domingo, 5 de junho de 2011

Sugestão de vídeo para ser apresentado a jovens nas escolas, contra a intolerância que aprendem em casa

Capa do álbum Ágætis byrjun (1999), da banda islandesa Sigur Rós


Tem-se falado muito ultimamente sobre o tal material a ser apresentado em escolas, para tentar começar a quebrar os séculos de preconceito e intolerância na cultura ibérica (não só nela, mas a nossa tem características específicas, eu diria), que ainda regem a educação de crianças em lares dominados por machos-alfa ignorantes, estes que fazem do Brasil um país extremamente perigoso para mulheres e homossexuais. Me assombra a falta de vergonha em nossa República pelos números da violência sexual no país. No Ocidente, sabemos que há inúmeros países onde a punição por um assalto a um banco é muito mais severa que a punição por um estupro. As prioridades são claras. No Brasil, onde a violência contra homossexuais é tão corriqueira que não parece merecer qualquer indignação, é como se, ao desviar-se da norma sexual vigente – a do macho-alfa heterossexual, um cidadão abrisse mão de parte de seus direitos constitucionais, a única explicação para a maneira como homossexuais são tratados nesta República: como cidadãos de segunda categoria. Sabemos que a laicidade da Constituição brasileira é uma ilusão, mas isso apenas torna ainda mais urgente que esta laicidade seja efetivada o mais rápido possível.

Vi algo do material proposto, mostrado por algumas pessoas nas redes sociais eletrônicas. Não quero opinar antes de conhecer tudo. Tenho minhas dúvidas, mas talvez se deva a meu desconhecimento de todo o programa.

Para mim, a prioridade não deveria ser tanto educar as crianças e adolescentes heterossexuais quanto encontrar uma maneira de proteger e apoiar as crianças e adolescentes homossexuais. Eles são a prioridade. As crianças e adolescentes homossexuais, que sofrem horrores por acreditarem que vivem/existem em um mundo que os odeia. É muito sofrimento para uma criança ou mesmo para um adolescente. Daí o altíssimo número de suicídios entre adolescentes homossexuais. É monstruoso tratá-los assim. Fazer com que crianças e adolescentes cresçam achando que a vida deles acabará quando todos descobrirem "o que são". É desumano fazer com que crianças e adolescentes se sintam desta maneira. É um horror e há algo de muito errado com uma sociedade que não se horroriza com isto, não com o que cidadãos adultos fazem de sua vida e de seus corpos em uma República que se diz democrática e laica.

Vendo algo do material, não pude deixar de pensar neste vídeo maravilhoso da banda islandesa Sigur Rós, que tem à sua frente, como se sabe, o poeta Jón Þór Birgisson, que é homossexual. O vídeo foi criado para a canção "Viðrar vel til loftárása", que parece significar "clima bom para um bombardeio", e gerou polêmica, como sempre é o caso com os machos-alfa do mundo, tão zelosos e ciosos da impenetrabilidade de seu ânus, onde parecem estocar sua masculinidade, como se esta fosse uma flor-de-lótus de cristal delicadíssimo, muito frágil.

A canção está no segundo álbum da banda, intitulado Ágætis byrjun (1999), com o qual ficou famosa. Eu tinha 21 anos quando vi o vídeo pela primeira vez. Sozinho na sala de casa, na casa onde tinha tanto medo que descobrissem o que eu sentia. Lembro de ter chorado. Hoje, morando no exterior, onde uma criança ou adolescente não é tão massacrado e humilhado por ser diferente, onde os pais não se comportam como se fossem carrascos sexuais, eu me pergunto: até quando vamos humilhar crianças e adolescentes no Brasil por serem diferentes do que se costuma esperar de uma norma sexual? Até quando não vamos sentir vergonha do alto índice de suicídio entre adolescentes homossexuais no mundo? A adolescência já é um período tão difícil, por que o tornar ainda mais traumatizante para os que são diferentes, para os que não se encaixam nas expectativas de reprodução da espécie?

Aos meus amigos cristãos (dentre os quais me incluo), eu posso apenas dizer: lembrem-se, meus caros, que a sua luta não é contra carne ou sangue.

Mas meu cristianismo é o que guiava Pasolini.

Este vídeo até hoje é um dos meus favoritos. A canção é linda, a voz de Birgisson é sublime, o vídeo é de uma delicadeza quase violenta. Ele deveria ser mostrado nas escolas brasileiras. Ajudaria talvez a começar uma discussão sobre os preconceitos que as crianças trazem de casa. E ainda as apresentaria à música de uma banda simplesmente primorosa.




Sigur Rós, "Viðrar vel til loftárása", do álbum Ágætis byrjun (1999)


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4 comentários:

Anônimo disse...

Em 99 você morava com teu primo?

Ricardo Domeneck disse...

Não, em 99 eu já morava na Rua Fradique Coutinho em Pinheiros, mas eu vi o vídeo na casa dos meus pais, durante uma visita. Eu me referia no texto à casa dos meus pais.

Paulodaluzmoreira disse...

Um dia, Ricardo, infelizmente provavelmente depois que nós todos já não estivermos aqui, as pessoas vão olhar para este mundo francamente ridículo em que a gente vive hoje e pensar nas coisas que se dizem e se fazem hoje como as pessoas de hoje pensam sobre os massacres de índios, os escravos no tronco, as bruxas na fogueira de outros tempos. Os carrascos vão ser vistos como excêntricos e a dor das vítimas vai virar uma abstração vagamente melancólica. Nos dias pessimistas eu acho que seremos assim sempre ridículos até que o sol se apague, apenas de formas diferentes; mas nos dias mais felizes acho que essas são as dores do parto de um outro mundo, muito longe de perfeito, mas um pouquinho melhor.

Ricardo Domeneck disse...

Eu concordo, Paulo. Há apenas dias, aqueles em que eu me ponho mais sombrio, em que me pergunto quando é que este meteoro que vaga agora pelo universo, em nossa direção, finalmente chegará, pois nestes dias eu sinto como se realmente já tivéssemos esgotado todas as chances de redenção. Aí eu penso naqueles que amo, e naqueles poemas e canções que parecem iluminar o canto mais escuro do quarto, e penso: que bom, um dia mais, uma chance a mais de darmos um passo na direção certa, na direção do que você chamou de "pouquinho melhor".

abraço do Ricardo

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