terça-feira, 27 de março de 2012

Na mais profunda escuridão, buscamos asilo na luz. Concerto do duo Light Asylum e discotecagem da Planningtorock esta noite, no Berlimbo.

"Expor-se à luz do domínio público, como pessoa, este é o primeiro risco, ousadia.
O segundo é: começamos algo, lançamos nosso fio em meio à malha das relações, sem saber quais suas consequências.
Todos nós fomos ensinados a dizer: `Senhor, perdoai-os, eles não sabem o que fazem´. Isso aplica-se a toda ação,
é um risco, uma ousadia, pois não se pode saber. Hoje, eu acrescentaria para encerrar, que esta ousadia só é possível
por confiança nos seres humanos, algo difícil de formular, mas fundamentalmente uma confiança nos seres humanos,
no humano de cada ser humano. Não é possível de outra forma". ---- Hannah Arendt, em conversa com Günter Gaus.


Organizo hoje em nosso clube um concerto do duo nova-iorquino Light Asylum, com uma discotecagem especial da minha heroína e amiga Planningtorock. É uma noite importante para mim, não apenas por ser um dos melhores eventos que já pude organizar, mas por outras questões. Oh, lá vem o poeta lírico expor-se em seus melodramas, eu sei, mas é a carnadura de minha criaturização tudo o que tenho a oferecer, minha recusa a ser paciente anestesiado sobre a mesa, por incapacidade de ser forte como vocês. Mas também "porque sentir é estar vivo", dixit cummings. Ou

the great advantage of being alive
e. e. cummings

the great advantage of being alive
(instead of undying) is not so much
that mind no more can disprove than prove
what heart may feel and soul may touch
--the great(my darling)happens to be
that love are in we,that love are in we

and here is a secret they never will share
for whom create is less than have
or one times one than when times where--
that we are in love,that we are in love:
with us they've nothing times nothing to do
(for love are in we am in i are in you)

this world(as timorous itsters all
to call their cowardice quite agree)
shall never discover our touch and feel
--for love are in we are in love are in we;
for you are and i am and we are(above
and under all possible worlds)in love

a billion brains may coax undeath
from fancied fact and spaceful time--
no heart can leap,no soul can breathe
but by the sizeless truth of a dream
whose sleep is the sky and the earth and the sea.
For love are in you am in i are in we



No verão do ano passado, esta canção abaixo, do Light Asylum, serviu de trilha sonora para uma minitragédia almodovaricada e salvou-me do colapso numa noite escura. Como escreveu Murilo Mendes:


"Há noites que são intransponíveis."

É por isso que quando um poeta ou artista nos ajuda a transpor uma delas, quedamos em estase agradecido. A primeira e única vez em que eu, todo Catarina de Aragão, fui submetido à experiência de estar entre as mesmas quatro paredes e teto em presença de Henrique VIII e Ana Bolena, era Shannon Funchess quem estava no palco, e quando meus olhos os encontraram sorridentes em meio à escuridão da sala em que se apinhava a corte noturna berlinense, a americana havia acabado de começar a cantar "Dark Allies", esta canção. Eu fiz o único que qualquer um pode fazer numa situação como esta: eu dancei, dancei, dancei, com os olhos fechados, evitando sobrevoar a sala e ver os dois lado a lado, magníficos em sua beleza apaixonada e triunfante, enormes, extáticos em meio a meu peso estático trazendo-me de volta ao chão a cada vez que meus pés lançavam-me em impulso ascendente, cantando "Nail me to the cross in the darkest alley / I said, the Prince of Peace doesn’t have to know about it", tentando, tentando, tentando não cantar aquele refrão "I’ll wait for you, forever / And ever, and ever / And ever”, ah, não haver algoz que fizesse a minha cabeça rolar ali e imediatamente, como são privados certos desastres, Auden já havia dito que só os Velhos Mestres o compreenderam bem,

"About suffering they were never wrong,
The Old Masters; how well, they understood
Its human position; how it takes place
While someone else is eating or opening a window or just walking dully along"

ah, Moço, Moço, eu estava em meio ao Apocalipse enquanto você comportava-se como se tudo não passasse da mera troca da Guarda em frente ao Palácio de Buckingham. Hoje que uma paz precária em sua delicadeza já se instalou no meu peito, quando hoje à noite Shannon Funchess começar a cantar esta canção, pensarei naquela noite, pensarei em você, e sentirei uma espécie de vitória, a do náufrago que sente os primeiros sinais de proximidade da areia, avistando ao longe a primeira palmeira da ilha deserta.


Dark Allies
Shannon Funchess

Nail me to the cross in the darkest alley
I said, the Prince of Peace doesn’t have to know about it
Say three Hail Marys, turn around, pray about it
C’mon, nail me to the cross in the darkest alley

Heartbeats through the dark that spread like a poison
And the tears ran hot like black tar of emotion
Inherit the earth where no words are spoken
And the sky like a veil was our wounds torn open

As she lies dying in a dark alleyway
Her lips, ruby red
And her eyes were morning green
But she whispered to me “Come closer, come closer”
And as I knelt down beside
With her dying breath, she said to me
“I’ll wait for you, forever
And ever, and ever
And ever”.



.
.
.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog