domingo, 30 de março de 2008

The Century of the Self - Adam Curtis

Adam Curtis is one of the best British documentary makers in activity.
Adam Curtis é um dos melhores documentaristas britânicos em atividade.


This series made for the BBC is called "The Century of the Self" and investigates the impact of Freud and his ideas on the 20th Century, but also the activities of other members of the Freud family (his daughter Anna Freud and his nephew Edward Bernays) and how psychoanalysis was used in commercial and political maneuvers.
Esta série, feita para a BBC, chama-se "The Century of the Self" e investiga o impacto de Freud e suas idéias no século XX, além das atividades de outros membros da família Freud (sua filha Anna Freud e seu sobrinho Edward Bernays), e como a psicanálise foi usada em manobras comerciais e políticas.

Here, the 6 parts of the first episode, called "Happiness Machines".
Mostro aqui as 6 partes do primeiro episódio, chamado "Happiness Machines".

The Century of the Self, by Adam Curtis: First Episode - Happiness Machines












sexta-feira, 28 de março de 2008

Poem for Damien Spleeters (2008)

Poem for Damien Spleeters - Ricardo Domeneck, 2008.


domingo, 23 de março de 2008

poesia em fuga da alcatraz de papel

« Mais velho que andar para a frente », dizia minha mãe. Poesia? Em papel? Não, porque a poesia de papel é novinha, se comparada à poesia em performance, ou a poesia sonora, pois foi assim que a poesia existiu por séculos, incorporando a cada novo contexto a inovação técnica que a ciência lhe dava. A certa altura, o papel. (O seqüestro da poesia como parte da Literatura é muito recente) Para registro. Para divulgação. Como em certo momento histórico um homem ou vários compilaram a tradição oral que gerou a Odisséia? Para que a lira de Safo sobrevivesse? A de Arnaut Daniel? A de Gregório de Matos? Por que a poesia não seguiria incorporando a seu trabalho de intervenção-linguagem as novas tecnologias dos novos contextos?


(poema sonoro e visual de Jörg Piringer)

Demonstração das possibilidades criativas para o trabalho da poesia em outras mídias, crendo na poesia como trabalho e intervenção na linguagem, independente do papel como suporte para divulgação e distribuição. Se o livro e a página seguem sendo este suporte eficiente para o trabalho poético, eles também trouxeram, ao longo dos séculos, características bastante específicas para o trabalho do poeta, que dificilmente dissociam-se, hoje, da poesia em si, privilegiando certos aspectos desta em detrimento de outros.


(First Screening, de bpNichol)

Basta pensarmos que a poesia escrita (ou literária, digamos) não carrega, geralmente, rótulos. É chamada, de forma ilusoriamente essencialista, simplesmente de p-o-e-s-i-a, e seus praticantes muitas vezes desconhecem toda a tradição poética que privilegiou o som e a performance, elementos do trabalho poético muito anteriores aos aspectos visuais surgidos com o “papel”.


("Karawane", poema fonético de Hugo Ball, interpretado por Marie Osmond)


Com a exceção de certos trabalhos esparsos de Augusto de Campos entre os concretos, apenas nas últimas duas décadas surgiria um número maior de poetas interessados naquilo que se chama de "poesia sonora" ou “poesia em performance”, para diferenciá-las do trabalho poético baseado no papel, com seus suportes da página e livro. Philadelpho Menezes, infelizmente já falecido, Arnaldo Antunes e Ricardo Aleixo são exemplos de poetas ativos a partir das décadas de 80 e 90 com um trabalho consciente e consistente neste campo.


(Maja Ratkje em performance)

A poesia experimental no Brasil tende a privilegiar a pesquisa visual acima de tudo e deu à poesia mundial uma contribuição incontornável e inesquecível, para quem queira compreender a poesia de hoje. È necessário dizer, no entanto, que o "verbivocovisual" dos poetas concretos foi, sim, esta contribuição importante, mas avançou pouco na pesquisa de uma poesia sonora no Brasil, se comparada à de outros poetas concretos como Henri Chopin e Bob Cobbing.



(performance de Henri Chopin)

Parece-me que o "voco", o "sonoro" da poesia concreta funcionava muito mais como "adendo", digamos, ao trabalho visual e verbal, com a exceção (faz-se necessário repetir, especialmente para os bisnetos defensores de plantão) de trabalhos importantes de Augusto de Campos.


(Greve, de Augusto de Campos)

Com o surgimento de novas tecnologias como o vídeo à disposição dos poetas (como o papel foi também, a seu tempo, uma inovação técnica) podemos imaginar que o trabalho com a poesia possa atingir uma unidade poética apenas sonhada na década de 50. Entre os poetas trabalhando hoje com vídeo, podemos citar o brasileiro Henrique Dídimo, que vive e trabalha em Fortaleza, a argentina Silvana Franzetti (Buenos Aires), a peruana Roxana Crisólogo, o austríaco Jörg Piringer, ou os videastas americanos Gary Hill e Bill Viola, que trabalham muito próximos do que ainda poderíamos chamar de poesia.


(fragmento de Soundings, de Gary Hill)

Estes poemas mostram-se também como exemplos do "poeta que faz" com a língua, ao invés do "poeta que diz" através dela. Não há metaforização ou retorno a ideias poéticos do século XIX, como em certos poetas brasileiros envolvidos em revistas como a Zunái, que divulga e defende uma poesia neo-simbolista, não muito distante do decadentismo do fim do século retrasado, com o mesmo tipo de linguagem ilusoriamente pura, descontextualizada e praticante dos exotismos orientalistas de poetas do fim do século XIX e início do XX. Ainda que defendam o "vanguardismo", estes poetas estão mais próximos da mesma negação do modernismo perpetrada pela so called Geração de 45.


