segunda-feira, 20 de junho de 2011
Os poemas que li este sábado no Festival de Poesia de Berlim
Começou na sexta-feira a edição 2011 do Festival de Poesia de Berlim. Escrevi uma pequena nota para a franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., com poemas e vídeos de alguns dos principais convidados, como o francês Yves Bonnefoy, o americano Billy Collins, o cubano Silvio Rodríguez, o catalão Bartomeu Ferrando, entre outros. Nos próximos dias, prepararei postagens individuais sobre alguns deles. Acabei de postar exemplos de trabalhos da poeta vocal Iva Bittová (República Tcheca, 1958), com um trabalho que a aproxima de mulheres como Joan La Barbara, Meredith Monk e Diamanda Galás. Quando terminar o festival, escreverei aqui um pequeno artigo crítico a respeito, com o que houve de melhor.
Quis compartilhar agora, nesta postagem, os poemas que li neste sábado no Festival, durante o tradicional Poets´ Corner, que sempre ocorre no sábado posterior à abertura, e no qual poetas residentes em Berlim são convidados para ler em locais de seus próprios bairros. Eu li em um pequeno centro cultural na Prenzlauer Allee, em frente à pequena igreja chamada Immanuelkirche, com outros poetas vivendo em Pankow, região onde fica meu bairro, Prenzlauer Berg. Li ao lado de 7 poetas alemães: o querido Timo Berger, poeta, tradutor de poesia hispano-americana e brasileira (traduziu um livro de Laura Erber), além de organizador do Festival de Poesia Latino-americana de Berlim; o ótimo Hendrik Jackson (n. 1971), poeta e tradutor do russo; meu conhecido de vida noturna Björn Schäffer (n. 1981), o mais jovem dentre os poetas; uma poeta muito divertida e irônica chamada Anne Krüger (n. 1975), que eu não conhecia; e ainda Carsten Zimmermann (n. 1968), Ron Winkler, jovem poeta premiado alemão, nascido em 1973 e Lars-Arvid Brischke (n. 1972).
Eu li pela primeira vez na vida quase completamente em alemão, com a exceção de dois textos escritos originalmente em inglês. Todos os poemas haviam sido traduzidos por Odile Kennel. Foi uma experiência divertida, assim que controlei meus nervos. Li também um dos meus poemas favoritos de Frank O´Hara, "Having a coke with you". Deixo vocês com meu setlist, todos os poemas que li naquela tarde, nos originais em português, é claro. A ordem é a mesma da leitura.
POEMAS LIDOS NO FESTIVAL DE POESIA DE BERLIM
a 18 de junho de 2011.
Texto em que o poeta celebra
o amante de vinte e cinco anos
Houve
guerras mais duradouras
que você.
Parabenizo-o pelo sucesso
hoje
de sobreviver a expectativa
de vida
de uma girafa ou morcego,
vaca
velha ou jiboia-constritora,
coruja.
Penguins, ao redor do mundo,
e porcos
com você concebidos, morrem.
Saturno,
desde que se fechou seu óvulo,
não
circundou o Sol uma vez única.
Stalker
que me guia pelas mil veredas
à Zona,
engatinha ainda outro inverno,
escondo
minha cara no seu peito glabro.
Fosse
possível, assinaria um contrato
com Lem
ou com os irmãos Strugatsky,
roteiristas
de nossos dias, noites futuras;
por trilha
sonora, Diamanda Galás muge
e bale,
crocita e ronrona, forniquemos.
Celebro
a mente sob os seus cabelos,
ereto,
anexado ao seu corpo, o pênis.
Algures,
um porco, seu contemporâneo,
chega
ao cimo de seu existir rotundo,
pergunto,
exausto em suor, se amantes,
de cílios
afinal unidos, contam ovelhas
antes
do sono, eufóricas e prenhas.
(Inédito em livro, a ser incluído na minha próxima coletânea. Publicado originalmente
no segundo número impresso da Modo de Usar & Co.)
§
Poema
Enfim aurora-me na cachola,
Jonas das férias em baleias,
por que os deuses desaprovam
o incesto, esse advertisement
ou entertainment em família,
tal reciclagem ad aeternitatem
ou sexo homogêneo à margem
(e sua homenagem a soi-même)
como o cúmulo da economia.
Leis de veto a fellatio in toilets
e virilha em público, ilegíveis,
como Coca-Cola, cocaína & Cia.
ou outros substantivos ilegais
para nossa literatura ou lírica.
