João Apolinário foi um poeta português, nascido a 18 de janeiro de 1924 em Sintra. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra e Lisboa e trabalhou também como jornalista, indo com 21 anos para Paris como correspondente da Agência Logos, permanecendo na França durante a Segunda Guerra. Estreou em livro como poeta com o volume Morse de Sangue (1955), composto na prisão por sua resistência antifascista ao regime de António Salazar. Em 1963, exilou-se no Brasil, vivendo e trabalhando em São Paulo, onde escreveu para o jornal Última Hora e fundou, com outros jornalistas, a APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Publicou ainda os livros Primavera de Estrelas, Apátridas, AmorfazerAmor, Poemas Cívicos e Eco Humus Homem Lógico, entre outros. Retornou a Portugal em 1975, após a Revolução dos Cravos. João Apolinário morreu a 22 de outubro de 1988, na pequena vila portuguesa de Marvão.
Sua posição na poesia lusófona do pós-guerra é curiosa. Talvez esteja entre os mais desconhecidos poetas da língua, e, ao mesmo tempo, alguns de seus poemas estão entre os mais famosos das últimas décadas, graças ao trabalho musical de seu filho, o cantor e compositor João Ricardo, que musicou vários dos poemas do pai, primeiro com o grupo Secos e Molhados (1973 - 1974) e depois em sua carreira solo. Seria interessante partir de seu trabalho para discutir as diferenças entre as mentalidades críticas que regem a tradição da poesia oral e da poesia escrita. Na tradição oral, o poema pertence tanto a quem o escreve como a quem o vocaliza, a partir da tradição do jongleur provençal ou do imbongi africano, tradição dos intérpretes, aquela que Paul Zumthor discute em sua Introdução à Poesia Oral (1983), livro fundamental para quem queira discutir as relações entre poesia escrita e oral.
Um dos poemas de João Apolinário musicados por João Ricardo demonstra o talento poético do português e está entre meus favoritos. Formado por dois quartetos, o poema "Primavera nos dentes" oscila entre o trobar leu e a sofisticação da wit de um poeta metafísico inglês do século XVII.
Primavera nos dentes
João Apolinário
Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra-mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera
Se os versos iniciais beiram o vaticínio, são seguidos por imagens poderosas, como os magistrais "E no centro da própria engrenagem / Inventa a contra-mola que resiste", expondo toda uma possibilidade de resistência est-É-tica em meio ao sistema capitalista, sem mencionar a força expressionista dos versos "E envolto em tempestade decepado / Entre os dentes segura a primavera." Apoderados pela vocalidade de Ney Matogrosso em uma das canções mais fortes do grupo, este poema atinge toda a sua poeticidade:
O poema sustenta-se em sua própria materialidade sígnica, em minha opinião, mas assume poderes novos ao habitar a sua vocalidade implícita. Um texto como "Primavera nos dentes" conecta João Apolinário à tradição dos Poetas Goliardos, ou de germânicos como Heinrich Heine (1197 - 1856) e Hans Arp (1886 - 1966), sem falar nas maravilhosas colaborações de Bertolt Brecht e Kurt Weill.
Em outros poemas, João Apolinário esposa uma poética minimalista que o aproxima de forma surpreendente de seu contemporâneo quase exato Robert Creeley (1926 - 2005), levando em conta que o americano viveu duas décadas mais. Mesmo a imagética dos dois aproxima-se, com a palavra flor e o número zero, por exemplo, palavras favoritas de Creeley, tornando-se metáforas analíticas para a poesia e outras dores também em Apolinário. É o que sentimos nos poemas abaixo, extraídos de Eco Humus Homem Lógico. Em outros poemas, sentimos uma relação subterrânea entre João Apolinário e Paulo Leminski, talvez marcada pela influência da música popular e da oralidade na obra de ambos.
Tentamos com esta postagem contribuir para que a poesia ainda não musicada de João Apolinário receba no Brasil a atenção que merece, para o nosso próprio bem.