(Cross Rhythm and White Noise, de Nobuo Kubota e W. Mark Sutherland)

Em poemas como estes, o poeta passa a agir por uma poética de implicaçoes, por poemas em que não há como buscar o "texto-fantasma" de sua exegese. Nas palavras de Jacques Roubaud: "O poema diz o que diz, dizendo-o". Poesia não é parte da literatura. A literatura é que é apenas uma parte da poesia. Parte moribunda, diga-se de passagem, e é por isso que mesmo a poesia-escrita (que sigo amando e praticando) mais interessante de hoje está se afastando da prática literária-beletrista da mera "escrita poética". Desbeletrizar a poesia parece-me inevitável, necessário e, acima de tudo, muito divertido.


Ricardo Domeneck

sábado, 22 de março de 2008

La tercera salida de Don Portishead



"Machine Gun", primeiro single do novo álbum do Portishead, chamado Third. A espera de mais de dez anos está próxima do fim.

quinta-feira, 20 de março de 2008

segunda-feira, 17 de março de 2008

Poemas de Friederike Mayröcker



Friederike Mayröcker nasceu em Viena, Áustria em 1924. Seus primeiros textos publicados surgiram na revista Plan, a partir de 1946. Manteve um diálogo com os poetas do Grupo de Viena mas não se filiou ao grupo. Conhece em 1954 o poeta Ernst Jandl, com quem viveria até a morte deste no ano 2000. Seu trabalho afasta-se muitas vezes da sintaxe normativa. Alguns de seus livros de poemas mais importantes são Tod durch Musen (1966) e Winterglück (1985). Está entre os poetas vivos mais respeitados da língua, e recebeu o prestigioso prêmio Georg Büchner em 1991. A editora Suhrkamp publicou seus Poemas Reunidos (Gesammelte Gedichte) em 2004. Friederike Mayröcker vive em Viena.




Às vezes por quaisquer movimentos
acidentais
roça minha mão sua mão o dorso de sua mão
ou meu corpo enfiado em roupas encosta-se quase sem saber
um piscar-de-olhos em seu corpo de roupa
estes minúsculos movimentos quase vegetais
seu olhar de ângulos e suas pupilas de propósito
vagam no vazio
sua pergunta logo de início interrompida aonde você
viaja no ver
ão
o que você está lendo
atravessam-me o peito em cheio
e através da garganta como uma doce faca
e eu resseco por completo como um po
ço num verão escaldante


Manchmal bei irgendwelchen zufälligen
bewegungen

streift meine Hand deine Hand deinen
Handrücken
oder mein Körper der in Kleidern steckt lehnt fast ohne es zu wissen
einen Augenblick gegen deinen Körper in Kleidern
diese kleinsten beinahe pflanzlichen Bewegungen
dein abgewinkelter Blick und dein Auge absichtlich ins Leere
wandernd
deine im Ansatz noch unterbrochene Frage wohin fährst du im Sommer
was liest du gerade
gehen mir mitten durchs Herz
und durch die Kehle hindurch wie ein süszes Messer

und ich trockne aus wie ein Brunnen in einem heiszen Sommer





a uma papoula em meio à urbe

de meus crânios brota
a pirotecnia das lágrimas, o
lilás enferruja-se, o ligustro
sopra, a camuflagem do verão sugere temporais -
coroa-de-espinhos fecunda o campo, os
estorninhos caem, mosquitos
zunem em meio às sar
ç
as, a
florada murcha duma
nuvem coroada de cerejas
esverdilhas -
incluindo heráldicas águias-bicéfalas
em relevo - retratos em cerâmica rubra - esfarela-se
o muro do cemitério
apoiado apenas na sempre-viva
hera -
ao vento vertical quilhágil
páira
meu peito falconiforme a pupilar presas

an eine Mohnblume mitten in der Stadt

aus meinen Köpfen sprieszt
das Feuerwerk der Tränen, der
Flieder rostet, der Liguster
weht, die Camouflage des
Sommers läszt Gewitter ahnen -
Wolfsmilch besamt die Flur, die
Stare fallen, Mücken
flirren im Dorngebüsch, das
abgewelkte Blühen einer
Wolke von erbsengrüner Kirschenfrucht
gekrönt -
samt aufgeprägten kaiserlichen
Doppeladlern - Portraits auf roten Ziegeln - bröckelt
die Friedhofsmauer ab
gestützt nur noch von immergrünen
Efeuranken -
im Aufwind flügelschlagend
steht
raubvögelgleich mein Herz nach Beute äugend



Preferível viajar no pensamento, Hokusai
às costas, ou sob a lâmpada,
caminhar ao pé do Fuji e lançar o olhar
sobre o pico nevado, as sete-léguas
molhadas, geladas, a gola enrugada.
Como, eu pergunto, exploração duma distância
com os próprios pés, como, eu pergunto, experiência duma distância
com os próprios olhos. Como conciliar sede da distância

com sedentariedade. Como, pés e olhos,
tristeza e vontade.


