terça-feira, 22 de junho de 2010
Digitalizando as perguntas, digitalizando as respostas
Amanhã, quarta-feira, dia das intervenções semanais que nosso coletivo organiza, temos como convidados especiais em nossa SHADE inc o duo AIDS-3D, formado pelos jovens norte-americanos Daniel Keller, nascido em Detroit, e Nik Kosmas, nascido em Minneapolis, ambos em 1986. Eles vivem em Berlim há cerca de dois anos. O duo faz parte de uma geração de jovens artistas que primeiro tornou-se conhecida na Internet, conquistando seu primeiro espaço em revistas eletrônicas, plataformas digitais, para então passar a receber convites para galerias e bienais. Tem se tornado comum, por exemplo, que videoartistas mostrem primeiro em portais como o Youtube ou Vimeo suas intervenções em vídeo, para depois mostrá-las em galerias ou espaços institucionais.
(O duo AIDS-3D na Bienal de Veneza, em 2009)
O trabalho dos meninos do AIDS-3D é um tanto inclassificável. Em sua página eletrônica, encontramos faixas de música, fotos de instalações e esculturas, mas sua "fama" reside mais em suas instalações em 3D, investigando novas (e também velhas) possibilidades através da arte digital. As discussões aqui seriam intermináveis, sobre mimese, simulacro, e todos conceitos que já se tornaram comuns em discussões da arte contemporânea. Amanhã, eles prometem um concerto sobre nosso palco, mas com elementos visuais e digitais.
("Jerusalem 2012", performance holográfica do duo AIDS-3D)
§
As possibilidades da arte digital me interessam muito, assim como aos meus colegas no coletivo. O vídeo digital é central, por exemplo, para o trabalho do meu comparsa de coletivo Niklas Goldbach, que o usa para criar alertas pré-distópicos, numa espécie de Apocalipse Yesterday, contra a sociedade uniformizada e gentrificada que está se formando, clara distopia que tenta esconder-se sob lemas como o de "liberdade de mercado".
("Intruders", de Niklas Goldbach, 2007)
No trabalho de outro comparsa do coletivo, Daniel Reuter, a arte digital mistura-se com a performance e a instalação. No meu caso específico, tenho usado as possibilidades digitais, na verdade, para retornar a antigas poéticas da tradição, que acabaram desprestigiadas pela cultura literária, que Paul Zumthor chamaria, na verdade, de livresca. Meu uso das possibilidades digitais ocorre na tentativa de pesquisar elementos que estão na tradição poética há séculos. Alguns críticos ainda se prendem muito à questão do "novo", quando falam das "novas possibilidades digitais", mas não creio que haja contradição em usar as novas possibilidades digitais para investigar poéticas milenares, ligadas à oralidade e à performance. Já tentei cunhar os termos "multimedieval" ou "mídiaval", para deixar claro que minha poética está ligada à poética medieval, uma tradição que foi esquecida ou muitas vezes distorcida pelas ondas de neoclassicismo posteriores. Uso a arte digital para pesquisar uma est-É-tica que remonta a poetas como Taliesin (534 - 599), Guilherme IX da Aquitânia (1071 – 1126), Arnaut Daniel (1150 - 1210) ou Guido Cavalcanti (1250 - 1300), e então, a partir deles, até chegarmos aos grandes resgatadores da poética medieval: os dadaístas, como Hugo Ball e Kurt Schwitters.
(Ricardo Domeneck - "Six songs of causality", ao vivo no Espai d´Art Contemporani, em Castelló, Valência, Espanha) ---- poética que eu gostaria de crer "multimedieval", ou pelo menos herdeira, mesmo que indigna, dos poetas medievais, seja de um "britânico" como Taliesin, um islandês como Egill Skallagrímsson ou um occitano como Raimbaut de Vaqueiras.)
É um pouco irritante quando críticos perdem tanto tempo com essa discussão sobre o que é "novo" e o que não é, como se isso encerrasse o debate crítico ou fosse o valor mais importante de um trabalho, essa crença confusa e ingênua de que as vanguardas históricas eram meras buscas por cheap thrills novidadeiros. Muitos destes críticos sequer têm um conhecimento verdadeiro da poesia medieval, das poesias fora dos centros europeus, ou da poesia sonora contemporânea.
