Guilherme Gontijo Flores (n. 1984)
Com 30 anos completados este ano, o brasiliense Guilherme Gontijo Flores já pode, em minha humílima opinião, ser contado entre os mais importantes intelectuais de sua geração. Estreou no ano passado com o volume brasa enganosa, livro que foi saudado em várias resenhas (a mais recente no Diário da Manhã, 27.12.2014, outra, mais antiga, na Gazeta do Povo, 14.07.2013) e concorreu a alguns prêmios. Mas, se celebro sua existência aqui, deve-se ainda ao fato de Gontijo Flores ser hoje um dos melhores tradutores do país, tendo-nos dado a tradução completa das Elegias de Sexto Propércio, além da premiada tradução da Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, traduções para Horácio, e outros, incluídos na vindoura antologia Poesia Homoerótica Latina, a sair pela excelente editora Autêntica em 2015. Além disso tudo, ele é coeditor da revista escamandro, uma das melhores a surgir no país nos últimos anos, e na qual também publica traduções esparsas de poetas clássicos e modernos.
Seu primeiro livro é realmente uma bela estreia, mas os poemas que vem escrevendo desde então tomam minha atenção com muito mais força. Seu segundo livro será uma contribuição ainda melhor, estou certo disso. E é desses poemas mais recentes que tomo dois de meus favoritos, publicados pela primeira vez na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., com a qual o brasiliense já colaborou algumas vezes.
Dessarte segue minha série Poesia Nata nos 80.
Seu primeiro livro é realmente uma bela estreia, mas os poemas que vem escrevendo desde então tomam minha atenção com muito mais força. Seu segundo livro será uma contribuição ainda melhor, estou certo disso. E é desses poemas mais recentes que tomo dois de meus favoritos, publicados pela primeira vez na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., com a qual o brasiliense já colaborou algumas vezes.
Dessarte segue minha série Poesia Nata nos 80.
DOIS POEMAS RECENTES DE GUILHERME GONTIJO FLORES (Brasília, 1984)
A vida & as opiniões do barnabé guilherme gontijo flores servidor do estado
1.
Não fui criado para o filho certo
nem para o único
& mesmo assim em algo o sou
ainda que isso nada diga
de mim de outro estulto qualquer
eu não me congratulo
pois cada meu fracasso
não fora antes planejado
porém não disse nada inusitado
& em cada passo armado
o risco de cair
se deu como a delícia
por descumprir a sina ignorada
O tédio não foi bom
nem mau nem meu nem médio
& confesso que nunca
pensei pular do prédio
para espetáculo da turba
que ajuntada na pressa
logo estaria estupefatamente
desinteressada
Eu pensei no passado
aquela velha igreja por exemplo
eu muito mais me a adentro
do que alguma vez
pisei no seu mistério
& cada templo em que passei
mais parecia a casa
envelhecida dentro de um museu
como aquela matriushka que nunca tive
porque estava em outra parte
falseando outra história
Eu não sorvi do sangue das vitórias
eu nem mesmo as contei
em nada fui desapontado
& creio não desapontei
na tarefa tão árdua de um abraço
eu recuava ao tempo da família
dos quadros apagados
dos nomes sem memória
& de um brasão talvez
perdido nas gavetas inventadas
de algum antepassado
que hoje sumiu sem deixar traço
& sem abrir no espaço
uma ferida falsa
à qual eu me apegasse
toda história é cansaço
2. Quanto à canção de amor
A tua ausência me dói
seria mais uma frase
de merda para qualquer
parte do poema qualquer
que nem penso em escrever
& ainda assim eu escrevo
aqui agora & inútil
justificá-la por frase
feita com sinceridade
do meu estoque mental
falacioso e mais fácil
do que a dor sim verdadeira
de pensar não te pensar
por saber que a tua ausência
todos bem sabem sequer
existe logo não me
nada & por isso eu prefiro
tua lembrança me dói
tanto que canto pra ver
se soa menos banal
cantar um outro estribilho
tua presença me dói
tanto quando entra pelos
sete buracos da minha
cabeça igualzinha a este
sabonete que hoje entrou
por apenas um buraco
tão ínfimo da cabeça
(no desatento do banho)
do meu pau & assim presente
quanto inútil é que se fez
dentro de mim como eu mesmo
que só resta rejeitá-lo
& falsamente voltar
a mijá-lo talvez por
gozar talvez dessa dor
que por sair é que dói
nesta cena tão dolor
osamente repetida
3. Finale glorioso
Só falamos ou quase
de mim você ficou
na sombra como os pais
da égua inominada
do clint eastwood naquele
banguebangue que você
gostava & agora já não lembra
qual era o nome mesmo?
então façamos só você & eu
mais um experimento
para encerrar o expediente
seria assim apenas
pro teu contentamento
de leitor pró-ativo
com nome jubiloso
algo como poética
do reconforto sim?
pois pegue um bom copo portátil
(de alumínio cria um
melhor efeito ao texto)
retire a tampa & monte
até ficar perfeito
encha o seu copo até a boca
& meta a boca nele
tome uns 2 ou 3 goles
daquela mesma água
(pouco importa o sabor
eu prefiro pensar
que seja água da talha)
já chegamos ao ponto
desfaça o copo de uma vez
e veja como a água que
se espalha no carpete
(imagine um carpete)
seja agora a melhor
metáfora da tua vida
você sorriu? você
voltou a pensar se
cortaria os teus pulsos?
você não acha mesmo que a sua
vida não serve de metáfora?
§
cansós
1
não pense que agrada tanto
nunca sucumbi a um servo
nunca lancei
abraços nessa cruz
coisa de matronas
que beijam
marcas de chicotes
eu
mesmo sendo criada
só cavalgo cavaleiros
2
no peito tímido
meu mugido de cervo
enlouquecido em extravios
minha descara
& a donzelice (dentr’
outras cousas)
mui bem perdida
nas ondas do mar de vigo
– a mais feliz vaga do mar de vigo –
& eu bem queria, mãe
que ao me levar
você me jogasse
nesse mar cruel
& inchado
das ondas purpúreas
.
.
.