Lieber in Gedanken reisen, Hokusai
auf dem Rücken, oder unter der Lampe,
laufen zu Füszen des Fuji und blicken hinauf
zu verschneiter Spitze, die Schnürstiefel
feucht und kalt, die Halskrause welk.
Wie, frage ich, Erkundungen einer Ferne
mit den eigenen Füszen, wie, frage ich, Erfahrungen einer Ferne
mit den eigenen Augen. Wie Sehnsucht nach Ferne
mit Seszhaftigkeit vereinen. Wie, Fusz und Auge,
Träne und Lust.


Lobo / como um lobo / ele diz


lobo como um lobo você
ficou cara e focinho de lobo pen-
sativo e inclinada a cabeça, cabeça
da matilha
, a imagem gerou sua
metamorfose em lobo também dissolvido, não
tanto loba, lobo! também irmão irmão qual lobo,
lebréu, sentado com a cabeça inclinada
sobre o peito, um lobo não sei
pareado com corpulência
felpuda-pensativa (longânima?) cabeça: peso
peludo suspenso, lupina-
mente você olha você senta-se um tanto
corcunda lupina a nitidez!, e
impiedoso a tremer ossos enlutado
de sulcos, isto fez de mim também todo
extinto
,


Wolf / wie ein Wolf / sagt er

Wolf wie ein Wolf du siehst
darauf aus wie ein Wolf nach-
denklich mit gesenktem Kopf, Kopf-
tier, das Bild hat dich in einen
Wolf verwandelt auch aufgelöst, nicht
so sehr Wölfin, Wolf! auch Bruder Bruder Wolfs-
hund, mit dem Kopf auf die Brust
gesenkt sitzend, ein Wolf ich weisz
nicht gepaart mit struppig-nachdenklicher
Korpulenz (nachsichtig?) Kopf : behaartes
Gewicht nach unten, wolfs-
mäszig du siehst du sitzt ein wenig
zusammengesunken wölfisch die Schärfe!, und
gnadenlos knochenschüttelnd von Gullies
umflort, das hat mich auch ganz
verstorben,



tradução e nota: Ricardo Domeneck

sexta-feira, 14 de março de 2008

MAKE IT NEW + MAKE IT NECESSARY

"Eu não quero opor os dois princípios. Acredito que eles estão ligados intimamente pelo processo histórico de um contexto comum. São as transformações históricas que exigem dos artistas transformações e invenções formais. Como escrevi em outros textos, eu acredito que o desgaste das formas poéticas não se dá pela hipertrofia do uso destas formas, mas pela atrofia do contexto que as gerou. Não se trata de atacar o USO do soneto por já ter sido usado tantas vezes, mas porque o soneto, em minha opinião, estava intimamente ligado ao contexto histórico em que surgiu, com crenças bastante específicas de interligação entre os elementos do cosmos, fé em uma possível transcendência espiritual e na harmonia do universo – são estas crenças que animam a metáfora, ou a rima ou o enjambement. Não se trata de fazer o poema mais “bonitinho”… usar ou não rimas, enjambement, verso metrificado, sonetos, versos brancos, tudo isso tem implicações est(É)ticas que só podem ser completamente entendidas em seus contextos históricos. Cada vez que uma “forma” é usada em um contexto histórico distinto, ela assume nova “função”. Não são apenas invenções formais, como se fossem meras ferramentas para efeitos imutáveis. Desta forma, eu acredito que inovação precisa ser compreendida em seu contexto histórico específico, e que é desta relação que se pode falar em qualidade. Se um poeta escreve 500 sonetos “tecnicamente perfeitos” hoje, em 2008, ele atinge qualidade? Para muitos, sim. Eu acredito, porém, que isso precisa ser entendido em seu tempo histórico e ter suas implicações questionadas. É por isso que diria que precisamos unir, à discussão da Forma, uma noção de Função. O que quero dizer é: não apenas buscar entender as diferenças no caso dos sonetos de Petrarca e Shakespeare, que diferem por língua e época; refiro-me também, nos dias de hoje, tanto a Bruno Tolentino quanto a Glauco Mattoso ou Paulo Henriques Britto, que usam a forma do soneto, mas claramente com funções muito diferentes entre si. Outra coisa interessante a se pensar é a maneira como a noção de uma poética do mínimo se manifesta em diversos autores. Eu geralmente sinto com força a diferença entre o poeta que está praticando o “mínimo“ por submissão a regras de qualidade para agradar e respeitar os parâmetros de críticos e poetas que privilegiam economia de meios e concisão (naquilo que chamo de luxo do lacônico), e o poeta para quem o mínimo é muito mais um exercício espiritual, uma NECESSIDADE interna de sua poesia e de sua forma de viver, como no caso de Emily Dickinson e George Oppen ou, no Brasil, Orides Fontela e Ronaldo Brito. Que livros como Alba (1983) e Asmas (1982) tenham sido possíveis e acontecido, em plena década de 80, é algo que alegra meu miocárdio de poeta.

Portanto, quando discuto o novo e o necessário, a última coisa que quero é criar mais uma dicotomia ou dualismo para a crítica de poesia, já tão cheia deles. Eu acredito que o novo e o necessário andam de mãos dadas.

