sexta-feira, 30 de julho de 2010
Sonoro? Visual? Textual? Satírico? Um poeminha-vídeo.
History of Poetry as Displacement of Attention or The Gräfenberg Spot of Language Art. "Texto" de 2008, animação de 2010.
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quarta-feira, 28 de julho de 2010
"Um coletivo é uma banda é um grupo"
Meu uso da palavra "coletivo", quando todos dizem "banda", não é por vontade de bancar o intelectualóide, ainda que peque talvez com frequência neste quesito.
(Chelpa Ferro. Banda? Coletivo? Grupo?)
Estou USANDO a palavra "coletivo" (pausa para fazer publicidade para a nossa revista Modo de Usar & Co. : você já a visitou esta semana?) e isso tem implicações. Eu sei bem que é "banda" a palavra mais comum, mas aqui eu estou justamente insinuando que deveríamos ver "bandas" (não gosto da palavra nem um pouco) ou "grupos" (esta é realmente bem melhor e talvez mais apropriada) como Devo, Sonic Youth ou Cocteau Twins da mesma maneira que vemos/ouvimos o (grupo, banda ou coletivo?) Chelpa Ferro, os senhores e senhoras da Bernadette Corporation ou o "coletivo" COUM Transmissions, que mais tarde virou a "banda" Throbbing Gristle.
::: Vídeo sobre exposição britânica em que trabalhos do coletivo COUM Transmissions foram resgatados. Alguns membros do coletivo mais tarde formaram a banda/grupo Throbbing Gristle:
Num país como o Brasil, onde já nos cansamos de ouvir intelectuais (clara e obviamente ignorantes em relação à tradição da poesia oral e cantada, ou das muitas discussões a respeito) ruminando as velhas hierarquias culturais de sempre, trata-se de um ato consciente, quase de ativismo, tratar uma "banda" de música como um "coletivo" de arte, ou um bom performer de bons textos orais como poeta. Ou seja, como sempre, eu estou tentando provocar mesmo. É por aí afora.
(Exposição da arte do coletivo aka banda Sonic Youth, em Düsseldorf, Alemanha, em 2009.)
Mas vamos terminar com uma canção linda deles, porque cantando é sempre melhor.
("Bull in the heather", uma de minhas canções favoritas do COLETIVO Sonic Youth.)
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domingo, 25 de julho de 2010
Entre os atuais herdeiros de DADA
("What we do", do novo álbum do coletivo Devo, chamado Something for everybody, 2010)
Eu já escrevi bastante sobre a importância que os poetas e artistas do Cabaret Voltaire e da revista DADA tiveram para a minha vida, meu trabalho. Na Modo de Usar & Co., postei, traduzi, comentei tanto os textos e algumas outras obras de poetas e artistas como Hans Arp e Hugo Ball, como de muitos dos futuros herdeiros daquele que foi um dos mais frutíferos movimentos artísticos e políticos do século XX. Escrevi também ad infinitum sobre os grupos de retomada das estratégias das vanguardas no pós-guerra que, por motivos que já discutimos em outros textos, permaneceram obscuros no Brasil. Em um artigo chamado "DADA: implicações e inseminações", tentei até criar uma espécie de árvore genealógica que percorreu o século XX.
Busquei também comentar os Lettristes parisienses, traduzi os poetas do Grupo de Viena, relacionei-os com o Dau al Set de Barcelona, misturei-os com a Escola de Nova Iorque, os Beats e o movimento chamado de British Poetry Revival, estudei e tentei chamar a atenção de novo para a Internacional Situacionista... todos intrinsecamente ligados aos poetas dadaístas. Mais tarde, vieram o Fluxus, o Punk nova-iorquino e londrino, a Pop Art, grupos e coletivos da Alemanha, como o Kraftwerk e Die Tödliche Doris.
Percebi hoje, no entanto, que jamais comentara um coletivo/banda que amo muito, e que talvez seja hoje um dos herdeiros mais próximos dos poetas do Cabaret Voltaire: o coletivo norte-americano Devo.
Formado em Ohio em 1973, as primeiras intervenções foram feitas pelos jovens artistas Gerald Casale e Bob Lewis, a quem se uniu mais tarde o genial Mark Mothersbaugh. Eles começaram a chamar atenção com o vídeo In The Beginning Was The End: The Truth About De-Evolution (1976), dirigido por Chuck Statler, e os primeiros singles, "Mongoloid" e "Jocko Homo", daquele mesmo ano. Produzido por Brian Eno, seu primeiro álbum, intitulado Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!, sairia em 1978. Mesmo quem não conhece o incrível trabalho de sátira política e social da banda deve conhecer o seu hit de 1980, a canção "Whip it". O coletivo lançaria ainda os álbuns New Traditionalists (1981), Oh, No! It's Devo (1982), Shout (1986), Total Devo (1988) e Smooth Noodle Maps (1990).
Agora, 20 anos depois, aqueles que não se cansaram de satirizar nossas ilusões civilizatórias retornam com o álbum Something for everybody (2010), e eles nunca foram tão necessários como nesse exato momento, neste planeta quebrado e afogando em óleo. DADA siegt!
("Dont shoot! I´m a man!", do álbum Something for everybody, 2010)
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terça-feira, 20 de julho de 2010
Entre a alegria e a alergia
Passei a tarde no parque com minha amiga Adelaide Ivánova, conversando sobre nossas paranóias amorosas, nossas catástrofes líricas, nossos desastres patrocinados por portadores dos cromossomos XY. Que vontade de alegria. Comecei a pensar nos poemas mais bonitos da alegria que eu conheço, e há dois que ocupam um lugar primordial em minha mitologia pessoal, por carregarem algumas cicatrizes, mas mesmo assim seguirem entoando pelos dias afora a taquicardia solar no plexo, no peito.
Um destes poemas é a canção "Iceblink Luck", de Elizabeth Fraser com o coletivo Cocteau Twins. É impossível, para mim, escutar este poema cantado sem ser tomado por uma forma estranhíssima de bliss.
