terça-feira, 24 de julho de 2012

"As alegrias transeuntes", poema em andamento como tudo em nossa vida nada definitiva

g
"Michael com poeta ao fundo", fotografia de Adelaide Ivánova, julho de 2012.


Há cerca de duas semanas, encontrei um amigo na rua e ele perguntou como eu estava. Eu respondi que estava feliz. Ele, sabendo exatamente o porquê, retrucou: "e esta felicidade dura até quando?", ao que eu disse: "Até o dia 24 de julho".

E foi assim que hoje às 12:25, esta felicidade tão particular em sua carnadura e contexto acabou. Logo após o meio-dia – quando o sol chegara a seu cimo e começara sua descida, eu abracei talvez pela última vez (é tudo tão incerto, dissera Clarice Lispector naquela assustadora entrevista) e me despedi no aeroporto de Berlim de alguém que trouxe muita alegria à minha vida nos últimos meses. Uma dádiva, um presente. Ou, parafraseando aquela canção de Aimee Mann, alguém perfeito para quem andava precisando de um torniquete.

Algumas pessoas são tão generosas. Trazem tanto em suas mãos abertas, crendo-as vazias. É justamente a palma com seus dedos abertos o presente, não qualquer outra coisa que não nascera e crescera ali naquele suposto deserto para um mundo que só confia em mãos cheias e ocupadas. Então, é numa espécie de ação de graças ao meu semelhante que eu posto aqui, no espírito de work in progress tal como tudo em nossa vida, o poema que comecei a escrever hoje ao deixar o aeroporto com o olhos almodovaricados, e também a canção que ele cantarolava quando nos conhecemos, tão apropriada para o que nos sobreveio. Obrigado, Michael, por este compartilhado de esperança na generosidade do futuro.


As alegrias transeuntes

       a Michael Potter

A velocidade
dos fatos foi hoje
tão desnorteante
que também
desoesteou-me
dessuliu-me
desesteou-me
a 52° 31N 13° 24' E
ao carregá-lo
malas vento e cabelos
a  44° 40N63° 36W
mais justo seria
dizer que afinal
norteei-me
que o Ocidente
ora passa a ter nova
capital e estende-se
por portos que eu
até então desconhecera
que minha geografia
mental expandiu-se
como sói ser
imperialista o mapa
dos nossos lucros
e perdas ainda
que todos estes
acenos de mão
em aeroportos
pouco a pouco
venham causar-me
lesão por esforço
repetitivo eu 
me pergunto
qual o diâmetro
que percorre a dor 
que se comparte
você tão jovem
com seus doravantes
e eu já dependente
de leis com efeito
retroativo
mas sua partida
aloja outro nome 
em minha garganta
como se um estreito
repentino abraçasse 
uma península


Ricardo Domeneck, 24 de julho de 2012, a 52° 31N 13° 24' E,  poema que começou a ser escrito como o poema sobre o qual debruça-se também apenas começara a ser escrito quando teve que ser interrompido pelos eventos da vida.

§





Kiss And Say Goodbye
Kate and Anna MacGarrigle


Call me when you're coming to town
Just as soon as your plane puts down
Call me on the telephone
But only if you're travelling alone
Counting down the hours
Through the sunshine and the showers
Today's the day
You're finally going to come my way

Let's make a date to see a movie
Some foreign film from gay Paris
I know you like to think you've got taste
So I'll let you choose the time and place
Have some dinner for two
In some eastside rendezvous
Then we'll walk
Arm in arm around the block and talk

Tonight you're mine
Let's not waste time

I do believe the dice is cast
Let's try and make the night-time last
And I don't know where it's coming from
But I want to kiss you till my mouth get numb
I want to make love to you
Till the day comes breaking through
And when the sun is high in the sky
We'll kiss and say goodbye

.
.
.


2 comentários:

Sebastião Ribeiro disse...

Gosto tanto quando a poesia faz com que poeta e leitor façam parte de algo, como uma novela talvez. Desejo que tudo dê certo, Ricardo. E que possamos prestigiar um novo poema inspirador de sua parte (e dos envolvidos, que levam e trazem os motes desta função de poeta).

Sebastião Ribeiro disse...

Gosto tanto quando a poesia faz com que poeta e leitor façam parte de algo, como uma novela talvez. Desejo que tudo dê certo, Ricardo. E que possamos prestigiar um novo poema inspirador de sua parte (e dos envolvidos, que levam e trazem os motes desta função de poeta).

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