Ou seja, eu não acredito que a “novidade“ e a “necessidade“ se oponham ou se excluam. Eu acredito, pelo contrário, que elas estão intimamente ligadas. Eu não creio que Baudelaire, Rimbaud ou Pound, por exemplo, queriam simplesmente ser originais ou procuraram meramente fazer o que ainda não havia sido feito. Eles foram originais e inovadores por perceberem que o contexto cultural havia mudado, observaram as transformações científicas, políticas, até econômicas, e dialogaram com elas em seus trabalhos. Ou seja, eu acredito que mesmo Pound, que cunhou o Make It New, estava na verdade agindo sob o Make It Necessary. Isto está implícito em sua crítica. Não se trata de cercear a liberdade de pesquisa dos outros, mas de buscar entender esta complexa relação entre poesia e seu contexto histórico. Eu penso em John Cage, um dos artistas mais livres e libertários, curiosos e experimentais do século passado, que não se cansava de dizer “One does not make just any experiment but does what must be done“, ou seja, não se faz simplesmente experimentos em nome de uma suposta liberdade formal qualquer, isto fica para os que estão buscando expressão pessoal, algo legítimo, mas artistas que se preocupam com sua atuação na comunidade fazem o que “tem que ser feito“. Como decidir o que tem que ser feito? Isto virá da ideologia da percepção de cada um. Há hoje no Brasil poetas agindo sob parâmetros praticamente opostos, e todos defendendo o “novo“ e o “necessário“. Isto deveria e poderia ser debatido, de forma saudável, mas estamos lidando também com seres humanos com egos, o que torna o debate geralmente muito difícil. Eu, pessoalmente, recuso e rejeito a maneira como certos poetas da década de 90 e de hoje tentam equivaler sincronia histórica e trans-historicidade. Parece-me uma ficção a maneira como eles deduzem a independência da poesia quanto a seu contexto histórico a partir do conceito de sincronia de autores como Hans Robert Jauss ou Roman Jakobson. Tanto para Jauss quanto para Jakobson, sincronia histórica significava, eu creio, a nova seleção que cada geração empreende dentro da tradição, daquilo que lhe interessa e, em sua opinião, permanece vivo e útil. Isto não implica trans-historicidade ou independência histórica por parte da poesia. Pelo contrário. Trata-se de um fenômeno histórico, cada uma destas seleções é histórica. A diacronia ocorre quando se tenta impor a uma geração de jovens poetas uma seleção antiga, feita por poetas de gerações anteriores, vivos ou já mortos. Aí está a problemática da questão de hegemonia na discussão do cânone, assim como a ilusão de “contribuição para o futuro“ em paideumas de poetas como Ezra Pound e Haroldo de Campos. Havia uma certa obsessão por dualismos entre os poetas e pensadores ligados ao chamado Alto Modernismo. Não entendo a maneira como Haroldo de Campos, por exemplo, opõe história e estética, chamando de “diacrônica“ a abordagem histórica, segundo ele, e de “estético-criativa“ a sincrônica, e com isto gerando este elo de causalidade fictício entre sincronia histórica e trans-historicidade. A crítica de Hugh Kenner, em minha opinião, é histórica e sincrônica. Eu acredito que o conceito de sincronia poderia ser enriquecido como a seleção histórica que se reitera a cada geração e diacronia como o engessamento de seleções históricas passadas. É como se toda "sincronia" se transformasse em "diacronia" pelo efeito de engessamento do tempo. Ninguém escapa da história, muito menos os poetas. Não quero impor ou mesmo sugerir mais o que é necessário. Todo poeta fala em primeiro lugar para si quando escreve textos críticos. Tentei algo parecido em meu ensaio “Ideologia da percepção“, em que havia uma parte chamada “Algumas propostas”, e as reações não foram muito amigáveis. Mas gostaria de seguir defendendo a união entre ética e estética e a necessidade de que os novos poetas criem seus próprios parâmetros."



de uma entrevista à revista eletrônica Armadilha Poética, conduzida por Lucas Nicolato

terça-feira, 11 de março de 2008

Trechos de uma entrevista

Entrevista concedida à revista eletrônica Armadilha Poética.

A seguir, alguns trechos:

§§§

Esta minha grafia [para a palavra est(É)tica] é uma referência explícita a Wittgenstein, que escreveu no Tractatus Logico-Philosophicus (1922) que "Ética e estética são uma só“. Isso tem sido um parâmetro determinante em meu trabalho. Cada vez mais sinto-me incapaz de ignorar as implicações éticas e, assim, políticas de determinadas escolhas estéticas. É claro que isso gera em mim uma completa descrença em qualquer tentativa de praticar a arte pela arte, como não acredito no trabalho artístico que se quer independente de constrições sociais, econômicas, científicas, em suma: históricas. O trabalho artístico está intimamente ligado às transformações históricas e contextuais da cultura em que se movimenta, eles se interligam, correm paralelos, trançam-se, opõem-se, dialogam. Quando observamos o trabalho de John Cage, por exemplo, ou de dadaístas como Kurt Schwitters, percebemos que eles esperavam que, de seus trabalhos, pudéssemos depreender implicações de como VIVER e interagir com o mundo e os outros.

Outro exemplo: eu moro na Alemanha - quando Leni Riefenstahl morreu, houve um debate reaceso sobre a validade de seu trabalho artístico, sobre sua dependência ou não da ideologia fascista. Tentou-se fazer de Riefenstahl um exemplo de artista independente de implicações políticas, querendo absolvê-la e crendo que seria possível apreciar seus filmes e ver neles “beleza estética“, apesar de suas filiações partidárias. Isso me parece uma loucura. A “estética” dos filmes de Riefenstahl não a absolve, muito pelo contrário, é a prova cabal de que ela compartilhava da ideologia nazista. Tal postura ética ligada ao nazismo está nas implicações das escolhas estéticas de Riefenstahl.