Já escrevi sobre o trabalho poético-vocal de Elizabeth Fraser (uma de minhas antológicas Elizabeths) para a Modo de Usar & Co., a quem se interessar. Aqui, retorno a ela e a este texto por ser uma coisa linda, na maneira como ela expõe aos pássaros do mundo os frutos da alegria em sua garganta. Há algo de extático em cantar para alguém: You're the match of Jericho / That will burn this old madhouse down / And I'll throw open like a worn-out safe / More like a love that's a bottle of exquisite stuff, yes. escutar esta canção me alegra de imediato.
Iceblink Luck
Elizabeth Fraser, com o coletivo Cocteau Twins
I'm seemin' to be glad a lot
I'm happy again,
Caught, caught in time
This mustn't hurt or harm yourself
Well, me, I give in to your arms
You're the match of Jericho
That will burn this old madhouse down
And I'll throw open like a worn-out safe
More like a love that's a bottle of exquisite stuff, yes
You, yourself, and your father
Don't know him, so part in your own ways
You're really both bone setters
Thank you for mending me babies
Tomei minhas liberdades com o texto de Fraser na tradução abaixo, um texto, de qualquer forma, que esbanja indeterminação em tempos de poetics of indeterminacy.
Pareço estar alegre abundante
De novo feliz
Cativa, cativa no tempo
Isto não precisa doer ou delir
Bem, por mim, doo-me aos seus braços
Você é o fósforo de Jericó
Que há de incendiar este velho hospício
E eu abrirei de jato como um cofre desgastado
Mais como um amor que é garrafa de coisa exuberante, sim
Você, por si, e seu pai, não sei
Partam cada um por si
Vocês são ambos mecânicos de ossos
Obrigado por me remendarem, queridos
Há uma expressão nesta canção de Elizabeth Fraser que é importantíssima para mim: trata-se do momento em que ela canta, em plena alegria, caught, caught in time. Isso é central para noção da felicidade como o momento presente fugidio, na aceitação do agora, agora, agora. Isso tem um papel forte em toda a minha defesa do contextual, do histórico, contra o transcendente eternite, contra o trans-histórico abstrato, em favor de uma aceitação do momento presente, nem a nostalgia da presença, nem o elogio da ausência. Em um poema recente, publicado este ano na revista Celuzlose, escrevi:
(...)
Minha língua entre dentes
não se quer pantera
entre grades. Digo "aqui"
e ponho os pés
no chão; "eu",
e a cabeça entre as mãos;
"hoje", enchendo até doer
de ar
os pulmões. Certeza, não
de meio-dia ou meia-noite,
mas endereço de avião
em pleno voo
(...)
(fragmento do poema "Eu")
Este "caught in time" da canção dos Cocteau Twins ecoa no segundo poema da alegria mais importante em minha mitologia pessoal: o poema-livro Happily (2000), de Lyn Hejinian. A leitura e releitura obsessiva de Happily teve um impacto muito grande sobre minha vida, minha poética. Para mim, trata-se de um dos textos mais lindos deste início de século. Ele abre assim:
from "Happily"
Lyn Hejinian
Constantly I write this happily
Hazards that hope may break open my lips
What I feel is taking place, a large context, long yielding, and to doubt it would be a crime against it
I sense that in stating "this is happening"
Waiting for us?
It has existence in fact without that
We came when it arrived
Here I write with inexact straightness but into a place in place immediately passing between phrases of the imagination
Flowers optimistically going to seed, fluttering candles lapping the air, persevering saws swimming into boards, buckets taking dents, and the hands on the clock turning—they aren't melancholy
Tudo aqui aponta para uma alegria de quem põe os pés no chão, enche os pulmões de ar. É quase como se aquela mulher de "peignoir, and late / Coffee and oranges in a sunny chair", no belo "Sunday Morning", de Wallace Stevens, abandonasse por completo aquele "dark / Encroachment of that old catastrophe". Como Marjorie Perloff viria a fazer em seu excelente, realmente excelente ensaio sobre este Happily, de Hejinian, poderíamos citar o inescapável Wittgenstein e dizer que "somente um homem que não vive no tempo, mas no presente, é feliz". Isso marca grande parte da minha obsessão pelo contextual, meu elogio insistente do datado, justamente aquele que é o medo da grande maioria dos poetas. Eu não temo o datado, eu quero convidá-lo, o desafiar, o seduzir.
Na segunda estrofe do poema-livro, surge a expressão que dialoga em minha cabeça com o "caught in time" de Fraser. Trata-se do "launched in context" de Hejinian, assim como o belo "Context is the chance that time takes". Em um dos poemas da Carta aos anfíbios, eu me apropriei dele e o deformei nos versos "e no hino à possibilidade / escrevo `dois dados querem / sempre ocupar o / mesmo lugar no espaço´ / sabendo que contexto é o risco / que a alegria corre e aceita". A segunda estrofe do poema de Hejinian segue:
The day is promising
Along comes something — launched in context
In context to pass it the flow of humanity divides and on the other side unites
All gazing at the stars bound in a black bow
I am among them thinking thought through the thinking thought to no conclusion
Context is the chance that time takes
Our names tossed into the air scraped in the grass before having formed any opinion leaving people to say only that there was a man who happened on a cart and crossed a gnarled field and there was a woman who happened on a cart and crossed a gnarled field too
Is happiness the name for our (involuntary) complicity with chance?
Anything could happen
A boy in the sun drives nails into a fruit a sign (cloud) in the wind swings
A woman descends a ladder into mud it gives way
But today's thought is different
Linhas como "Is happiness the name for our (involuntary) complicity with chance?" viriam a causar um redemoinho em meu crânio. Estes textos viriam a ecoar em alguns poemas meus, entrando em diálogo com o poema-livro de Lyn Hejinian. Uma das transformações entre o Alto Modernismo oficial do Entre Guerras e nosso tempo (estou ciente de que tento instituir aqui um discurso) talvez seja uma maior aceitação do contextual, contingente? Destarte, do imanente? Talvez. Em meu "Poema começando `Quando´", cuja Musa é o Anjo da História benjaminiano, isso ressoa fortemente quando proponho esta narrativa histórica:
"Poema começando `Quando´"
Oitava faixa – 0:50
Prefiro no fundo,
a superfícies,
apêndices.
Consumir antes
da próxima
geração.
