sexta-feira, 13 de julho de 2012

Dois poemas recentes de Angélica Freitas


mijo
(um poema urgente)


1.

uma mulher não deve mijar
deve fazer xixi

2.

uma mulher faz xixi
não mija
mas em banheiros públicos
a mulher acaba que mija

3.

uma mulher faz xixi
porque é mais sexy
mas quando é incontinente
a questão se torna irrelevante

4.

conheço uma mulher
que mijava
mas dizia por aí
que fazia xixi

5.

mijei no balde
foi libertador
mijei no balde
dentro do elevador
mijei com vontade
sim senhor
hoje
sou outra mulher

6.

xixi, mijo, urina: como queira chamar
se tiver nojo e a água acabar
se quiser viver vai ter que tomar
mijo. se quiser pode dizer
xixi ou guaraná

mas continua sendo mijo

7.

nisso tudo eu pensava
a caminho do banheiro
após ter lido uma frase
do marcelo rubens paiva
será que ele mija, o marcelo?
com certeza deve mijar
mirando as estrelas, será?
fazendo desenhos no ar?

(quem se importa?
eu não me importo)


8.

outra questão a se especular
quando acontece dormindo
é xixi ou mijo?
dependerá do fluxo?
da quantidade?
qual o critério?
outra coisa que direi
como aviso ou comentário:
mija-se desperto ou dormindo
peidar só se pode acordado


março de 2011
provavelmente


§

Micro-ondas

explicar o brasil a um extraterrestre:
tua cara numa bandeira. te saberiam líder
e te dariam cabo: parte suja
da conquista.
mas já foi, de outra maneira: vista aérea
da amazônia, vinte e tantas
hidrelétricas
pros teus ovos fritos no micro-ondas.
e te dariam cabo: parte certa
da conquista.
e se vieram mesmo
pra conhecer as cataratas?
ou pra aprender com a nata
como se faz uma democracia?
as naves tapam o céu completamente.
todos os escritórios
e todas as lojas de comidas rápidas
decretam fim de expediente.
baratas e ratos
fugiram antes.
é natal, carnaval, páscoa
nossa senhora aparecida e juízo final
tudo ao mesmo tempo.
amantes se comem pela última vez.
caixas eletrônicos vomitam a seco.
o supermercado era um cemitério!
os shoppings, os engarrafamentos!
explicar o casamento igualitário
a uma iguana, explicar
alianças políticas a um gato, explicar
mudanças climáticas
a uma tartaruga de aquário.
já está. agora espera.
toma um activia.
mora na filosofia. imagina!
num país tropical. péssimo!
não rio mais. trágico!
piores que gafanhotos
suas maravilhas hidrelétricas serão
vistas, em chamas, de sírius:
“o meu país era uma pamonha
que um alien esfomeado
pôs no micro-ondas.”
queime-se.
é um epitáfio possível.

Angélica Freitas, 2012. Publicado originalmente no blogue da Cosac Naify. A editora paulistana lançará, no segundo semestre, o segundo livro da poeta e coeditora da Modo de Usar & Co., intitulado um útero é do tamanho de um punho.


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