O problema é que tais implicações éticas de uma escolha estética são muito complexas e dependem daquilo que chamo de ideologia da percepção, das próprias distorções ideológicas de cada um (todos nós) que busca ler as implicações do trabalho alheio. Para não usar apenas exemplos fáceis: sinto um incômodo muito grande diante de certas fotografias de Robert Mapplethorpe, fotógrafo homossexual a quem não filiamos usualmente a qualquer ideologia política de direita, mas que possui um trabalho, em minha opinião pessoal, com implicações de uma estética de ideais apolíneos de Beleza que me parecem demasiado irmanadas às de uma Leni Riefenstahl, por exemplo.

Também não é à toa que os nazistas precisaram destruir as obras de expressionistas e dadaístas. Eles entendiam as implicações éticas e políticas do trabalho destes artistas, e percebiam imediatamente que se tratava de inimigos. No entanto, como disse, as implicações est(É)ticas de qualquer obra de arte serão sempre lidas por cada um de forma diferente, a partir de sua própria est(É)tica pessoal. Não foi apenas a extrema direita que atacou, por exemplo, os expressionistas. Basta ler o debate entre Georg Lukács e Ernst Bloch nos anos 30, ambos da “esquerda”, em que Lukács condena os poetas e pintores expressionistas por decadentismo e alienação, enquanto Bloch empreende sua defesa sob termos opostos, para percebermos que cada vez mais torna-se impossível a busca da unanimidade que legitimaria um suposto cânone. Quando leio um poeta hoje em dia, busco imediatamente as implicações est(É)ticas de seu trabalho, e acredito que elas se manifestam em qualquer um deles, mesmo os que mais se crêem historicamente independentes. Por exemplo, quando leio um poeta de pouco mais de 20 anos, que mora no ensolarado Rio de Janeiro, usando técnicas, semântica e sintaxe claramente calcados em Paul Celan (um poeta que escreveu como escreveu por estar completamente fincado em seu contexto histórico e político de poeta judeu sobrevivente do Holocausto), não posso deixar de pensar nas implicações extremamente sérias de uma postura como esta, que me parece incrivelmente leviana. Isto está ligado também a certa ideologia atual, que acredita ser defensora da liberdade poética por pregar uma suposta trans-historicidade da poesia, muitas vezes recorrendo a textos críticos de poetas “políticos” como Brecht e Maiakóvski de forma deturpada, para justificar o oposto do que estes textos defendem.


§§§

Leio com muito prazer tanto Ezra Pound quanto Gertrude Stein, que não se suportavam. Mas são poetas a quem leio, creio, com motivos distintos dos poetas da década de 50 no Brasil, por estar lendo estes poemas no início do século XXI, e por conhecer o trabalho destes poetas da década de 50: Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Mário Faustino, Ferreira Gullar, Augusto de Campos, Mário Chamie, Affonso Ávila. É um ciclo. Assim como estou certo de que o que me interessa em poetas dadaístas como Hans Arp ou Kurt Schwitters, ou um poeta independente como Pierre Albert-Birot, é diferente do que interessava aos poetas de décadas passadas. Isto é sincronia histórica. Quero apenas o direito de concentrar-me nas lições que eles deixaram, segundo o que creio serem as necessidades do meu tempo. Isso é guia apenas para minha poesia, como cada poeta busca os seus próprios parâmetros. Mas também acredito na possibilidade de debatê-los com meus contemporâneos.

Não estamos tentando, com a Modo de Usar & Co., instituir nossos parâmetros como únicos. Não queremos isso. Mas gostaríamos que eles gerassem dissonância e pluralidade verdadeira entre aqueles que estão, sim, freqüentemente tentando instituir seus grupos como O Único, ou A Geração. No Brasil, confunde-se muito a noção de “grupo” com a de “geração”. Deveríamos dizer “Grupo de 45”, por exemplo, e não Geração de 45.

Há poetas hoje, em minha opinião, tentando transformar seu ideário particular em sinônimo de “contemporâneo”. Resistimos a este tipo de atitude. Por exemplo, há poucos meses, poetas organizaram em São Paulo um festival de poesia, segundo eles, ibero-americana e contemporânea. Os convidados, no entanto, eram apenas aqueles que concordavam com os parâmetros poéticos destes poetas. No site do festival havia ensaios disponibilizados sobre poesia contemporânea: todos eles sobre o ideário poético deste único grupo. É o que quero dizer com a tentativa de fazer de um único ideário o sinônimo de contemporâneo, e da prática da crítica como instituição de hegemonias. Um dos organizadores do festival acaba de organizar uma antologia de poesia brasileira em Portugal: incluindo apenas aqueles que concordam, obviamente, com seus parâmetros estéticos, tentando impor este grupo como A Poesia Brasileira do Século XXI, numa antologia com pretensoes claramente canônicas. São estas pretensoes canônicas que tornam tal atitude problemática e questionável. Creio e argumento que este tipo de “crítica” precisa ser debatida. Há, sim, um diferença grande entre editar uma revista e uma antologia que se quer canônica. Isto é, em minha opinião, um exemplo de endogamia, de pessoas obcecadas com o reconhecimento histórico, ainda que os mesmos poetas defendam trans-historicidade para escapar de certas responsabilidades est(É)ticas.

