Caros, soube hoje a respeito de duas novas resenhas sobre meu novo livro, uma de Schneider Carpeggiani para a revista Continente, e outra do crítico Diogo Guedes para o "Caderno C", do Jornal do Commercio de hoje, 7 de março. A resenha de Guedes é seguida de uma entrevista, na qual ele propôs selecionar algumas das perguntas que formam meu texto "A educação dos cívicos sentidos". Hesitei um pouco sobre esta ideia da entrevista, mas aceitei o desafio. Abaixo, vocês podem ler a resenha e a entrevista. Ao final, a matéria tal qual apareceu no jornal.
A estética política do sujeito
por Diogo Guedes
Jornal do Commercio, Recife, 7 de março de 2012.
Se alguns – muitos – poetas parecem buscar o diálogo com uma tradição estanque ou, em última instância, com o próprio potencial de imortalidade dos seus escritos, o brasileiro radicado em Berlim Ricardo Domeneck parece fazer poesia ciente do exato contrário, de que sua obra é momentânea, parte de um presente histórico. De certa forma, todos os trabalhos presentes em Ciclo do amante substituível parecem trazer essa certeza, a partir das confissões amorosas e eróticas ou das referências à cultura literária.
Dividido em cinco partes, o livro constrói uma narrativa sentimental por meio de seus poemas, ainda que eles não tenham uma relação direta entre si. Os 15 primeiros da obra são estranhamente pessoais, como se no ato de mostrar sua (verdadeira?) vida pessoal, Domeneck estivesse se observando como objeto poético, estivesse tomando consciência de quão visceral e irracional pode ser o amor. O tema é retomado em outros momentos do livro, com trechos de confissão que se alternam entre o lirismo (em "As aritméticas dolorosas", ele escreve: “é excessivo / porque não / é suficiente”) e a carnalidade homoerótica.
As citações de mestres literários e da cultura pop – aqui, capaz de dizer tanto quanto os escritores – são frequentes, como se fossem termos e adjetivos de uma linguagem poética própria ao autor. Ao mesmo tempo, trazer a literatura para o cotidiano (ainda que voraz) dos amores e dos desamores é parte de um projeto que ele deixa implícito na segunda parte do livro. Em "O que é o que é um cânone?", por exemplo, ele responde à pergunta do título: “poetas com marinha exército aeronáutica”. Em um poema em prosa, compara: “sei hoje também que o cânone não passa de um equivalente mais prestigioso de um Vale a pena ver de novo”.
É a certeza da transitoriedade das fórmulas estéticas que move Domeneck, incapaz de aceitar a ilusão de que uma visão da literatura – como diz na entrevista, a literatura branca, masculina e heterossexual – é a verdadeira. A escrita não é feita de nichos porque não existe uma escrita total, definitiva: todos os poemas e obras são frutos de uma estética e política de um sujeito. A certeza da morte é a certeza de que nada é definitivo, nada é alheio ao contexto: “Em duzentos anos, / quando o acúmulo / de notas de rodapé / para esse meu texto / exceder o número / de caracteres / do próprio / para que possa / ser compreendido, eu também serei / punhado e opróbrio / de pó e ossos / como você”. (D. G.)
§
Entrevista:
O poema não é imune ao tempo
Diogo Guedes
Ciclo do amante substituível (7 Letras, 192 páginas, R$ 39) é o quinto livro de Ricardo Domeneck, um dos mais interessantes poetas brasileiros contemporâneos. Para esta entrevista, sugerimos que Domeneck respondesse algumas das perguntas que ele mesmo faz durante a obra, em "A educação dos cívicos sentidos", como que questionando os escritores e literatos de hoje. Apesar do receio em falar sobre o que preferia deixar em aberto, ele aceitou a proposta. Eis, a seguir, o resultado da conversa de Domeneck consigo mesmo.
JORNAL DO COMMERCIO – Que dia é hoje no seu poema?
RICARDO DOMENECK – Se eu estivesse escrevendo um poema, tentaria ter consciência que hoje é 5 de março de 2012, seriam 14h57, e eu estaria escrevendo em português, mas em Berlim, na Alemanha, cercado por uma língua completamente distinta da que estaria carregando o meu poema, ao mesmo tempo que esta língua alemã, provavelmente, estaria influenciando algumas das minhas construções sintáticas ou mesmo a escolha de palavras. Eu não tenho medo do datado, pelo contrário, eu acredito que os textos que sobrevivem a seu momento histórico são justamente os que têm consciência de seu momento histórico. Apesar do lindo (será mesmo lindo?) sonho simbolista de escrever numa linguagem que estivesse imune ao tempo, espero termos já despertado do pesadelo resultante. O que importa é que o poema, quando bem sucedido, não atinge o atemporal, mas uma espécie de existência dupla no tempo de sua escritura e no tempo de sua leitura. É o que sinto ao ler Catulo, que morreu há mais de dois mil anos, mas fala comigo como se fosse meu contemporâneo, ao mesmo tempo em que me transporta para as ruas de Roma nos últimos anos da República.
