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Susan Howe nasceu em 1937, é artista visual, poeta e ensaísta. Associada ao grupo ligado à revista L=A=N=G=U=A=G=E, estreou em livro em 1974, com o volume Hinge Picture, mas viria a se tornar muito conhecida a partir da publicação do lindíssimo My Emily Dickinson, um dos livros de crítica mais criativos e apaixonados que já li, em um país onde os poetas dedicam grande parte de seu talento poético à crítica de seus mentores, como é o caso de Louis Zukofsky com Bottom: on Shakespeare (1963) ou Charles Olson com Call me Ishmael (1947).
A editora P55 Edições lançou há pouco o volume Ao longo da linha amarela, reunindo sete contos recentes do escritor baiano João Filho. Nascido em Bom Jesus da Lapa, em 1975, o autor chamou a atenção geral pela primeira vez com a publicação de Encarniçado (São Paulo: Baleia, 2004). Em seus trabalhos, João Filho demonstra sua capacidade incomum de aliar à experimentação em prosa uma espécie de ventriloquismo da naturalidade da fala, com uma mescla de registros distintos, que navega a braçadas de distância do prosaísmo e coloquialismo de grande parte da prosa contemporânea brasileira, sem despencar em artifícios pouco convincentes dos que se sonham esquisitos. Muitos paralelos têm sido traçados ao comparar o trabalho de João Filho com o de outros autores contemporâneos ou modernistas, como João Guimarães Rosa entre os mortos e Evandro Affonso Ferreira entre os vivos, mas a prosa de João Filho parece-me muito diferente dos experimentos calculadíssimos de Rosa, assim como muito mais tesa que a escrita insistentemente onomatopaica de Ferreira. Há no Brasil, de qualquer maneira, a tendência de agrupar quaisquer escritores que se distanciem da sintaxe ou vocabulário da prosa jornalística sob a mesma aba da "experimentação com a linguagem", apagando todas as mil-e-uma sutilezas em diferença ou até mesmo oposição entre eles, como os que forçam sob o mesmo lacre tanto James Joyce (1882 - 1941) como Gertrude Stein (1874 - 1946), estes antípodas da prosa em língua inglesa.Drag Queen
na aprendizagem dos ganhos
pela arte da subtração
(oh, how
elizabeth bishop
of you)
acordei meio porta-luvas
& todas as mãos
compareceram à cerimônia
(oh, how
elisabeth veiga
of you)
ao confiar-me aos sete
dias de jericó
desmoronando aos pés
do sim e de las vegas
(oh, how
elizabeth fraser
of you)
pois
ninguém me arranha
ninguém me cospe
ninguém me chama
de kate moss
(oh, how
elisabeth chamber
of you)
Breviário de secreções
A um canto do quarto, meu corpo
operava sua fábrica
de relações
Decisões não são auto-explicativas,
resistem ao questionário
do prazer
e são
obrigadas a ignorar
conseqüências de causas,
como movimento e encontro
As mãos em concha erguem-se
ao rosto ao mesmo tempo
que este dirige-se a elas
sem que se percam
no caminho
Respirando pela boca, sem
tempo a perder entre a
oxigenação do próprio
cérebro e a
do ambiente
em geral, ele
falou alto e preciso:
o teso súbito que percorre
a linha da boca
do peixe à mão
do pescador, anzol:
isca, peixe
Mas esta imagem não
encontra equivalência
em meu organismo e
volto a olhar
meus pés
Sozinho e vazio
como quem acaba
de parir como quem
acaba de ejacular
vazio e sozinho
e só me acalmei
ao repetir duração duração
duração movimento
passe as cartas por baixo
da porta se as há
Infelizmente não poderei
ir a São Paulo por
enquanto mas com
certeza nos veremos
antes da sua
partida beijos
em vigas de partir
nas vias do por vir
O esvaziamento progressivo
dos pulmões e recomeçar
em seguida
Não há transição mais
sutil que a esquecida
à meia-noite
e entre epiderme
derme músculo
osso esperam
todos
uma gradação
dos espetáculos
do mundo
apague a luz cavaleiro digo cavalheiro
Breviário das secreções
da manhã:
§ salivação comum mesmo
em meio à
desidratação recente
§ ejaculação de hábito
antes do desjejum
§ sangramento normal
à pia do banheiro
colore-me a boca
sensação de frescor e medo
do livro Carta aos anfíbios (2005)

Esta última foi o ponto de contato, o gosto comum que iniciou uma boa conversa com outro poeta anglófono, ainda que este tenha na verdade nascido na antiga União Soviética, escapando com os pais quando ainda era muito pequeno, hoje poeta americano e tradutor do russo: Matvei Yankelevich. Publicou os livros The Present Work (2006) e Boris by the Sea (2009). Traduziu amplamente para o inglês o poeta russo Daniil Kharms (1905 - 1942), um iconoclasta amante do absurdo em um regime que não favorecia tais pesquisas poéticas. 
Interessei-me também pelo trabalho da jovem sueca Linn Hansén. Nascida em 1983, Hansén acaba de publicar o livro Ta I trä (a tradução do título para o inglês parece ser Touch Wood). Não consigo deixar de me interessar por esta pesquisa textual que leva a um "deflacionar da linguagem poética", jogando também com as expectativas do gênero.
Entre os poetas que mais me impressionaram, mencionaria com certeza o russo Aleksandar Skidan, nascido em 1964 na então Leningrado, hoje São Petersburgo. Skidan publicou três coletâneas de poemas e dois livros de ensaios. Por seu último livro de poemas, recebeu o Prêmio Andrei Biéli. Conversamos sobre a poesia brasileira contemporânea, sobre a poesia russa contemporânea, falamos muito sobre Arkadii Dragomoschenko, a quem Skidan chamou de mentor e amigo. Ele ficou muito feliz quando lhe disse que Dragomoschenko era um dos poucos poetas russos contemporâneos conhecidos no Brasil hoje. Especulamos se a relação de tradução que ele mantem com a americana Lyn Hejinian influenciava nisso, já que muito do que conhecemos sobre os russos é filtrado pela tradução para o inglês e francês. Segundo ele, Dragomoschenko seria uma figura de influência subterrânea, uma espécie de outsider, mas muito respeitado na Rússia. Ele disse também coisas interessantes sobre as diferenças entre a cena poética em Moscou e a cena em São Petersburgo. Quando ele me perguntou sobre outros poetas russos vivos conhecidos no Brasil, mencionei Ievgeny Ievtushenko, mas ele então disse, e essas foram as suas palavras, que a Ievtuschenko "ninguém mais leva a sério na Rússia".
Tive apenas um dia em Liubliana (Ljubljana), infelizmente não pude ver muito. A cidade é bastante pequena, com pouco mais de 250.000 habitantes, muito bonita, com muito pouco de arquitetura soviética monstruosa, claramente uma antiga cidade que pertenceu ao Império Austro-Húngaro. A cidade tem como ponto central a estátua de seu poeta nacional, France Prešeren (1800-1849). A letra para o hino nacional esloveno foi tirado de uma estrofe deste poeta romântico, que imagino ter sido uma espécie de Gonçalves Dias deles ou, como disse um dos poetas russos: "Deve ter sido o Pushkin deles."