A noção de vanguarda propagada no Brasil ainda se concentra nesta militarização linearizante da história poética, algo que os poetas concretos, por quem tenho tanto respeito, não ajudaram a dissipar.
Entre os poetas brasileiros trabalhando com novas possibilidades tecnológicas, alguns as usam para retornarem a poéticas milenares, da oralidade e performance, como é o caso do poeta mineiro Ricardo Aleixo, que usa o vídeo muitas vezes para registrar trabalhos poéticos que passam pelas vanguardas históricas para se alojarem em poéticas ligadas, por exemplo, aos griots africanos. Isso ocorreu, no Brasil, muito mais entre "artistas visuais" que entre poetas, e penso aqui em Arthur Bispo do Rosário, Hélio Oiticica, Lygia Clark e José Leonilson. Dentre os poetas trabalhando nesta linha, poderíamos mencionar Marcelo Sahea, Márcio-André, Wladimir Cazé, entre alguns outros.
(Ricardo Aleixo, "descontinuidades número 1")
Augusto de Campos foi, entre os concretistas, o que mais investigou as possibilidades de uso de novas tecnologias e técnicas. Em alguns casos, como em poemas como "lygia finge" e outros daquela época, sua poética está completamente ligada à est-É-tica medieval, creio, algo que Eduardo Sterzi discutiu de forma muito interessante em seu ensaio para o volume Sobre Augusto de Campos (Rio de Janeiro: 7Letras, 2004), com organização de Flora Süssekind e Júlio Castañon Guimarães.
("dias dias dias", texto de Augusto de Campos, oralizado por Caetano Veloso)
Philadelpho Menezes (1960 - 2000), assim como hoje em dia Ricardo Silveira e André Vallias, entre outros, pesquisam de forma bastante assídua o que se poderia chamar de renovação com o uso das novas tecnologias, seja em termos de criação como de distribuição. A revista Errática, editada por Vallias, é uma plataforma valiosa para esta poética no Brasil.
Na Europa, o uso de novas tecnologias passa por alguém como Henri Chopin, que usou fitas magnéticas para retornar ao elemento mais primordial da poesia: a respiração antes da palavra, ou sua união em vocábulo.
(Henri Chopin no Festival de Poesia de Berlim, em 2003)
Outros, ainda na França, como o veterano Bernard Heidsieck e os mais jovens Christophe Fiat e Anne-James Chaton, usam a poesia oral e sonora para praticar uma poética que já chamei de pós-bárdica.
(Anne-James Chaton, "évênement nº1", ao vivo em Barcelona, 2001)
E há ainda os que têm investigado poéticas que são, ao mesmo tempo, milenares e novas, como é o caso do austríaco Jörg Piringer. Este vídeo-poema abaixo, de 2004, parece-me uma peça de poética pré-distópica, e bastante assustadora, pessoalmente, desde a primeira vez que a vi. É uma das maneiras como imagino o fim do mundo.
(Jörg Piringer, "Broe Sael", 2004)
Novos ou tradicionais, estas são todas poéticas NECESSÁRIAS. Junto com aqueles poetas excelentes que se mantêm sobre a página, pesquisando as muitas e múltiplas possibilidades da escrita, como Juliana Krapp, Angélica Freitas, Érico Nogueira, Dirceu Villa, Marco Catalão, João Filho, Eduardo Jorge, Marília Garcia, Fabiano Calixto, Diego Vinhas, Carlito Azevedo, Marcos Siscar, e tantos outros. Este texto não é proposta de canonização. Parafraseando Drummond:
PRECISAMOS DE TODOS.
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4 comentários:
Estamos aqui!
joão! pois agradeço aos céus todos os dias pela existência de vocês!
beijo grande a espero que tudo esteja bem com você.
abraço
ricardo
caro ricardo,
agradeço pela menção, ainda que ela se deva muito mais à sua generosidade do que a meu escasso talento.
um grande abraço,
marco.
Não há motivos para agradecer, caro Marco. Espero que você esteja bem.
grande abraço
R.
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