JC – A poesia e a política são demais para um único ser humano?
DOMENECK – Talvez apenas se vistas como antagônicas, algo que está por exemplo no equívoco dos concretistas em acreditar na existência de uma “poesia pura” e uma “poesia para”. Este dualismo é desnecessário. No entanto, eu tenho dois fantasmas pessoais, que sempre surgem sobre meu crânio ao discutir coisas desta natureza: o poeta norte-americano George Oppen (1908 – 1972), que deixou de escrever poesia por 20 anos para dedicar-se ao ativismo político, escolhendo o silêncio para melhor agir, e Ulrike Meinhof (1934 – 1976), a jornalista política e pacifista que um dia acreditou que palavras não bastavam e tomou armas, tornando-se uma das líderes da Facção do Exército Vermelho na Alemanha. Oppen acabou perseguido pelo FBI e teve que se exilar no México, Meinhof acabou presa e suicidou-se na prisão. O que quer que eu possa responder aqui sempre parecerá frágil diante das escolhas extremas destes dois autores que perseguem minha consciência est-é-tica.
JC – O poeta é inofensivo? Você teria coragem de dizer isso a Ossip Mandelstam, que morreu na Sibéria por causa de um poema?
DOMENECK – A segunda pergunta responde a primeira. Os cemitérios estão cheios demais de poetas assassinados por causa de seus poemas para que os vejamos como inofensivos. Os Césares, Hitlers e Stalins do mundo talvez entendam mais dos riscos da poesia que os críticos universitários e jornalistas dos cadernos de cultura.
JC – O papel do poeta seria mesmo o de emocionar moçoilas e consolar velhinhos?
DOMENECK – Certamente também estes, além de tantos outros mais. Só em províncias, como ainda parece ser a vida cultural no Brasil, sente-se a necessidade de eleger uma única função para a poesia ou um único Grande Poeta Nacional, contra o qual todos os outros tenham que ser medidos e comparados. A poesia é plural em todo momento histórico.
JC – Poeta bom é poeta universal? Ou mulher escreve como mulher, viado como viado, negro como negro, macho como macho?
DOMENECK – O problema não está na busca de contatos que nos liguem e irmanem a todos, apenas na farsa milenar de assumir que os parâmetros dos homens brancos heterossexuais são universais, sem necessitar adjetivos, enquanto os outros, relatando experiências tão humanas quanto as dos homens heterossexuais, acabam colocados em guetos ou etiquetados na estante. A farsa está na maneira como, para muitos, ainda (aparentemente), poeta homem, branco e heterossexual escreve apenas “poesia”, mas assim que o texto vem de um homossexual, passa a ser “poesia gay”; se é de uma mulher, então imaginam poder apenas ser “poesia feminina”; e, se de um negro, “poesia negra”. Ora, há a poesia gay, e há a poesia negra, e há a poesia feminina, mas há também a poesia masculina, branca e heterossexual. O que escritores heterossexuais contemporâneos escrevem, como por exemplo Joca Reiners Terron, é-me com frequência completamente alheio. No entanto, sempre preferirei ler Terron, por sua qualidade literária, a algum escritor homossexual de pouca qualidade. A qualidade do texto é o primordial, mas não há porque acreditar que mesmo esta qualidade não será condicionada por certos fatores históricos e biográficos.
JC – Se vivemos um momento pós-utópico, tanto melhor?
DOMENECK – O pós-utópico, no qual não acredito e vejo como uma invenção que só faz sentido dentro do desenvolvimento da obra do autor que a cunhou, Haroldo de Campos, assim como obviamente na obra dos que a deturparam mais tarde para se entregarem a um decadentismo de péssimo gosto, poderia porém levar-nos a uma visão mais adulta da função política e social da poesia. Mas o que me interessa é que, mesmo que vivamos num momento pós-utópico, o que importa é que sempre, repito: sempre estaremos às portas do distópico, fazendo da poesia uma atividade eternamente pré-distópica, como a das vanguardas históricas mais vivas, seja o dadaísmo ou o trabalho da Internacional Situacionista (movimento poético surgido na Itália).
JC – É mais político oralizar estas perguntas ou publicá-las em escritas?
DOMENECK – Depende, como sempre, do contexto do texto.
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