--- Ricardo Domeneck
§
POEMAS DE JOÃO APOLINÁRIO
da escrita
Da poesia
faço
uma raiz
que gera
a haste
oculta
da palavra
em flor
____
Abro as portas
desta melancolia
fechada no poema
por nascer
e sinto essa magia
suprema
de o escrever
§
os zeros relativos
Reduzo
o espaço
ao limite
do zero
nasce
o mundo
___
Não se pede à alma
que anteceda o corpo
se o nada só existe
depois de ser
concreto
____
Só das coisas reais
tenho o sentido
da transcendência
Não sei do homem mais
do que a essência
de ter vivido
____
Uma única
pétala
gera
um universo
de formas
em órbita
____
Tomo o ar
que respiro
e dou vida
aos deuses
invento a sombra
____
Do mar
faço a planície
para as estrelas
fecundarem a noite
os dinossauros
cantam
____
E da vida
faço este delírio
de batráquios
em fuga
roendo horizontes
____
Só na morte
ponho o zero
à esquerda
do zero
outro zero
começa
____
Depois
do ouro
velho
queremos
o vermelho
§
ecologia lírica
A incógnita
acontece
na cor
que nasce
e reverdece
na flor
até ao limite
de olhá-la
como ela
é
____
O que é que cicia
o mistério (a essência)
desta atmosfera
de sol do meio dia
cuja transparência
parece que gera
o que a terra cria
____
Todos os mitos
imortais
cabem
subitamente
nos alicerces
originais
da semente
____
A pétala sabe
o destino oculto
de todas as coisas
onde o sol começa
____
Criar primeiro o ovo
para a raiz
do pássaro que voa
aquém da casca
Mudar depois as asas
da natureza
sem deixar de ser ave
e ser flor
gerar o movimento
assim eterno
da origem de ser
o que já é
____
O orvalho
respira
a solidão
da noite
na boca
da manhã
____
Um sopro
de luz
abre
no espaço
uma fenda
clara
para o dia
que nasce
§
os infinitos íntimos
Não me cinjas
a voz
não me limites
não me queiras
assim
antecipado
Eu não existo
onde me pensas
Eu estou aqui
agora
é tudo
____
Esta causa
Que me retoma
Em cada dia
Age na esperança
Em que respira
Esta necessidade
De estar vivo
____
No círculo
em que se fecha
o que em mim
respira
há um suicídio
de memórias
que não cabem
no que em mim
existe
____
Já fui longe demais
matando-me nas pedras
que atiro contra mim
sentindo o que não sei
____
Há por aí alguém
que queira vir comigo
atrás do que seremos
quando tivermos sido?
____
O que resta de nós
Dorme a noite invisível
Que ainda nos sobra
____
O que me cansa
é o diabo da esperança
____
O que ficará de mim
nos restos digitais
do tempo
quando chegar
o fim
de que me ausento
§
"É preciso avisar..."
É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir
–
É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha
–
É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta
–
É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores
§
"A pressa de chegar..."
A pressa de chegar
correr correr
sem poder esperar
Chegar para morrer
–
A pressa de chegar
O desvario obtuso
O medo de parar
gasto pelo uso
de estar
–
A pressa de chegar
A pressa a louca pressa
de poder encontrar
aquilo que me esqueça
de levar
–
A pressa de chegar
correr correr
sem poder esperar
Chegar para morrer
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terça-feira, 30 de agosto de 2011
domingo, 28 de agosto de 2011
Três versões do mesmo feitiço
A canção "I put a spell on you" foi escrita por Screamin´ Jay Hawkins e gravada pela primeira vez em 1956. É uma das minhas canções favoritas de todos os tempos, com pelo duas versões maravilhosas que talvez até mesmo superem a original de Hawkins: a de Nina Simone e a de Diamanda Galás. Na verdade, a primeira vez que a escutei foi na versão de Nina Simone, que é de 1965. Depois conheci a versão assustadora de Diamanda Galás, com aquela potência que lhe é já conhecida. Foi só mais tarde que percebi que a tristeza estranhíssima da canção já estava com seu criador, o fenomenal Screamin´ Jay Hawkins. É uma das canções de amor mais fortes que conheço. É daquela fúria melancólica de quem não está disposto a desistir fácil, algo que eu sempre amei em performers como Nina Simone, Maysa, a Violeta Parra de "Maldigo del alto cielo", Diamanda Galás, PJ Harvey e Cat Power, entre outros. Esta postagem, no fundo, nada mais é que um lembrete, um terno alerta, uma ameaça carinhosa.
"I put a spell on you", Screamin´ Jay Hawkins.
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"I put a spell on you", Nina Simone.
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"I put a spell on you", Diamanda Galás.
