sábado, 19 de junho de 2010

Monumento ao ibuprofeno e outros irmãos químicos



Após os excessos de ontem à noite, nada melhor que litros de água e uma bela dieta de ibuprofeno, na falta de minha querida aspirina. Não é apenas a dor de cabeça cabralina que me assola, mas também aquela deliciosa garganta que decide tornar dolorosa a mera tentativa de engolir uma sopa. Senti vontade de reler aquele poema brilhante do João Cabral, "Num monumento à aspirina", do livro A Educação pela Pedra (1966).

Num Monumento à Aspirina
João Cabral de Melo Neto

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.

Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.



Enquanto isso, vou também escutando o novo álbum dos nerds britânicos Chemical Brothers. Eu já estava achando que seu trabalho estagnara, depois dos dois últimos álbuns sofríveis, mas este Further (2010), com oito faixas e vídeos, mostra que os master nerds de álbuns inovadores para a música pop como Exit Planet Dust (1995) e Dig Your Own Hole (1997) ainda estão em plena capacidade de fazer dançar. Comento e mostro o vídeo para o primeiro single, além da minha faixa favorita no álbum, chamada "Escape velocity", com 12 minutos, na plataforma digital de nossa SHADE inc, assinando como Kate Boss, meu codinome de DJ. Mostro aqui o primeiro single e vídeo oficial, para a faixa "Swoon".



"Swoon", do álbum Further (2010), dos Chemical Brothers.


Agora acho que vou tomar mais um ibuprofeno, querido irmão químico.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Ricardo Domeneck,
Sou uma grande admiradora de sua estética há quase três anos, quando, através de um amigo, travei conhecimento com um das obras mais determinantes para a minha concepção de mundo e de escrita: o "Carta aos anfíbios". Na época eu contava apenas com o imaturo entuasiasmo de adolescente, mas seu livro me trouxe o doce choque da reveleção. Agora: imensamente feliz, por lhe descobrir nesse espaço (para mim, ainda novo).
Hortência

Ricardo Domeneck disse...

Hortência,

fico muito feliz com sua mensagem, especialmente por você mencionar o "Carta aos anfíbios", que é aquele filho preferido, sabe? Fico às vezes até surpreso quando as pessoas dizem que leram este meu primeiro livro, pois ele saiu por uma editora pequena, sem muita distribuição. Saber que alguém também jovem leu o livro com prazer me deixa muito contente, já que eu ouço tanto que meu trabalho é "difícil"... espero que a descoberta deste espaço aqui não a decepcione.

abraço

Ricardo

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