Teu Ricardo sabe que o peixe
morre pela fome, boca em pênis
de moçoilos é o anzol de sempre
e eis que pé no rabo eu vos nego.
Pedicabo ego vos et irrumabo.
Seguirei sendo nota de pontapé
no apêndice de vossos cérebros
ou até que me canse, escravo
paciente e devoto, das horas-
-extras de chicote e chacota
sobre vossas gretas garbosas.
(Inédito em livro, a ser incluído na minha próxima coletânea. Publicado originalmente
no segundo número impresso da Modo de Usar & Co.)
NOTA: Se você quer saber a origem (de onde o roubei, em outras palavras) e o significado
do verso "Pedicabo ego vos et irrumabo", clique AQUI, querido.
§
Breviário de secreções
A um canto do quarto, meu corpo
...............operava sua fábrica
.......................de relações
Decisões não são auto-explicativas,
..................resistem ao questionário
..........do prazer
..................e são
.....obrigadas a ignorar
..................conseqüências de causas,
...........como movimento e encontro
As mãos em concha erguem-se
.........ao rosto ao mesmo tempo
.....que este dirige-se a elas
...............sem que se percam
no caminho
....................Respirando pela boca, sem
tempo a perder entre a
........oxigenação do próprio
...........cérebro e a
...............do ambiente
......em geral, ele
..falou alto e preciso:
o teso súbito que percorre
...............a linha da boca
.....do peixe à mão
do pescador, anzol:
...........isca, peixe
Mas esta imagem não
........encontra equivalência
..........em meu organismo e
.......volto a olhar
...........meus pés
................Sozinho e vazio
................como quem acaba
................de parir como quem
................acaba de ejacular
................vazio e sozinho
e só me acalmei
.........ao repetir duração duração
....................duração movimento
passe as cartas por baixo
da porta se as há
Infelizmente não poderei
ir a São Paulo por
enquanto mas com
certeza nos veremos
antes da sua
partida beijos
em vigas de partir
nas vias do por vir
O esvaziamento progressivo
...dos pulmões e recomeçar
em seguida
Não há transição mais
................sutil que a esquecida
.......à meia-noite
e entre epiderme
derme músculo
osso esperam
todos
uma gradação
dos espetáculos
do mundo
apague a luz cavaleiro digo cavalheiro
Breviário das secreções
................da manhã:
§.........salivação comum mesmo
em meio à
desidratação recente
§.........ejaculação de hábito
antes do desjejum
§.........sangramento normal
à pia do banheiro
colore-me a boca
sensação de frescor e medo
(publicado em meu livro de estreia,
Carta aos anfíbios, Rio de Janeiro, Bem-Te-vi, 2005)
§
Sempre o exílio
a.
.........surpreso a quanta terra
.........não me pertence, que
.........engraçado descobrir (mais
.........uma vez) que trocar de país
.........não significa trocar de corpo
.........e a mudança
.........de língua
.........é acompanhada pela permanência
.........da produção da
.........mesma saliva.
b.
.........esta ilegalidade do meu corpo
.........desaloja-me a comida no
.........estômago
.........que permanece em ângulo
.........suspeito, a boca
.........arqueia-se, tesa –
.........e o barbante frouxo dos braços
.........a nenhum peito estreita-me,
.........esta pele estrangeira,
.........este cheiro novo.
c.
.........a certeza finalmente
.........de que a mão é incapaz
.........da linha reta,
.........os ouvidos mais atentos,
.........as pontas dos dedos
.........mais ativas, despertas,
.........os ombros caídos, menos
.........por cansaço que por pesos
.........acumulados ao longo
.........de outros sonos;
.........quando as noções
.........de segurança
.........e cidadania
.........desaparecem e resta-nos
.........a condição.