§§§

A entrevista, levemente editada, pode ser lida na revista eletrônica Armadilha Poética,
clicando no link abaixo:


Entrevista de Ricardo Domeneck na Armadilha Poética

sexta-feira, 7 de março de 2008

Poesia & Historicidade: Frank O´Hara















Frank O´Hara (1926 - 1966) nasceu em Baltimore, mas é conhecido como poeta de Nova Iorque. Com os amigos John Ashbery, James Schuyler, Barbara Guest e Kenneth Koch, foi parte de um grupo de poetas que ficou conhecido como Escola de Nova Iorque (New York School of Poets), uma referência ao grupo de pintores conhecido como New York School of Painters, hoje em dia chamado com mais freqüência de Abstract Expressionists, entre os quais surgiu Jackson Pollock, cuja pintura teria grande influência sobre a poesia de O`Hara. Outras influências importantes seriam uma antologia de poesia dadaísta publicada nos Estados Unidos no início da década de 50, Arthur Rimbaud e Vladimir Maiakóvski.

A crítica norte-americana Marjorie Perloff escreveu em seu livro
Frank O’Hara: Poet Among Painters a respeito desta influência Dada/surreal, especialmente quanto à técnica do poeta de contextualização e recusa de uma mítica universalista, como a que viria a ser teorizada por poetas americanos da década de 40, que tinham em T.S. Eliot sua maior referência, e que se mostrava hegemônica no momento em que O´Hara, Ashbery e Schuyler iniciavam sua escrita. O mesmo viria a ser sentido por outros poetas que se rebelaram contra esta poética da década de 40 americana, como Jack Spicer e Robert Creeley.

Tal técnica de contextualização O’Hara viria a encontrar em poetas como Pierre Albert-Birot, o que levou críticos conservadores ligados ao New Criticism e filiados a poetas como Robert Lowell (a quem O´Hara criticava abertamente) e W.H. Auden (que criticara a poesia “nonsensical” de Ashbery e O´Hara em cartas pessoais aos autores, por ocasião do Younger Poets Prize da Yale University Press) à acusação de que ele escreveria apenas para meia dúzia de iniciados em seu círculo pessoal, atacando seus poemas por “interessarem apenas aos membros de sua coterie”. Tais críticos não compreendiam que os textos de O´Hara buscavam justamente questionar os parâmetros críticos hegemônicos de seu tempo e, crendo flagrar neles o fracasso do poeta, comprovavam precisamente seu sucesso.

Há aqui um dado interessante para a discussão sobre a forma como a crítica pode
não se mostrar, muitas vezes, aparelhada para o julgamento do trabalho de um poeta; sobre este caso, Marjorie Perloff escreveu em seu The Poetics of Indeterminacy: “It is hardly surprising that Auden would have misgivings about a poetic style so seemingly unlike his own, and so startling a departure from the carefully controlled neo-Symbolist poetry that dominated the early fifties.”

Há ainda paralelos importantes para o debate poético contemporâneo, já que poetas ligados a um suposto "neobarroco", no Brasil, passaram a defender uma espécie de universalismo e trans-historicidade para o fenômeno poético, o que os ligam a esta ideologia artística da década de 40, tanto americana quanto brasileira. Tais poetas brasileiros defendem o retorno a uma dicotomia entre linguagem poética e quotidiana (questionada pelo modernismo, em trabalhos de escritores como Ludwig Wittgenstein e John Cage, por exemplo). Ainda que sob a defesa do experimentalismo e "novo", esta ideologia poética não está muito longe da recusa do modernismo empreendida pelo Grupo de 45 no Brasil, e de uma ressurreição de certa poética simbolista do fim do século XIX, com sua insistência por uma "poesia pura".

Eu acredito que a influência de poetas como Pierre Albert-Birot e dadaístas germânicos sobre O´Hara mostra-se ainda no uso da colagem e justaposição de material aparentemente desconexo em seus textos, que os ligam a certas técnicas visuais de Raoul Hausmann, Kurt Schwitters e Hannah Höch. Talvez pudéssemos traçar até mesmo um paralelo entre o uso de datas e notícias de jornal em seus poemas (por exemplo, em “Khrushchev is coming on the right day!” ou “The Day Lady died”) e o uso de recortes de jornal nos poemas e quadros dos dadaístas, demonstrando ou implicando a crença na historicidade do trabalho poético.

A mesma influência pode ser encontrada em John Ashbery (seu livro The Tennis Court Oath é o exemplo mais claro, mas podemos ver tais características manifestando-se também em Three Poems), que adota a sintaxe paratática e as narrativas descontínuas dos dadaístas em seus longos poemas, difíceis de enquadrar sob uma leitura que busque meramente parâmetros de qualidade como objetividade e concisão. Penso aqui nas palavras de Allan Kaprow: “When words alone are no true index of thought, and when sense and nonsense rapidly become allusive and layered with implication rather than description, the use of words as tools to precisely delimit sense and nonsense may be a worthless endeavour.”

A poesia de O´Hara marca um retorno, por parte da poética americana, à crença na dependência e rela
ção entre o fenômeno poético e sua historicidade.



Why I am Not A Painter
Frank O´Hara

I am not a painter, I am a poet.
Why? I think I would rather be
a painter, but I am not. Well,

for instance, Mike Goldberg
is starting a painting. I drop in.
"Sit down and have a drink" he
says. I drink; we drink. I look
up. "You have SARDINES in it."
"Yes, it needed something there."
"Oh." I go and the days go by
and I drop in again. The painting
is going on, and I go, and the days
go by. I drop in. The painting is
finished. "Where's SARDINES?"
All that's left is just
letters, "It was too much," Mike says.