Adorno e engenho
substituídos pelo
fluxo do floema,
isto é, afinal
de contas,
uma emergência.
Mudança no
tempo imprevista.
O eterno seduz
tanto quanto
sempre
mas espera-se
adultos agora.
“O que
significa
isto?”
Leia a frase
toda.
Percorremos este
espaço de tempo
minuto a minuto
para vir do pavor
da idade do serrote
como infração do eterno
em Murilo Mendes
a esta aceitação
e deslizar no contingente
de Lyn Hejinian
em “persevering saws
swimming into boards”,
contentes, contentes.
(a cadela sem Logos. São Paulo: Cosac Naify, 2007)
Tenho tentado insistir que a crença na historicidade poética, em oposição à proposta do trans-histórico, implica não apenas diferentes formas de escrita, mas formas completamente distintas de vida. A discussão é muito mais que simplesmente artística. Este debate tem ângulos existenciais, éticos, políticos. Não se trata de defender o linear, o diacrônico. Mesmo estas oposições entre o diacrônico e o sincrônico são esquemáticas. Em seu livro Infância e História, Agamben defende com brilhantismo que toda sociedade vive em pêndulo entre estes extremos. É por isso que tento manter minha mitologia pessoal do ANFÍBIO, aquele que pode, em ciclos, abandonar a TERRA da HISTÓRIA, e voltar às águas primordiais para se reabastecer. Em Carta aos anfíbios (2005), isso habita muitos poemas, como este "Sem título":
(sem título)
quando finjo que me afogo
........... na banheira
.... ou a um metro
.................... da praia
........... louça e areia
seguras sob os ísquios
os pulmões dizem mais
.................... um pouco
e os dedos de mãos
............... e pés enrugam-se
num preparo à dissolução
........................ última
água: solvente universal
.................. coberto de escamas
............. e os pulmões dizem
.......... mais um pouco
............... e a cabeça
...................... emerge
......... como uma ilha
.........ou aquela
primeira célula
...................eu finjo tão bem
...................que a técnica
...................tomou o lugar
...................da prática
enxugue enxugue as mãos
os pés os cabelos de todo
desejo alinhe-se ao chão
entre cão e gato e repita
senhor quem me dera
ser coberto de pêlos
(Carta aos anfíbios. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005)
Estou começando a sentir saudade das águas.
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sexta-feira, 16 de julho de 2010
Traduzindo Frank O`Hara ao som de Tim Buckley, enquanto Homero e Camões agitam-se nas entranhas e a saudade me eviscera
difícil convencer todas
as partes do meu corpo
do sentido
de uma ação e
assim pôr em
movimento as roldanas
da corpulência em
direção ao
abstrato cruzar
o oceano tantas
vezes umedece
os propósitos faz
querer uma cama
no fundo
não não
é irônico
que bas jan ader in search
of the miraculous afunde
desapareça em meio
oceano
(a cadela sem Logos, SP: Cosac Naify, 2007)
To the harbormaster
Frank O´Hara
I wanted to be sure to reach you;
though my ship was on the way it got caught
in some moorings. I am always tying up
and then deciding to depart. In storms and
at sunset, with the metallic coils of the tide
around my fathomless arms, I am unable
to understand the forms of my vanity
or I am hard alee with my Polish rudder
in my hand and the sun sinking. To
you I offer my hull and the tattered cordage
of my will. The terrible channels where
the wind drives me against the brown lips
of the reeds are not all behind me. Yet
I trust the sanity of my vessel; and
if it sinks, it may well be in answer
to the reasoning of the eternal voices,
the waves which have kept me from reaching you.
Mostro a vocês minha tentativa de tradução.
Ao capitão do porto
Quis certificar-me que eu chegaria a você;
embora minha nau estivesse a caminho, embaraçou-se
em certas amarras. Estou sempre a ancorar-me
e então decidindo partir. Em tormentas e
no ocaso, com as bobinas metálicas da maré
cercando meus braços abissais, sou incapaz
de entender as formas de minha vaidade
ou mal estou a sotavento com o leme
à mão e o sol a se por. A você
ofereço meu casco e o cordame esfarrapado
de meu querer. Os canais aterradores onde
o vento me lança contra os lábios barrentos
dos juncos ainda não ficaram para trás. Mesmo
assim, confio na sanidade de minha embarcação;
e se naufragar, tanto poderá ser em resposta
ao raciocínio das vozes eternas,
as ondas que me impediram de chegar a você.
(tradução de Ricardo Domeneck)
O que mais eu posso dizer, Moço?
Sem você, só me restaria a catabase.
E aqueles que quisessem falar comigo, só através do Nekuia. Posso ousar escrever aqui uma linha digna de cartão para dia nos namorados?
Moço, amar é ter a quem se agarrar durante o Dilúvio.
§
Canto I
Ezra Pound
And then went down to the ship,
Set keel to breakers, forth on the godly sea, and
We set up mast and sail on that swart ship,
Bore sheep aboard her, and our bodies also
Heavy with weeping, and winds from sternward
Bore us onward with bellying canvas,
Circe's this craft, the trim-coifed goddess.
Then sat we amidships, wind jamming the tiller,
Thus with stretched sail, we went over sea till day's end.
Sun to his slumber, shadows o'er all the ocean,
Came we then to the bounds of deepest water,
To the Kimmerian lands, and peopled cities
Covered with close-webbed mist, unpierced ever
With glitter of sun-rays
Nor with stars stretched, nor looking back from heaven
Swartest night stretched over wreteched men there.
The ocean flowing backward, came we then to the place
Aforesaid by Circe.
Here did they rites, Perimedes and Eurylochus,
And drawing sword from my hip
I dug the ell-square pitkin;
Poured we libations unto each the dead,
First mead and then sweet wine, water mixed with white flour
Then prayed I many a prayer to the sickly death's-heads;
As set in Ithaca, sterile bulls of the best
For sacrifice, heaping the pyre with goods,
A sheep to Tiresias only, black and a bell-sheep.
Dark blood flowed in the fosse,
Souls out of Erebus, cadaverous dead, of brides
Of youths and of the old who had borne much;
Souls stained with recent tears, girls tender,
Men many, mauled with bronze lance heads,
Battle spoil, bearing yet dreory arms,
These many crowded about me; with shouting,
Pallor upon me, cried to my men for more beasts;
Slaughtered the herds, sheep slain of bronze;
Poured ointment, cried to the gods,
To Pluto the strong, and praised Proserpine;
Unsheathed the narrow sword,
I sat to keep off the impetuous impotent dead,
Till I should hear Tiresias.
But first Elpenor came, our friend Elpenor,
Unburied, cast on the wide earth,
Limbs that we left in the house of Circe,
Unwept, unwrapped in the sepulchre, since toils urged other.
Pitiful spirit. And I cried in hurried speech:
"Elpenor, how art thou come to this dark coast?
"Cam'st thou afoot, outstripping seamen?"
And he in heavy speech:
"Ill fate and abundant wine. I slept in Crice's ingle.
"Going down the long ladder unguarded,
"I fell against the buttress,
"Shattered the nape-nerve, the soul sought Avernus.
"But thou, O King, I bid remember me, unwept, unburied,
"Heap up mine arms, be tomb by sea-bord, and inscribed:
"A man of no fortune, and with a name to come.
"And set my oar up, that I swung mid fellows."
And Anticlea came, whom I beat off, and then Tiresias Theban,
Holding his golden wand, knew me, and spoke first:
"A second time? why? man of ill star,
"Facing the sunless dead and this joyless region?
"Stand from the fosse, leave me my bloody bever
"For soothsay."
And I stepped back,
And he strong with the blood, said then: "Odysseus
"Shalt return through spiteful Neptune, over dark seas,
"Lose all companions." Then Anticlea came.
Lie quiet Divus. I mean, that is Andreas Divus,
In officina Wecheli, 1538, out of Homer.
And he sailed, by Sirens and thence outwards and away
And unto Crice.
Venerandam,
In the Cretan's phrase, with the golden crown, Aphrodite,
Cypri munimenta sortita est, mirthful, oricalchi, with golden
Girdle and breat bands, thou with dark eyelids
Bearing the golden bough of Argicidia. So that:
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quarta-feira, 14 de julho de 2010
Das canções favoritas: "Song to the siren"
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Traduzindo o poeta nigeriano Christopher Okigbo
Amor à distância
A lua
Ergueu-se entre nós,
Entre dois pinhos
Que se inclinam um ao outro;
O amor ergueu-se com a lua,
Alimentou-se de nossos caules solitários;
E agora nós somos sombras
Que se prendem uma à outra,
Mas beijam apenas ar.
(tradução de Ricardo Domeneck)
Love apart
Christopher Okigbo
The moon has
ascended between us,
Between two pines
That bow to each other;
Love with the moon has ascended,
Has fed on our solitary stems;
And we are now shadows
That cling to each other,
But kiss the air only.
Há momentos em que esta condensação do lírico toca o próprio nervo do místico, como no poema "The tree":
A árvore
A raiz atingiu
Um veio de pedra.
A seiva seca no caule
Em ascensão:
O sangue seca na veia
Como seiva.
(tradução de Ricardo Domeneck)
The Tree
Christopher Okigbo
THE ROOT has struck
A layer of rock;
The sap dries out in the stem
Upwards:
The blood dries out in the vein
Like sap.
Christopher Okigbo nasceu na pequena vila de Ojoto, nos arredores de Onitsha, no sudeste da Nigéria, em 1932. Seu pai era professor de uma escola católica, durante o auge do domínio britânico da região. O jovem poeta cresceria sob a influência de seu pai, católico fervoroso, e a de seu avô, um sacerdote da deusa das águas Idoto, personificada no rio de mesmo nome que corre na região de sua infância. Idoto seria a deusa invocada naquele que é o mais famoso poema de Christopher Okigbo, "The passage", aqui traduzido como "A passagem", mas também conhecido como "Heavensgate". Este sincretismo religioso pode ser sentido com força em seu poema, que inicia com a invocação a Idoto, para logo em seguido invocar Ana, que em comentários críticos sobre o poema tem sido identificada como a santa do catolicismo.
Christopher Okigbo viria a se formar na mesma universidade em que estudaram o conhecido romancista nigeriano Chinua Achebe (n. 1930) e o já mencionado Wole Soyinka (n. 1934), ganhador do Prêmio Nobel de 1986.
Começou a publicar poemas na revista Black Orpheus, dedicada ao trabalho de poetas africanos e afro-americanos. Seus poemas seriam reunidos postumamente no volume Labyrinths (1971). Christopher Okigbo morreu em 1967, com apenas 35 anos, lutando na guerra pela independência da República de Biafra (1967 - 1970), região separatista que permaneceria parte do território nigeriano.
A poesia de Christopher Okigbo é hoje considerada uma das mais importantes obras da poesia africana pós-colonial. Ainda que críticos nacionalistas o tenham criticado por adotar a língua inglesa, o poeta parece apropriar-se da língua do colonizador para implantar uma consciência mítica que só pode ser totalmente compreendida através da poética mística e vocal dos poetas africanos. Para nossa sensibilidade cristã, algo da poesia de Okigbo pode parecer alinhar-se a poetas como o W.B. Yeats do volume The Tower (1932) ou o T.S. Eliot de Choruses from "The Rock" (1934), mas a mim me parece que um dos poetas de língua inglesa com quem poderíamos traçar paralelos interessantes, passando pela poética de Christopher Okigbo, é o norte-americano Robert Duncan (1919 - 1988), de livros como The Opening of the Field (1960) e Bending the Bow (1964). Penso, por exemplo, em um poema de Duncan como o belo "Often I Am Permitted to Return to a Meadow"
Often I Am Permitted to Return to a Meadow
Roberto Duncan
as if it were a scene made-up by the mind,
that is not mine, but is a made place,
that is mine, it is so near to the heart,
an eternal pasture folded in all thought
so that there is a hall therein
that is a made place, created by light
wherefrom the shadows that are forms fall.
Wherefrom fall all architectures I am
I say are likenesses of the First Beloved
whose flowers are flames lit to the Lady.
She it is Queen Under The Hill
whose hosts are a disturbance of words within words
that is a field folded.
It is only a dream of the grass blowing
east against the source of the sun
in an hour before the sun's going down
whose secret we see in a children's game
of ring a round of roses told.
Often I am permitted to return to a meadow
as if it were a given property of the mind
that certain bounds hold against chaos,
that is a place of first permission,
everlasting omen of what is.
Christopher Okigbo nasceu em 1932, o que o faz contemporâneo de brasileiros como Ferreira Gullar (n. 1930) e Augusto de Campos (n. 1931). Sua poética, porém, visionária e mística, talvez o ligue mais a um brasileiro como Roberto Piva (1937 - 2010).
A experiência da leitura de seus poemas, contudo, parece-me de uma beleza singular.
A Passagem
Diante de ti, mãe Idoto,
eu me posto nu;
Diante de tua presença aquosa,
Um pródigo
Encostado na acácia,
Absorto em tua lenda.
Sob teu domínio eu aguardo
Descalço,
Sentinela para a senha
No portão celeste;
Das profundezas meu grito:
Dá ouvidos e atenta...
Água escura dos primórdios.
Raios, violáceos e curtos, perfurando a tristeza,
Sugerem o fogo que é sonhado.
Arco-íris na distância, arqueado como cobra em bote à presa,
Sugere a chuva que é sonhada.
À estufa
A solidão me convida,
Uma alvéloa, para contar
O conto da mata-em-cipós;
Nectarinia, em luto
Por uma mãe entre galhos.
Sol e chuva num combate único;
Sobre uma só perna,
Em silêncio na passagem,
O jovem pássaro na passagem.
Rostos silenciosos nas encruzilhadas:
Festividade em negro...
Rostos em negro como longas negras
Colunas de formigas,
Detrás da torre do sino,
Entrando no ardente jardim
Onde todas as estradas se encontram:
Festividade em negro...
Oh Ana às maçanetas do painel alongado,
Ouve-nos às encruzilhadas nas grandes dobradiças
Onde os tocadores de orgão nas galerias
Ensaiam o doce velho fragmento, a sós -
Marcas de folhas de laranjeira impressas nas páginas,
Desbotar da luz de anos entrelaçados no couro:
Pois estamos à escuta nos campos de milho,
Entre os instrumentos de sopro,
Escutando o vento debruçar-se sobre
O seu mais doce fragmento...
(tradução de Ricardo Domeneck)
§
The Passage
Christopher Okigbo
BEFORE YOU, mother Idoto,
Naked I stand;
Before your watery presence,
A prodigal
Leaning on an oilbean,
Lost in your legend.
Under your power wait I
On barefoot,
Watchman for the watchword
At Heavensgate;
Out of the depths my cry:
Give ear and hearken…
DARK WATERS of the beginning.
Rays, violet and short, piercing the gloom,
Foreshadow the fire that is dreamed of.
Rainbow on far side, arched like a boa bent to kill,
foreshadows the rain that is dreamed of.
Me to the orangery
Solitude invites,
A wagtail, to tell
The tangled-wood-tale;
A sunbird, to mourn
A mother on a spray.
Rain and sun in single combat;
On one leg standing,
In silence at the passage,
The young bird at the passage.
SILENT FACES at crossroads:
Festivity in black…
Faces of black like long black
Column of ants,
Behind the bell tower,
Into the hot garden
Where all roads meet:
Festivity in black…
O Anna at the knobs of the panel oblong,
Hear us at crossroads at the great hinges
Where the players of loft pipe organs
Rehearse old lovely fragments, alone-
Strains of pressed orange leaves on pages,
Bleach of the light of years held in leather:
For we are listening in cornfields
Among the wind players,
Listening to the wind leaning over
Its loveliest fragment…
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quarta-feira, 7 de julho de 2010
Celebrando os heróis dos meus olhos: Thomas Eakins (1844-1916), pintor e fotógrafo
Thomas Eakins nasceu em Philadelphia, nos Estados Unidos, em 1844. Hoje é considerado um dos mais importantes artistas visuais americanos no século XIX e início do XX, mas sua trajetória foi cheia de percalços e obstáculos. Acabou tendo, no entanto, grande influência, tanto como pintor e fotógrafo, quanto como educador, ensinando na Academia de Belas Artes de Philadelphia, onde foi um dos primeiros a estimular os alunos a usarem a fotografia para suas pesquisas pictóricas.
Após conhecer o fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, passa a incluir a fotografia entre suas práticas, não apenas para os estudos de seus quadros, como para criar a mais importante obra fotográfica norte-americana do século XIX, pioneira e precursora de pesquisas em fotografia que apenas o realismo da década de 70 tornaria hegemônicas.
A sociedade puritana de sua época viria a se escandalizar e gerar uma rede de fofocas e intrigas sobre o pintor e fotógrafo. Muitos de seus hábitos eram polêmicos, especialmente sua insistência em ensinar homens e mulheres nas mesmas classes e da mesma maneira, durante sua passagem pela Academia de Belas Artes. Além disso, os boatos sobre sua vida sexual, a companhia constante de homens jovens, sua fotografia de nus masculinos, dariam gás aos escândalos de sociedade da Nova Inglaterra, que espalhava por Philadelphia as histórias de sodomia e bestialidade que se alegava fazer parte da vida diária de Thomas Eakins.
Seria demitido da escola ao descobrir a genitália um jovem que servia de modelo durante uma aula onde estavam presentes mulheres, alunas. Era permitido apenas que as modelos do sexo feminino estivessem completamente nuas, não os modelos do sexo masculino na presença de mulheres. Muitos alunos e alunas viriam a abandonar a Academia e fundar sua própria escola, para seguir estudando com Eakins.
Grande parte de seu trabalho pictórico foi baseado em estudos fotográficos. Como isso foi por muito tempo visto com preconceito, seus estudiosos (e sua esposa) tentaram negar que houvesse fotografias a preceder os quadros. Hoje, quando a fotografia passou a ocupar uma função principal na arte contemporânea, muito destes preconceitos foi superado e seus estudos em fotografia passaram a ser valorizados.
Não estou tentando escrever uma hagiografia. Deixo isso para os que acharam que fosse necessário santificar o homem e sua reputação para salvaguardar sua obra. Sua obra permanece, tenha sido ele o homem honesto dos falsos elogios, ou o beberrão sodomita das falsas diatribes.
Além do mais, creio que eu também teria arriscado minha reputação por um rapaz tão bonito como Samuel Murray (1869 - 1941), seu protégé, e companheiro até o fim da vida.
Várias de suas pinturas são consideradas obras primas do realismo norte-americano. Duas delas têm também grande importância para a História da Medicina: as pinturas The Gross Clinic (1875) e The Agnew Clinic (1889)
Minha pintura favorita de Thomas Eakins é outra de suas obras-primas, a bela The Swimming Hole, de 1885. Eakins, que conhecera pessoalmente o poeta Walt Whitman (de quem pintou o retrato), teria se inspirado para o quadro tanto em suas tardes nos lagos ao redor de Philadelphia, com seus alunos, como no poema "Song of myself", de Whitman, no trecho:
Twenty-eight young men bathe by the shore,
Twenty-eight young men and all so friendly;
Twenty-eight years of womanly life and all so lonesome.
She owns the fine house by the rise of the bank,
She hides handsome and richly drest aft the blinds of the window.
Which of the young men does she like the best?
Ah the homeliest of them is beautiful to her.
Where are you off to, lady? for I see you,
You splash in the water there, yet stay stock still in your room.
Dancing and laughing along the beach came the twenty-ninth bather,
The rest did not see her, but she saw them and loved them.
The beards of the young men glisten’d with wet, it ran from their long hair,
Little streams pass’d all over their bodies.
An unseen hand also pass’d over their bodies,
It descended tremblingly from their temples and ribs.
The young men float on their backs, their white bellies bulge to the sun,
they do not ask who seizes fast to them,
They do not know who puffs and declines with pendant and bending arch,
They do not think whom they souse with spray.
–Walt Whitman, "Song of Myself", Leaves of Grass (1855)
Aqui, Eakins faz-se precursor de pintores como o americano Charles Demuth (1883 - 1935) e o britânico David Hockney (n. 1937), autores de belos trabalhos com a mesma delicadeza homoerótica.
domingo, 4 de julho de 2010
Quando você chega à idade da crucificação
Não é necessariamente óbvio dizer que estou feliz por estar entre os vivos.
Hoje é também aniversário de outros dois poetas que respeito e por quem, naquilo que chamam de "nível pessoal", também tenho muito carinho: o carioca Carlito Azevedo, que nasceu a 4 de julho de 1961, e o esloveno Tomaž Šalamun, que nasceu a 4 de julho de 1941.
Carlito publicou no ano passado seu Monodrama (Rio de Janeiro: 7Letras, 2009), um livro sobre o qual ainda quero escrever com mais calma, mas que é um dos trabalhos mais instigantes dos últimos anos, um livro que redimensiona todo o trabalho de Carlito Azevedo, e que traz alguns poemas antológicos. Há um texto no livro, recheado que é de poemas extremamente tocantes (em tempos de raquitismo emocional), de que gosto de forma particular: trata-se do poema "Pálido céu abissal". O poema opera, como nos melhores textos de poetas dos últimos anos, na fronteira entre transparência e não-transparência do signo, no hibridismo entre o que já se tentou separar como prosa e poesia. Nem o mimético dos realistas, nem a teatralização do signo em nome de um louvor à materialidade da linguagem, o poema funciona entre estes polos. É um daqueles poemas que me parecem funcionar na página, mas pedir também a voz do poeta e do leitor. É poema para ser lido em voz alta, como finalmente estamos voltando a fazer. O título e o primeiro verso, como o final do poema virá a confirmar, remetem, aparentemente, ao romance de Paul Bowles, The Sheltering Sky (1949), mas, justamente nessa relação entre signo escrito e imagética, palavra e o mundo a que ela se refere, tradução, verter do texto em imagem, nos destina também ao filme de Bernardo Bertolucci, The Sheltering Sky (1990), com Debra Winger e John Malkovich. Esta obra literária, que meu amigo Jan Bayer chama de "o mais triste dos romances", aparece no poema, mas criando uma rede de universos paralelos, sem uma mera tentativa de buscar na obra consagrada autoridade, já que o final do poema acaba nos fazendo encarar por fim uma ratazana e o rosto hollywoodiano de Debra Winger. A referência aqui é menos ao cânone literário que ao blockbuster de nossos fracassos sociais e de nossas desilusões diárias, entre o sonho de redenção, seja ele californiano, marroquino ou carioca, e a descoberta de que a "Realidade" (esta fantasia sexual da poesia) é cara e focinho de uma rata sedenta.
Pálido céu abissal
que não nos protege,
é antes cúmplice, ou mentor
intelectual de nossas ruínas,
de nossas mentes estropiadas.
Ao passar por certas casas e ruas
suburbanas, ocorre às vezes
de nos depararmos com algo
que brilha deslumbrante e dissimétrico,
e nos comove a ponto de nos
perguntarmos se de sua aparição
escandalosa, sua cauda
luminosa de átomos e vazio,
poderão surgir algum dia
moças asseadas em vestidos
de flores, conduzindo pela
mão crianças bem penteadas
para a Escola Municipal,
o Sonho Municipal.
Parei um dia em uma dessas
praças e, deitado sobre a
grama, me pus a escutar a
desconexão absoluta de
todas as falas do mundo, de
todos os sonhos do mundo.
Ao levantar-me para buscar
um pouco de água no tanque
vazio vi (me encarava)
uma ratazana que ainda
assim me lembrou
Debra Winger
abandonada no deserto.
