Especialmente durante os conflitos na USP, ao ler "legalidade" nos debates da imprensa e blogosfera brasileiras, as palavras, voz e rosto de Hannah Arendt vinham constantemente à minha mente. A quem já tenha lido Eichmann in Jerusalem (1963), não surpreenderá que o que chamo aqui de "argumento legalista" cause espanto e asco, não apenas por denunciar a incapacidade de pensamento verdadeiramente político de quem o usa, como por sua total contradição ao defender atos inconstitucionais e de violência militar contra civis do próprio país, e refiro-me aqui tanto ao debate atual sobre o Golpe de 64 como sobre conflitos na USP em 2011 e os crimes em Pinheirinho em 2012. Se o historiador já foi chamado de profeta com olhos voltados para o passado, um dos mais alarmantes e indefensáveis argumentos dos defensores de Golpe de 64 volta a ser a ideia de uma ditadura para defender o País de outra ditadura, como se o pensamento hipotético (com ares paranóicos) tivesse peso agora historiográfico, especialmente quando muitas das reformas propostas por João Goulart poderiam ser vistas como bastante moderadas e tímidas perante a necessidade gigantesca de transformações sociais que o País ainda hoje não conseguiu levar a cabo. Pádua Fernandes e Idelber Avelar, entre outros, têm discutido de forma inteligente várias destas questões.
Já deixei clara minha posição e crença sobre uma das funções políticas dos poetas: monitorar o uso e denunciar o abuso da linguagem no discurso político de sua comunidade, algo que o obriga a ser quase invariavelmente oposição, esteja quem estiver no poder. Não consigo imaginar interpretação mais prática, objetiva e funcional do velho adágio sobre "manter puras as palavras da tribo".
E esta noite, após uma ronda de leituras na blogosfera brasileira sobre a asquerosa comemoração anual dos militares em torno de seu criminoso Golpe de 64, volto a Hannah Arendt, a suas palavras, a sua voz. Tentarei voltar a este assunto com a frequência que me for possível nestas próximas semanas, encerrando por ora com a sugestão aos leitores deste espaço da leitura do livro de Hannah Arendt – estejam do lado que estiverem na atual polarização – e de uma meditação sobre algumas destas ideias, expostas também nos vídeos abaixo.
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