But me? One day I am thinking of
a color: orange. I write a line
about orange. Pretty soon it is a
whole page of words, not lines.
Then another page. There should be
so much more, not of orange, of
words, of how terrible orange is
and life. Days go by. It is even in
prose, I am a real poet. My poem
is finished and I haven't mentioned
orange yet. It's twelve poems, I call
it ORANGES. And one day in a gallery
I see Mike's painting, called SARDINES.


Porque eu não sou pintor

Eu não sou pintor, sou poeta.
Por quê? Eu acho que preferiria ser
pintor, mas não sou. Bem,

por exemplo, Mike Goldberg
começa um quadro. Eu dou
uma passada. "Senta e bebe alguma coisa",
ele diz. Eu bebo; nós bebemos. Eu dou
uma olhada."Você pôs SARDINHAS neste."
"É, precisava de alguma coisa ali."
"Ah." Eu vou e os dias vão-se
e dou outra passada. O quadro
está indo, e eu vou, e os dias
vão-se. Dou uma passada. O quadro está
pronto. "Cadê SARDINHAS?"
Tudo o que sobrou são
letras, "Estava exagerado", diz Mike.

E eu? Um dia começo a pensar sobre
uma cor: laranja. Eu escrevo um verso
sobre laranja. Não demora a tornar-se
uma página inteira de palavras, não de versos.
Então, mais uma página. Deveria ter
tantas coisas mais, não de laranja, de
palavras, de como laranja é horrível,
e a vida. Dias vão-se. É assim mesmo
em prosa, eu sou poeta de verdade. Meu poema
está pronto e eu ainda não mencionei
laranja. São doze poemas, eu chamo de
LARANJAS. E um dia numa galeria
eu vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.

(tradução de Ricardo Domeneck)




























(poema de Frank O´Hara)


“Para Lígia, após uma festa” – tradução de Ricardo Domeneck

Você nem sempre sabe o que estou sentindo. / Ontem à noite no ar morno de setembro enquanto / eu brandia uma invectiva contra alguém que não me interessa / era amor por você que me inflamava, / e não é esquisito? pois em salas cheias de / estranhos minhas emoções mais tenras / contorcem-se e / dão à luz o grito. / Estenda sua mão, não há / um cinzeiro, de repente, ali? Ao lado / da cama? E alguém que você ama adentra o quarto / e diz você não / quer os ovos um pouco / diferentes hoje? E quando eles chegam são / apenas ovos mexidos comuns e o ar morno / permanece.

Perceptions of reality

by Ricardo Domeneck (written for Flasher)































How much of the presentation of reality is influenced and filtered through the lens of an artist's personality and immediate context? How much will this individual perception of an artist "creating" reality determine the collective manner we (as readers and viewers) perceive our surroundings? Much of the imagery used in our understanding of modernity came from artists in the beginning of the 20th century, but their reaction to their own historical environment has been as varied as their personalities and our own motivations to understand what surrounds us as viewers. In 1922 T.S. Eliot published his poem "The Waste Land", which would set some of the strongest imagery for his time. Erected from the ruins of the First World War, through which he lost the carefree atmosphere of his Paris years, but also one of his best friends, the poet Jean Verdenal, working gloomy jobs in rainy London, he begins his perception of reality by saying that

April is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing

Memory and desire, stirring

Dull roots with spring rain.

(T.S. Eliot)

It is the beginning of spring, everything is in movement, as we can see in the insistence of ending the lines in the gerund forms "breeding", "mixing", "stirring", all in copulation, excitement, but Eliot (who named the opening sequence of his poem "The Burial of the Dead"), can only see cruelty in the persistence of survival, cyclical movement of life, even after tremendous tragedies. Spring ceases to be the time for revival:

The river bears no empty bottles, sandwich papers,
Silk handkerchiefs, cardboard boxes, cigarette ends

Or other testimony of summer nights. The nymphs are departed.

And their friends, the loitering heirs of city directors;

Departed, have left no addresses.

(T.S. Eliot)

But why is it that another American, springing from the same tradition and writing at the same time as Eliot, "chose" to see "reality" in a different way? For at the same time Eliot was writing "The Waste Land", published in 1922, William Carlos Williams was writing the poems for his 1923 collection Spring and All, whose striking differences to The Waste Land begin in the title. Part of the title poem reads:

All along the road the reddish purplish,
forked, upstanding, twiggy

stuff of bushes and small trees

with dead, brown leaves under them

leafless vines-


Lifeless in appearance, sluggish
dazed spring approaches-


They enter the new world naked,

cold, uncertain of all
save that they enter. All about them
the cold, familiar wind-


Now the grass, tomorrow

the stiff curl of wildcarrot leaf


One by one objects are defined-

It quickens: clarity, outline of leaf


But now the stark dignity of

entrance- Still, the profound change

has come upon them: rooted, they

grip down and begin to awaken.

(William Carlos Williams)


In this poem, the winter deadliness is happilly, not cruelly, revived by "sluggish, dazed spring". Eliot is steeped in the reality of a metropole, London, whose life had been shaken by death and loss through the First World War. Williams is surrounded by pastoral American life, where he remained, and can see nothing but life "breeding, mixing, stirring" around him, sluggish and awakening. And one must only survey what was being done in other parts of the world at the same time, to understand how the cultural and personal context will determine a poet's view of reality, which we later adopt, being hard to know how much a poet sees before it becomes obvious to others and how much he defines what we see. Also from the guts of another city: S
ão Paulo, but without reasons to link it to destruction, Mário de Andrade would write in his "Hallucinated City", also published in 1922:

The streets all naked
The houses in darkness

"Let me bring my handkerchief to my nose.