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quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Verões berlinternacionais
O verão em Berlim não é apenas o período em que recarregamos as baterias de vitaminas para suportar o inverno horroroso, cinza e escuro destas bandas nortistas. A cidade se enche de figuras interessantíssimas, oriundas de outras metrópoles como Nova Iorque, Paris e São Paulo. Sim, há as hordas de turistas, algo novo para Berlim, que sempre esteve fora do mapa dos roteiros turísticos até pouco tempo atrás. Todo mundo reclama da turistaiada, mas há entre eles os seres excepcionais que aportam por estas bandas. Berlim está passando por um momento histórico que tem paralelos com a Berlim dos anos 20, a Berlim da República de Weimar. Vou voltar a isso outra hora. Esta ideia voltou a minha mente após assistir a Midnight In Paris, do Woody Allen, com todo aquele louvor da Paris dos anos 20 (fetiche do qual nunca compartilhei, se vivesse nos anos 20 teria feito como Auden e Isherwood e certamente vindo para Berlim). Eu sempre acabo lucrando com a vinda destas pessoas e o programa do nosso evento semanal às quartas-feiras se internacionaliza mais que em outras estações. Nas últimas semanas, passaram pelo nosso clube algumas criaturas muito legais. Falei aqui sobre alguns. Na semana passada, discotecou na festa o duo nova-iorquino Creep.
Hoje à noite discoteca o duo Light Asylum, também nova-iorquino. Nas próximas semanas passarão pelo nosso palco ainda Lorenz Rhode (Düsseldorf/Paris), Black Cracker (Nova Iorque), e outros.
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segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Apresentando um amigo: Ellison Glenn, mais conhecido como Black Cracker
Conheci Ellison Glenn em 2007. À época, ele estava produzindo o duo CocoRosie e colaborando com a nova-iorquina Bunny Rabbit. Foi com esta última que ele se apresentou naquele ano em nosso evento semanal às quartas-feiras. No ano passado, trabalhando já solo, ele apresentou-se uma vez mais em nosso evento. Poeta premiado em festivais de slam poetry e excelente produtor musical, ele está passando o verão em Berlim e pudemos nos conhecer um pouco melhor. Estamos pensando em uma colaboração, mas enquanto ela não vem, deixo vocês com os vídeos de seus poemas vocais "Bury Me (Skull and Bone)" e "Nat Turner (Loose)", de seu álbum solo que está para sair.
Black Cracker - "Bury Me (Skull and Bone)", do álbum Tears of a Clown
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Black Cracker - "Nat Turner (Loose)"
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sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Aérea esperança!
Então, o amigo disse-lhe em tom de quem só conhece conjunções adversativas: "Não comece a nutrir esperanças!", e ele olhou bem o focinho do amigo, seguindo de norte a sul e leste a oeste o rosto, e sentiu algo que oscilava entre a pena e a compaixão, respondendo em pergunta, bravo: "Que direito você tem de dizer isso a outra pessoa?", e o amigo não entendeu seu desconcerto, pois há muito pertencia aos que confundem a "nutrição de esperanças" com a "manufatura de ilusões", sem perceber que a esperança, como a fé, é o que Søren Kierkegaard chamou de salto no escuro, consciente de que talvez não haja rede de segurança ao fundo, ou a esperança, ele queria dizer, quiçá seja o que ele mesmo chamou um dia de um "sim de olhos fechados", lucidez de encarar o impossível, como os versos de Marianne Moore, naquele que é e foi e sempre seria um poema-cerne de seu código de conduta, "hope not being hope / until all ground for hope has / vanished", mas há também os versos do português João Apolinário, "O que me cansa / é o diabo da esperança", mas ele então saiu de casa, caminhou certeiro para um encontro que parecia ter a finalidade de todas as chances da felicidade, pensando no poema de Manuel Bandeira, aquele sábio dentuço que estava ciente de que a esperança não é qualquer facilitador, pelo contrário, ela pesa e pensa, e seus passos eram firmes e ele cantarolava o "Rondó do capitão" com o coração pesado de esperança.
Rondó do capitão
Manuel Bandeira
Bão balalão,
Senhor capitão.
Tirai este peso
Do meu coração.
Não é de tristeza,
Não é de aflição:
É só de esperança,
Senhor capitão!
A leve esperança,
A aérea esperança...
Aérea, pois não!
Peso mais pesado
Não existe não.
Ah, livrai-me dele,
Senhor capitão!
§
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Manuel Bandeira
Bão balalão,
Senhor capitão.
Tirai este peso
Do meu coração.
Não é de tristeza,
Não é de aflição:
É só de esperança,
Senhor capitão!
A leve esperança,
A aérea esperança...
Aérea, pois não!
Peso mais pesado
Não existe não.
Ah, livrai-me dele,
Senhor capitão!
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terça-feira, 16 de agosto de 2011
Com Góngora no Apocalipse: peça criada para as comemorações dos 450 de seu nascimento, em Córdova
Em janeiro deste ano, recebi um convite interessantíssimo e que me descabelou um pouco: criar uma peça vídeo-textual, na linha do meu trabalho, a partir das Soledades (1613) de Luis de Góngora, e estreá-la em Córdova, num evento chamado Soledades 2.0, dentro do tradicionalíssimo festival cordovês Poetas del Mundo en Córdoba, que este ano celebraria os 450 anos de nascimento do autor.
Aceitei o que se provou um grande desafio. Enviaram-me uma edição da coleção Catedra que restabelecia o texto e grafia do tempo de Góngora. Trabalhei na peça por mais de um mês, tentando algo que estivesse completamente baseado no trabalho de Góngora e ao mesmo tempo fosse uma peça pessoal minha, sem a ambição de verter de qualquer forma o trabalho do senhor barroco a tempos modernos ou criar apenas algo ilustrativo. Era um momento em que sentia meu trabalho talvez mais próximo de Lope de Vega que tanto de Góngora como do mestre Quevedo, mas foi uma experiência marcante. Mostro aqui o trabalho com a gravação em vídeo de minha apresentação em Córdova.
Apenas algumas palavras sobre o método e princípio usado na criação da peça: as Soledades me atingiram nesta leitura como extremamente apocalípticas. É claro que isso se deu porque todo o meu trabalho tem se dirigido, est-E-ticamente, para uma denúncia das distopias contemporâneas. Eu mesmo ando todo apocalíptico. Como escrevi no meu "Educação dos cívicos sentidos", estou buscando escrever uma poesia pré-distópica, parte do meu questionamento da falácia do pós-utópico. Para criar um clima ainda mais pós-apocalíptico, enquanto trabalhava na peça ocorreu o maremoto no Japão. O estado mental em que trabalhei nesta peça está patente no resultado.
Esta peça, que chamei de "Entrañas de las Soledades", foi composta com o princípio de colagem e apropriação. O texto é todo ele formado com palavras retiradas das Soledades. Alguns perceberão certas inconsistências ortográficas, mas é pelo fato de ter usado uma edição que mantém a grafia barroca de certas palavras. Ainda por cima, tomei certas liberdades. É um poema castelhano o que creio ter composto, mas tem suas peculiaridades. Misturei a esta est-É-tica, num texto todo sacado de uma matriz barroca, certos elementos da poesia expressionista germânica, em especial dos meus dois favoritos: Jakob van Hoddis (1887 – 1942, assassinado num campo de concentração) e Georg Heym (1887 – 1912).
O vídeo, por sua vez, é todo composto pela apropriação e colagem de vídeos encontrados na Rede. A peça sonora foi composta por meu amigo Uli Buder. A edição do material em vídeo foi feita com meu amigo Daniel Reuter. Nada disso teria sido possível sem a assistência de Adelaide Ivánova na pesquisa do material visual.
O evento contou ainda com performances da madrilenha Miriam Reyes (n. 1974) e do chileno Eugenio Tisselli (n. 1972), e com uma exposição que trazia peças de poetas trabalhando com mídia alternativa, incluindo peças dos brasileiros Augusto de Campos e André Vallias.
Agradeço a António Jesus Luna, curador do evento, pelo convite.
ou, em seu título completo,
Entrañas de las Soledades
Ricardo Domeneck
§ - Entraña primera
Era el año en que un vulcán, robador
del sol de Europa, borró el cielo.
Más tarde, sorbido y vomitado,
el oceano cubrió orillas, árboles
y aldeas en cenizas y carbunclo
como un can diligente, un Sísifo.
En la cuesta, la seca, contra ella
el viento, armas y perros. Mismo
las plantas abortaron. En los
campos, inundación. Último
sueño interrumpido del Occidente
fatigado, sobre la tierra estanque
la grana nace en ondas y en ondas
muere. El oceano divide metales,
abre sepulcros. Presagios
astronómicos, reinos al fin, fuego
en Egipto, Grecia en ruinas
de erudicción y pompa, hormigas
a esconder el camino, el cielo,
el polvo. Apócrifa, la política sigue.