(publicado em meu livro de estreia,
Carta aos anfíbios, Rio de Janeiro, Bem-Te-vi, 2005)
§
falar hoje exige
elidir a própria
voz as transações
inventivas entre
interno e externo
demandam
que a base venha
à tona e a
superfície seja
da profundidade da
história ímpeto
denotando o
centrífugo
o corpo público
que exibo como
palco fruto
da ansiedade
do remetente
o interno ao longo
da epiderme
como emily
dickinson terminando
uma carta de minúcias
com “forgive
me the personality“
(fragmento do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em meu segundo livro,
a cadela sem Logos, São Paulo, Cosac Naify, 2007)
§
inveja das cartas a que
basta dedilhar um
nome completo e sempre
conseguem a atenção
do destinatário e
enquanto ele e
ele abrem
a boca permitem
a visita ao estômago
alheio minha garganta
de mão dupla abre
a passagem mais
uma vez devo bastar
-me limito-me
a olhar sua
boca limítrofe o
álcool realmente não
auxilia a
confusão de
estômagos entre
interno e externo
(fragmento do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em meu segundo livro,
a cadela sem Logos, São Paulo, Cosac Naify, 2007)
§
o que é uma língua
perdida se
encontra saliva
em estranhos como se
vai de são paulo a
berlim nomear esta
relevância morta
vício de memória horror
à memória horror do
esquecimento uma foto
é irrespirável a catedral
da cidade do méxico
afundando no antigo
lago bombeie bombeie
concreto até reter as
águas é preciso
cruzar o oceano
para ousar
falar de
água
(fragmento do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em meu segundo livro,
a cadela sem Logos, São Paulo, Cosac Naify, 2007)
§
what a shock
to acknowledge
even silence
could be
misunderstood
as no yes depend
on your questions
of hunting & running
undistinguished
or the way
we may name
the dissipation of heat
coldness spreading
& is it a matter
of syntax or coccyx
to measure reality
& probability & expectation
much in the way he said
decompose me
but I understood
don´t come close to me
& insisted chance
is not
simply a proclivity
gone askew
although all
persist on calling
my purple sweater
brown
(escrito originalmente em inglês, publicado na plaquete
When they spoke / I confused cortex / for context, mini-edição numerada e assinada,
lançada com uma edição da revista Pablo Internacional Magazine,
editada pelo curador mexicano Pablo León de la Barra, 2006, Londres)
§
I
wish
my tooth
ached in
your mouth
every year
this time
of the year
the equinox
of equidistant
separations &
equine pain
if you
insist on breathing
as rhythm
for speech
oh my longing
lungs relating
sphinx & asphyxia
as expectation plus
reality or fake
orgasms in the day
light
(escrito originalmente em inglês, publicado na plaquete
When they spoke / I confused cortex / for context, mini-edição numerada e assinada,
lançada com uma edição da revista Pablo Internacional Magazine,
editada pelo curador mexicano Pablo León de la Barra, 2006, Londres)
§
Corpo
cor.po
subst m corpo ['korpu]. pl. corpos. De nem
um. Massa
e peso
(favor não confundir)
anexados a superfícies
de código binário
aka masculino e feminino.
1. a. Geografia do posicionar-se. Área com fronteiras definidas; porção de espaço a sonhar
com dicionários.
1. b. Locus de focus em terror, hocus pocus da lógica em orifícios úmidos.
1. c. Carcaça. "De volta à realidade!".
Diz-se
que o mesmo ar
não pode circundar
dois ao mesmo
tempo.
2. a. Padrão de aparência perigosa para a mecânica da pureza; a ilusão da higiene.
2. b. Não uma árvore.
Cores são encomendadas de acordo com o gosto.
Entrega segue regras de fabricação genética. Exemplares ruivos
anexados a um pênis
são uma iguaria.
3. a. Não confiável em impermeáveis. Temporário e de oscilações frequentes. "Quase lá."
3. b. Um grupo de erros e equívocos reputados como uma sanidade; uma Corporação S.A.
Mas a esfera
privada
é também um pesadelo.
4. a. Estabelecimento comercial. Para instruções, referir-se ao manual, ao oral.
Som
conhecido como voz
causa a aderência
à sua definição.
5. a. Geringonça que não sua em fotografias:
5. b. Anal tomia. A maior peça da fricção.
5. c. Maquinaria para a produção de líquidos.
5. d. Exclusivo para índices e apêndices.
5. e. Destinado a lubrificantes.
Se cortado ou perfurado, tende a tornar-se mais atento.
6. Massa do tangível e matéria de farrapos.
Dê-lhe água,
faça-o celeste.
7. a. Uma coletânea ou quantidade, como de material ou informação: a evidência
de sua inflação.
VOCÊ ESTÁ AQUI
em um mapa.
8. Mobília confortável que requer manutenção.
(publicado originalmente em inglês na plaquete Corps / Körper,
do fotógrafo alemão Heinz Peter Knes, Paris, Parasite Book, 2009)
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4 comentários:
maravilhoso set list. queria ter estado lá pra ver/sentir/escutar.
Obrigado, Angie. Que lindo teria sido ter você na plateia!
É certo, Ricardo, uma boa elecao de ler em alemao! Gostei muito da sua leitura! Beijo
E eu gostei muito da sua! Êba, todo mundo feliz!
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