I have all of Paris perfumes

(Mário de Andrade)

though his melancholy personality would also guide his eyes towards death:

Deep down. My filthy chest.

Look at the building: Continental Slaughterhouses.

Vices corrupting me in adulation without sacrifices

My soul hunchbacked like St. John Avenue.

(Mário de Andrade)

And one could go on for pages, poet after poet relating to his historical moment through the lens of his personality, all in context, contextual reality, personal and collective hard to distinguish one from the other. Bertolt Brecht, in 1925 Germany:

We have sat, an easy generation,
In houses held as indestructible

Thus we built Manhattan's tall boxes

And thin antennae to communicate the seas


Of those cities will remain their visiting wind

The house entertains the eater: he lays it empty.

We know we're only temporary tenants

And what replaces us is not worth discussion.

(Bertolt Brecht)

closer to the war-like atmosphere of Eliot, but filtered through Brecht's laconic and earthly refusal of searching for transcendence; or Vladimir Mayakovsky in Moscow:

Again and again
nuzzling against the rain,
my face pressed against its pitted face,
I wait,
splashed by the city's thundering surf.

(Wladymir Mayakovsky)


blasting in enthusiasm for his time, though we all know his later desperation and suicide. The only thing we can consider universal is our dependence to context.

- Ricardo Domeneck
(written for the American magazine Flasher in 2006)

segunda-feira, 3 de março de 2008

Revisões para o poema prematuro




Na sexta parte de seu texto “Thinking of Follows”, Rosmarie Waldrop escreveu sobre o processo de revisão dos próprios poemas, e menciona duas posições distintas quanto à sua reescritura: a de Robert Duncan (1919 – 1988), que considerava poemas revisados novos poemas, e a de John Ashbery (n. 1927) que, negando a busca pela “mot juste” ou ideais de precisão ou objetividade, declarou ter sempre a sensação de que qualquer verso poderia ter sido escrito de outra maneira, e que não teria necessariamente que se firmar como em sua versão “final”. Waldrop declara-se mais próxima da opinião de Ashbery, e diz “pensar no papel, revisar incessantemente.”

João Cabral de Melo Neto declarou em entrevistas que sabia se o poema estava pronto quando este fazia, em sua mente, algo como o som de um estojo que se fecha. Robert Creeley, por sua vez, escreveu que muitos de seus poemas favoritos surgiram prontos, e que isto era uma dádiva. Revisar os próprios poemas pode se tornar uma verdadeira obsessão. Vários poetas produzem muitas "variantes" do mesmo texto. Clarice Lispector dizia jamais reler ou revisar os próprios livros : livro publicado, livro morto.

Em meu primeiro livro, Carta aos anfíbios (2005), há um poema ("sem título `que meus lábios rachem com´") que revisei inúmeras vezes após sua publicação, por ter imediatamente gerado em mim este "incômodo do inacabado", até desfigurá-lo em nova roupagem de outridade, e ele gritar “sou outro! sou outro!”. Não sei dizer se podemos concordar inteiramente com Robert Duncan ou John Ashbery, já que as duas opiniões não se excluem ou se opõem. Talvez possamos permanecer, no processo de reescritura, a meio caminho da celebração do nascimento de um novo poema e da alegria da cirúrgia plástica no deformado/inacabado. Apreciando o calor da incubadora para o prematuro?




























É possível ler o importante texto de Rosmarie Waldrop,
clicando no link abaixo:

Thinking of Follows, by Rosmarie Waldrop

domingo, 2 de março de 2008

Sintonia de nossa sincronia: Torquato Neto


Torquato Neto nasceu em Teresina, Piauí, em 1944. Mudou-se para Salvador, Bahia, aos 16 anos, onde conheceu Gilberto Gil, Caetano Veloso e foi assistente no filme Barravento, de Glauber Rocha. Mudou-se mais tarde para o Rio de Janeiro. Conheceu os poetas Décio Pignatari e Augusto de Campos, o artista visual Hélio Oiticica e o cineasta Ivan Cardoso, com os quais colaboraria e manteria um diálogo crítico. Torquato foi parte do grupo de artistas envolvidos com a Tropicália, assim como defendeu em seus artigos polêmicos outros movimentos atuantes na década de 60, como a Poesia Concreta e o Cinema Marginal, em especial o de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Ivan Cardoso. Um poeta desconhecido-muito-conhecido, através das letras de muitas canções famosas, os poemas de Torquato Neto seriam reunidos por Wally Salomão no volume "Os Últimos Dias de Paupéria", na década de 80. Em 2005, a Editora Rocco lançou os dois volumes de sua "Torquatália". Torquato Neto cometeu suicídio aos 28 anos, no Rio de Janeiro, em 1972.


Literato cantabile, de Torquato Neto


Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início:


Agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.


Você não tem que me dizer
o número de mundo deste mundo
não tem que me mostrar
a outra face
face ao fim de tudo:


só tem que me dizer
o nome da república do fundo
o sim do fim
do fim de tudo
e o tem do tempo vindo:


não tem que me mostrar
a outra mesma face ao outro mundo
(não se fala. não é permitido:
mudar de idéia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos.
está vetado qualquer movimento


da Série "Sintonia de nossa Sincronia"
da revista Modo de Usar & Co.


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