Abriles, mayos, cual la arena
ardiente de Libia,
la luz que el día cedió al campo
estéril de ceniza, la que anocheció
aldea el fuego preside. Para la sed,
hay que beber el propio sudor.
Vence la noche y triunfa el silencio,
reina el gusano sordo, Noruega
seca como con dos soles, en Etiopía
restan dos estómagos. Diluvio.
Que vuestras cabras, vuestras vacas
se desaten, alimenten áspides,
vuestros descendientes.
Fin del Fénix del tiempo humano
y de las necesidades de opulencias.
Esfinge que se muere. El viento hereda
ahora Egipto, el Coliseo, Ícaro
hecho a su ruina, el polvo
cojea el pensamiento, en humo
se resuelven las aves.
§ - Entraña segunda
El mar era un arroyo sediento,
mucha sal su ruina.
Muros desmantelándose. Nudos
los bosques. La aurora:
muchas lágrimas y poca agua.
Deseo de hueso, contagio
de pescados nadando en sangre
y sangre, el propio clima una prisión
solicitando sepultar el sol
donde muere el día.
Que muera. Homicidio, mundo,
el oceano haga túmulo
para mis huesos ya que nada
yace en el mar sin besar la arena.
El cielo moderando la miseria,
pluvia de hierro, mordía huesos.
Fin de la comida, la más
seca de las gallinas domésticas.
Vomitando saliva, ronca todo.
Que el hueco exceda Cartago
o el fulminante fin de la República,
Roma de cabras. Nieve el agua.
Por comida, mármol. Ruinas
acusando la aurora, pesadumbre
de campo, sediento se bebe
espuma. Azotar los ojos, la lengua,
la muerte, fuga al horror. Huesos
de amantes a desatarse, cenizas
en los vientos. Llega el tiempo
del gusano, del monstruo
en el césped. Ya no vuelve
Proserpina. El último graznido.
Injuria de la luz, horror del viento.
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O evento contou ainda com performances da madrilenha Miriam Reyes (n. 1974) e do chileno Eugenio Tisselli (n. 1972), e com uma exposição que trazia peças de poetas trabalhando com mídia alternativa, incluindo peças dos brasileiros Augusto de Campos e André Vallias.
Agradeço a António Jesus Luna, curador do evento, pelo convite.
Entrañas de las Soledades
Entrañas de las soledades del último sobreviviente sobre la Tierra, sin nombre, escrito con fragmentos de un libro encontrado en las ruinas de la biblioteca de Córdoba y datado en julio del 2013
Ricardo Domeneck
§ - Entraña primera
Era el año en que un vulcán, robador
del sol de Europa, borró el cielo.
Más tarde, sorbido y vomitado,
el oceano cubrió orillas, árboles
y aldeas en cenizas y carbunclo
como un can diligente, un Sísifo.
En la cuesta, la seca, contra ella
el viento, armas y perros. Mismo
las plantas abortaron. En los
campos, inundación. Último
sueño interrumpido del Occidente
fatigado, sobre la tierra estanque
la grana nace en ondas y en ondas
muere. El oceano divide metales,
abre sepulcros. Presagios
astronómicos, reinos al fin, fuego
en Egipto, Grecia en ruinas
de erudicción y pompa, hormigas
a esconder el camino, el cielo,
el polvo. Apócrifa, la política sigue.
Abriles, mayos, cual la arena
ardiente de Libia,
la luz que el día cedió al campo
estéril de ceniza, la que anocheció
aldea el fuego preside. Para la sed,
hay que beber el propio sudor.
Vence la noche y triunfa el silencio,
reina el gusano sordo, Noruega
seca como con dos soles, en Etiopía
restan dos estómagos. Diluvio.
Que vuestras cabras, vuestras vacas
se desaten, alimenten áspides,
vuestros descendientes.
Fin del Fénix del tiempo humano
y de las necesidades de opulencias.
Esfinge que se muere. El viento hereda
ahora Egipto, el Coliseo, Ícaro
hecho a su ruina, el polvo
cojea el pensamiento, en humo
se resuelven las aves.
§ - Entraña segunda
El mar era un arroyo sediento,
mucha sal su ruina.