(Carlito Azevedo, Monodrama, 2009)
§
Conheci o poeta esloveno Tomaž Šalamun na véspera de nosso aniversário em 2008, quando ambos lemos no Festival de Poesia de Berlim. Nós dois éramos os poetas na conferência de imprensa, um dia antes do festival, e descobrimos ali que fazíamos aniversário no mesmo dia. Voltamos a nos encontrar em outras duas ocasiões, sempre ligadas à poesia: primeiro, no Festival Internacional de Poesia de Dubai, nos Emirados Árabes, onde estávamos entre os convidados ocidentais. Foi uma das experiências mais surreais de minha vida, como já relatei aqui, mas aqueles dias com Tomaž Šalamun, Wole Soyinka e outros poetas, em plenos Emirados Árabes, ficarão marcados em minha mente para sempre, entre o sonho e o pesadelo. Voltei a encontrar Tomaž Šalamun em seu país natal, quando li no maravilho Festival de Poesia de Medana, na Eslovênia, onde Šalamun também esteve, tido por muitos jovens como mestre, além de ser o mais traduzido poeta do país. Aquela sim foi uma experiência maravilhosa.
Tomaž Šalamun teve uma importância muito grande para a poesia eslovena. Seu primeiro livro, intitulado Poker (1966), transformou a poesia do país, trazendo uma linguagem mais direta, coloquial, fora dos modelos mais clássicos. Šalamun é hoje um dos poetas europeus mais traduzidos no mundo. Infelizmente, não creio que haja traduções no Brasil.
Folk song
Every true poet is a monster.
He destroys people and their speech.
His singing elevates a technique that wipes out
the earth so we are not eaten by worms.
The drunk sells his coat.
The thief sells his mother.
Only the poet sells his soul to separate it
from the body that he loves.
Tomaž Šalamun, translated by Charles Simic
Ljudska: Vsak pravi pesnik je pošast. / Glas uničuje in ljudi. / Petje zgraditi tehniko, ki uničuje / zemljo, da nas ne bi jedli črvi. / Pijanček proda plašč. / Lopov proda mater. / Samo pesnik proda dušo, da jo / loči od telesa, ki ga ljubi. ----- Tomaž Šalamun
§
Encerro esta nota com duas coisas minhas: o vídeo com fragmentos de minha leitura na terra de Tomaž Šalamun, e um dos meus mais antigos poemas publicados, o "Eu digo sim até dizer não", que abre meu primeiro livro, Carta aos anfíbios (2005).
(Lendo no Festival de Poesia de Medana, na Eslovênia, 28 de agosto de 2009)
§
Eu digo sim até dizer não
as circunvoluções
...........e caprichos
......da atenção:
erguer a cabeça
e perder o sono
...............sopro
................... vento
...........em que
....................uma primeira esfera
...........de ar impele
....................outra ao movimento
...........ou em alto-mar
temendo menos a ausência
..................... de resgate na superfície
que a povoação alheia
...............e por isso informe, abaixo
n’água, invisível, mas parte
integrante das estruturas
do dia real
......só a lucidez abre caminho
......................para o imaginário
......................... mas a carne insiste
................no contínuo
onde as pedras são comestíveis
...................e exige-se a fome;
...........durante a transfiguração
...............em que anjos e bandejas
...........circulam seu jardim
..............................é fácil salmodiar
providências e entregas; mas
................é com o linho enfaixando toda a
................pele e a pedra
...........separando esta caverna
da saúde do ar
..................que se espera um Lázaro!
..................... Lázaro! e um segundo
................antes da asfixia
crer ainda
...........que seja este o meu
..................nome, seja ESTE o MEU
............... nome
...............se cada folha parece
........... percutir o sol hoje
e não se debruça do estame
................................... para o vazio
...................o mundo
...................... é tão simpático
...........da montanha que fala resta
...........a mímica, da presença
o ventríloquo, de sua boca
o mapa que reconduz à porta
..................mão em mão com passos lentos
......mas foi Isaque a carregar a lenha
................nas costas, tomar o fogo e o cutelo
...........na mão; e caminhou junto de seu pai
........... todo sacrifício é aparente e inútil,
.....................nenhuma
...............árvore camufla
........... suas frutas:
................expôe-nas
...........ao pássaro, ao
....................chão, ao suco
...........na garganta, à recusa
.................do estômago
...........por
...................tanto
...........percorro os andaimes
.....................de equilíbrio precário
..................... :
...........ferro oxidável
................... saudoso
...........de água
...........e a alegria de quem, na
obrigação de abater um novilho,
...................espera que seu corpo, de repente
........... forte, sobreviva ao sacrifício,
como uma garganta
enrijece-se rápida
para resistir à faca
(Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios, 2005)
.
.
.
sábado, 3 de julho de 2010
Morre na São Paulo de pesadelos o poeta Roberto Piva (1937 - 2010)
Após passar esta semana toda escrevendo sobre as mortes de poetas, fiquei muito triste ao ler nos jornais que Roberto Piva falecera esta tarde em São Paulo. Ainda ontem referia-me a ele em um artigo sobre o poeta nigeriano Christopher Okigbo (1932 - 1967), seu contemporâneo-de-inícios, e conterrâneo no território da poesia visionária.
Descobri o trabalho de Roberto Piva no mesmo ano em que descobri o de Hilda Hilst, em 1997, quando ele lançou a coletânea de poemas intitulada Ciclones, e ela lançou o romance Estar sendo. Ter sido, que encerrava com o poema fenomenal "A Mula de Deus". Lembro-me de alguns artigos sobre o poeta paulista que chamavam de transgressor, revolucionário, xamânico. Ele não chegaria a ter o impacto que Hilda Hilst teve sobre minha sensibilidade, mas sua poesia ficaria em meu radar por algum tempo. Só alguns anos mais tarde descobri seus primeiros livros, quando relançaram o volume Paranóia (1963), que tem alguns poemas de grande imaginação e com uma energia que parecia haver se exilado da poesia brasileira. Foi, no entanto, a descoberta de Piazzas (1964) e Abra os olhos e diga Ah! (1976) que me fariam respeitar imensamente a potência imaginativa de Piva. Apenas em Hilda Hilst eu encontrara aquela crueza corporal. Obviamente, a carnalidade sexualizada da poesia de Piva me atraía muitíssimo, parecia-me muito mais potente em sua ferocidade que a maioria dos poetas modernistas, mesmo entre aqueles que eram tecnicamente muito superiores a Piva.
