADA em atas estavam uivando pela utopia ou destoando da distopia? A política do poeta está no questionamento formal? Ou seria melhor discutir os suportes para a poesia, como métodos de publicação e distribuição e financiamento? Tudo isso tem implicações, como querem os poetas da revista L=A=N=G=U=A=G=E? Onde te ocultas, precária síntese, penhor do meu sono, luz dormindo acesa na varanda? Poeta bom é poeta morto? Poeta bom é poeta universal? Ou mulher escreve como mulher, viado como viado, negro como negro, macho como macho? Você é um poeta aristocrático? Que ação nos é possível? Mas, ora, escrever poesia já não é ativismo e resistência? The poet cannot set a statesman right mas pode dificultar-lhe os abusos? Você já leu os jornais hoje? Você traduz "news that stays news" por "novidade que permanece novidade" ou "notícia que permanece notícia"? O caminho da sátira é o único para uma poesia abertamente política? Será tudo culpa do nosso vocabulário ou será tudo culpa de Kate Moss? Podemos aprender com a sutileza política de Machado de Assis e Clarice Lispector? Podemos parafrasear Lispector e dizer: eis que o poeta está feliz, pois finalmente desiludiu-se? Se vivemos um momento pós-utópico, tanto melhor? Vamos começar a escrever uma poesia pré-distópica?



Ricardo Domeneck, Berlim, 2009, vigésimo aniversário da Queda do Muro.


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