Muros desmantelándose. Nudos
los bosques. La aurora:
muchas lágrimas y poca agua.
Deseo de hueso, contagio
de pescados nadando en sangre
y sangre, el propio clima una prisión
solicitando sepultar el sol
donde muere el día.
Que muera. Homicidio, mundo,
el oceano haga túmulo
para mis huesos ya que nada
yace en el mar sin besar la arena.
El cielo moderando la miseria,
pluvia de hierro, mordía huesos.
Fin de la comida, la más
seca de las gallinas domésticas.
Vomitando saliva, ronca todo.
Que el hueco exceda Cartago
o el fulminante fin de la República,
Roma de cabras. Nieve el agua.
Por comida, mármol. Ruinas
acusando la aurora, pesadumbre
de campo, sediento se bebe
espuma. Azotar los ojos, la lengua,
la muerte, fuga al horror. Huesos
de amantes a desatarse, cenizas
en los vientos. Llega el tiempo
del gusano, del monstruo
en el césped. Ya no vuelve
Proserpina. El último graznido.
Injuria de la luz, horror del viento.
(escrito com palavras - e em alguns casos versos - extraídas das Soledades de Góngora. Peça estreada em Córdova, na noite de 31 de março de 2011)
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terça-feira, 9 de agosto de 2011
Com um livro de Simone Weil a tiracolo no sol e na chuva
Nesta tarde volto a você, grato e assustado com seus textos cheios daquela forma de claridade que me lembra as palavras de Orides Fontela, "a lucidez alucina", com uma calma estranha no corpo, enquanto bolsas de valores beiram o colapso, protestos em Londres e Santiago explodem em violência, ando aqui com meus próprios pés pelas ruas desta cidade que não se decide entre verão e inverno, mas os investidores da bolsa de valores do meu tórax não acreditam em crash algum, as palavras de Juliana de Norwich rodopiam na minha cabeçoila, "...all shall be well, and all shall be well, and all manner of thing shall be well", misturando-se com aquelas tuas outras palavras, grevista da fome, aquela tua crença de que "toda separação é um vínculo", e as holotúrias no poema de Szymborska continuam se dividindo para se salvarem, e as holotúrias no mar continuam também dividindo-se, o sol bate bem forte na minha cara pouco antes da chuva e sussurro ao mundo que ainda estou apaixonado e fecho os olhos e digo um sim alto, constrangendo os transeuntes.
"Um homem cuja mente sinta estar prisioneira preferirá ocultar o fato de si mesmo. Mas se ele odeia a falsidade, ele não o fará; e nesse caso, terá de sofrer muito. Ele baterá sua cabeça contra a parede até desmaiar. Ele voltará lá novamente e olhará com terror para a parede, até que um dia recomece a bater sua cabeça contra ela; e mais uma vez ele vai desmaiar. E assim por diante, sem fim e sem esperança. Um dia ele vai acordar do outro lado da parede." - Simone Weil (1909 - 1943)
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sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Cummings fala sobre Pound e sobre os seres humanos verazes
Estive lendo nos últimos dias uma das coisas mais vívidas despertas jubilosas que já li: as despalestras de e.e. cummings na Universidade de Harvard, em 1952 e 1953, mais tarde reunidas no volume i: six nonlectures (Cambridge: Harvard University Press, 1953).
Há uma passagem, na quarta nonlecture, em que Cummings inclui um excerto de artigo dedicado à figura e trabalho de Ezra Pound. Mostro aqui uma tentativa de tradução, e recomendo muito a leitura do trabalho todo, especialmente para os que amam Edward Estlin Cummings, ou, como o conhecemos, o maiúsculo e.e. cummings.
§ - da nonlecture 4
"Re: Ezra Pound - acontece que a poesia é uma arte; e acontece que artistas são seres humanos.
Um artista não vive em alguma abstração geográfica, sobreposta a uma parte desta linda terra pela desimaginação de inanimais e dedicada à proposição de que o massacre é uma virtude social porque o homicídio é um vício individual. Nem vive o artista em algum soi-disant mundo,nem vive ele em algum tal de universo, nem vive em um número x de "mundos" ou em qualquer número x de "universos". Quanto a algumas fantasias pífias como "passado" e "presente" e "futuro" da abraspas humanidade fechaspas, elas podem ser grandes bastante para um par de bilhões de subidiotas supermecanizados mas elas são pequenas demais para um ser humano.