Não há motivos para meias palavras: Piva não foi exatamente um poeta inovador. Não há técnicas novas ou algo nele que já não estivesse na poesia de Murilo Mendes e Jorge de Lima, se ficarmos apenas entre os brasileiros. Mas isso, afinal, não importa muito. Pouquíssimos poetas brasileiros no pós-guerra possuíram imaginação tão fértil. Roberto Piva foi, além disso tudo, um dos mais dignos representantes do revival neo-romântico do pós-guerra, o que gerou, nos Estados Unidos por exemplo, toda a melhor poesia do indispensável movimento Beat (que tampouco fez qualquer coisa que fosse nova), assim como dos poetas da chamada Escola de Nova Iorque - neo-romântica é também a poesia linda de Frank O´Hara, como muitos poemas estimulantes de John Ashbery, Kenneth Koch e James Schuyler. Na América Latina, talvez possamos pensar em Arturo Carrera nestes termos. Se nós tivéssemos lido poetas como Roberto Piva e Hilda Hilst com mais atenção e muito mais cedo, talvez teríamos hoje maior equilíbrio em nossos parâmetros poéticos. Sinceramente, não me importa muito se o poeta está "inovando" ou não quando me vejo diante desta potência imaginativa:
A piedade
Roberto Piva
Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos
Em 2008, Fabiano Calixto e eu preparamos uma postagem sobre Piva para a Modo de Usar & Co.. Nela, reproduzimos aquele que é meu poema favorito de Piva, extraído do excelente Piazzas, um dos melhores livros da poesia brasileira na década de 60.
Piazza I
Roberto Piva
.......Uma tarde
............é suficiente para ficar louco
ou ir ao Museu ver Bosch
............uma tarde de inverno
...........................sobre um grave pátio
.....onde garòfani .... milk-shake & Claude
....................obcecado com anjos
..........ou vastos motores que giram com
.............................uma graça seráfica
.............tocar o banjo da Lembrança
sem o Amor encontrado ... provado ...sonhado
............& longos viveiros municipais
........sem procurar compreender
..............imaginar
............a medula sem olhos
......ou pássaros virgens
............aconteceu que eu revi
......a simples torre mortal do Sonho
................não com dedos reais & cilíndricos
Du Barry Byron Marquesa de Santos
...Swift Jarry com barulho
.......de sinos nas minhas noites de bárbaro
...os carros de fogo
............os trapézios de mercúrio
...suas mãos escrevendo & pescando
................ninfas escatológicas
pequenos canhoes do sangue & os grandes olhos abertos
.........para algum milagre da Sorte
§
É uma perda muito grande. O Brasil torna-se ainda mais pobre hoje, com a morte de Piva. Reproduzo abaixo o pequeno artigo que escrevi sobre ele em 2008.
§
Roberto Piva e a fidelidade a si mesmo
por Ricardo Domeneck
Roberto Piva nasceu na cidade de São Paulo, em 1937. Sua primeira publicação importante deu-se na Antologia dos novíssimos (São Paulo: Massao Ohno, 1961), e sua estréia em livro ocorreu em 1963, com o livro Paranóia, um livro criado na linhagem visionária de William Blake, ligado aos experimentos em fanopéia dos surrealistas, e no qual Roberto Piva invoca e alinha-se às figuras dos brasileiros Mário de Andrade e Murilo Mendes, proclamando o desregramento dos sentidos e posturas em sua cruzada pessoal pela cidade de São Paulo.
Publicou mais tarde os livros de poemas Piazzas (1964), Abra os olhos e diga ah! (1975), Coxas (1979), 20 poemas com brócoli (1981), Quizumba (1983), Antologia poética (1985) e Ciclones (1997). Com a abertura pluralizante da década de 90 e o arrefecimento da hegemonia construtivista na poética brasileira, ocorre no final da década a valorização da obra de Roberto Piva, assim como a de Hilda Hilst, estabelecendo-os como figuras notáveis e exemplares no início do século XXI, e levando à publicação, por uma grande editora comercial, de suas obras reunidas. Os livros de Roberto Piva foram reunidos em três volumes, publicados pela Editora Globo: Um estrangeiro na legião, Mala na mão & asas pretas e o recém-lançado Estranhos sinais de Saturno.
Ainda que um livro como Paranóia possa ressentir-se de um certo "tardo-surrealismo", os livros publicados por Roberto Piva entre as décadas de 60 e 80 demonstram uma grande liberdade de espírito e fidelidade a suas próprias convicções poéticas em meio ao silêncio crítico retumbante, que imperou sobre seu trabalho por décadas, lançando-o à margem dos debates poéticos do período. A década de 60 presenciou o surgimento de poetas bastante distintos, e que nos 15 últimos anos passaram a comandar a atenção tanto da crítica como dos poetas mais jovens. Entre os poetas mais fortes surgidos na década de 60 e influentes sobre os poetas de hoje, Roberto Piva assume seu papel constante de estranho-no-ninho, sua vocação maior, entre os outros poetas notáveis do período como, por exemplo, Orides Fontela (1940 - 1998), Sebastião Uchoa Leite (1935 - 2003), Torquato Neto (1944 - 1972) e Sebastião Nunes, o outro sobrevivente, assim como Piva, tanto do silêncio da crítica como das agruras políticas do período.
Não há mais motivos para oposições e trincheiras. Tempo para semear e para colher, sim, mas momentos também para o visionário e momentos para o projetista, para o vates e para o faber, instantes em que precisamos de poetas que nos incitem corporalmente ao embate (a lover´s quarrel, nas palavras de Robert Frost) com o mundo, e instantes em que precisamos de poetas que nos afiem o intelecto. A maioria dos bons poetas é capaz de ambos, ao mesmo tempo. No entanto, se há dias em que necessitamos do lirismo contido-condensado de Lorine Niedecker, George Oppen e Augusto de Campos, há outros dias em que apenas o expansionismo mítico de Robert Duncan, Roberto Piva e Hilda Hilst pode servir de fertilizante para os nossos nervos à flor-da-pele. Enquanto, em lugares como São Paulo, alguns grupos de poetas ainda dedicam-se exclusivamente a garantir sua hegemonia no seio da atenção crítica da década, tentando transformar sua poética em sinônimo de contemporâneo, nada melhor que aprender com Roberto Piva sobre a fidelidade às próprias crenças est-É-ticas.
(2008)
§
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Mais ou menos de mim
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