O país estritamente ilimitado de todo artista é ele mesmo.
Um artista que falseie este país comete suicídio; e mesmo um bom advogado não pode matar os mortos. Mas um ser humano veraz consigo mesmo – quem quer que seja este si-mesmo – é imortal; e todos as bombas atômicas de todos os antiartistas no espaçotempo jamais civilizarão a imortalidade."
(tradução de Ricardo Domeneck, excerto da nonlecture de número 4)
§
Outro trecho da mesma despalestra:
§ - da nonlecture 4
"Pessoas simples,pessoas que não existem,preferem coisas que não existem,coisas simples. `Bom´ e `mau´ são coisas simples. Você me bombardeia = `mau´. Eu bombardeio você = `bom´. Pessoas simples(que, a propósito, mandam neste tal de mundo)sabem disso(eles sabem tudo)enquanto que pessoas complexas – pessoas que têm sentimentos – são muito, muito ignorantes e verdadeiramente nada sabem.
Nada, para pessoas simples cultas, é mais perigoso que a ignorância. Por quê?
Porque sentir é estar vivo.
...
Por pura sorte para você e para mim,o sol nada civilizado misteriosamente brilha tanto sobre os `bons´ como sobre os `maus´. Ele é um artista.
A arte é um mistério."
§ - da nonlecture 2
--- sobre a oposição entre ser e fazer ---
"Eu estou perfeitamente consciente de que, onde quer que nossa tal de civilização tenha escorregado e caído, há todo tido de prêmio e punição nenhuma a quem quer não-ser. Mas se a poesia é seu objetivo, você tem que esquecer tudo sobre punições e tudo sobre prêmios e tudo sobre autoestilizadas obrigações e deveres e responsabilidades etc ad infinitum e lembrar-se de uma só coisa: que é você - ninguém mais - quem determina e decide seu destino. Ninguém mais pode estar vivo por você; nem você pode estar vivo por outra pessoa. Joãos podem ser Josés e Josés podem ser Joãos, mas nenhum deles jamais poderá ser você. Aí está a responsabilidade do artista; e a mais terrível responsabilidade sobre a terra. Se você acha que aguenta, aguente e seja. Se não, anime-se e vá cuidar da vida dos outros; e faça (ou desfaça) até cair."
§ - ainda da nonlecture 2
(proferida em 1952, parece escrita para tempos de redes sociais no século XXI)
"Vocês não têm a menor ou mais vaga concepção do que é serestar aqui, e agora, e a sós, e ensimesmos. Por que (vocês perguntam) alguém deveria querer estar aqui, quando (com o simples apertar dum botão) qualquer um pode estar em cinquenta lugares ao mesmo tempo? Por que alguém deveria querer ser agora, quando qualquer um pode ir quandando por toda a criação num girar de manivela? O que poderia induzir alguém a desejar sozinhez, quando bilhões de soi-disant dólares são misericordiamente desperdiçados por um bom e grande governo para evitar que qualquer onde quer que jamais esteja um instante qualquer só? Quanto a ser você mesmo - por que diabos ser você mesmo; quando em vez de ser você mesmo você pode ser centenas, ou milhares, ou centenas de milhares de outras pessoas? A simples ideia de ser-se a si mesmo em uma época de eus intercambiáveis deve parecer supremamente ridícula.
Muito que bem: mas, no que diz respeito a mim mesmo, poesia e qualquer outra arte foram e são e sempre serão estritamente e claramente uma questão de individualidade."
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quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Postagem celebratória para Alaíde Costa
Não há muito o que dizer. Apenas o espanto de que o Brasil não tenha tratado esta mulher como a rainha que ela é.
Sua interpretação para "Me deixa em paz", de Monsueto e Airton Amorim, uma das minhas all-time-favorites, é simplesmente linda demais.
Sua interpretação para "Me deixa em paz", de Monsueto e Airton Amorim, uma das minhas all-time-favorites, é simplesmente linda demais.
Alaíde Costa canta "Me deixa em paz", com Milton Nascimento
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Alaíde Costa canta "Ilusão à toa", com Johnny Alf
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Alaíde Costa canta "Insensatez" (incompleto)
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Alaíde Costa canta "Entrada do sertão"
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Gravação de Alaíde Costa para "Catavento"
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Gravação de Alaíde Costa para "Igrejinha"
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Gravação de Alaíde Costa para "Judiarias"
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