sábado, 24 de agosto de 2013

Um poema de Sterling A. Brown (1901 - 1989)




Sterling A. Brown foi um dos poetas e autores da Harlem Renaissance, ao lado de Langston Hughes, Countee Cullen, Zora Neale Hurston, Claude McKay e W. E. B. Du Bois, entre muitos outros. Abaixo, um exemplo de maestria em prosódia e melopeia.

Southern Road


Swing dat hammer--hunh--
Steady, bo';
Swing dat hammer--hunh--
Steady, bo';
Ain't no rush, bebby,
Long ways to go.

Burner tore his--hunh--
Black heart away;
Burner tore his--hunh--
Black heart away;
Got me life, bebby,
An' a day.

Gal's on Fifth Street--hunh--
Son done gone;
Gal's on Fifth Street--hunh--
Son done gone;
Wife's in de ward, bebby,
Babe's not bo'n.

My ole man died--hunh--
Cussin' me;
My ole man died--hunh--
Cussin' me;
Ole lady rocks, bebby,
Huh misery.

Doubleshackled--hunh--
Guard behin';
Doubleshackled--hunh--
Guard behin';
Ball an' chain, bebby,
On my min'.

White man tells me--hunh--
Damn yo' soul;
White man tells me--hunh--
Damn yo' soul;
Got no need, bebby,
To be tole.

Chain gang nevah--hunh--
Let me go;
Chain gang nevah--hunh--
Let me go;
Po' los' boy, bebby,
Evahmo'


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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A lápide no túmulo 

de Yasujirō Ozu

não 

traz seu nome

tão-só

um único

ideograma



"mu"

que se traduz

talvez "nada"

talvez "sem"

talvez "não"

talvez "ninguém"



2. Versão.

túmulo 

ozu

tão-só



talvez 


nada

sem

não

ninguém





3. Versão.

ozu



4. Versão.




segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Posfácio para a antologia bilíngue / binacional "VERSschmuggel / TransVERSal", que será lançada na Bienal do Rio.



Com lançamento oficial durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro no fim do mês, chega ao Brasil a antologia do Festival de Poesia de Berlim 2012, que pareou poetas brasileiros e germânicos em sua Oficina de Tradução. Editada por Aurélie Maurin e Thomas Wohlfahrt e com posfácio meu, o livro traz textos dos brasileiros Horácio Costa, Jussara Salazar, Ricardo Aleixo, Marcos Siscar, Dirceu Villa e Érica Zíngano, assim como dos germânicos Gerhard Falkner, Christian Lehnert, Barbara Köhler, Jan Wagner, Ulf Stolterfoht e Ann Cotten.

Apresento aqui em primeira mão o posfácio que escrevi para o volume. Trata-se de um pequeno comentário sobre as relações poéticas entre Brasil e Alemanha, com paralelos histórico-políticos. Não discuto o trabalho dos poetas incluídos, o que foi feito pelos próprios pares de poetas. Foi escrito com o leitor alemão em mente.




Posfácio
Ricardo Domeneck

Latinos e germânicos, séculos após a Batalha na Floresta de Teutoburgo

As relações entre a poesia alemã e a brasileira trilharam caminhos tortuosos. Ao contrário da influência francesa, que foi constante por muitas décadas em toda a América Latina, ou a norte-americana, que assumiu esta posição quase hegemônica a partir dos anos 1960 (e com mais força ainda nos anos 1990), as referências da poesia alemã na brasileira sempre foram pontuais, a partir de poetas específicos. No século XIX, uma das maiores aportações germânicas à cultura literária brasileira foi a de Heinrich Heine, traduzido pelo grande romancista Machado de Assis (1839 - 1908), e por poetas como o romântico Fagundes Varela (1841 – 1875). Castro Alves (1847 – 1871) se basearia no poema “Das Sklavenschiff” (1853) para a composição de seu poema mais famoso, “O Navio Negreiro” (1869), e o poeta modernista Manuel Bandeira (1886 – 1968) traduziria, além de Goethe e Heine, peças como Maria Stuart, de Schiller, e Der Kaukasische Kreide Kreis, de Bertolt Brecht, que segue sendo uma das referências alemãs mais importantes do Teatro brasileiro, ao lado de Heiner Müller. Os autores são praticamente desconhecidos no Brasil como poetas. No entanto, o único modernista que manteve certo contato com a Literatura alemã foi Mario de Andrade (1893 – 1945), que intitularia um de seus livros de poemas mais conhecidos Losango Cáqui (ou Afetos Militares de Mistura com os Porquês de eu Saber Alemão), de 1926, e fizera de sua personagem principal, no romance Amar, Verbo Intransitivo (1927), uma Fräulein que iniciava sexualmente os jovens de sua redondeza, onde trabalhava como professora de piano.

Alemanha no Brasil

Na década de 1940, a presença de Rainer Maria Rilke se tornaria incontornável para a compreensão das propostas daquele que ficou conhecido como Grupo de 45, que reagiu contra as inovações modernistas e, mais especificamente, contra sua veia satírica. O poeta teria especial influência entre os poetas que haviam sido ligados à revista Festa, e seria traduzido por Cecília Meireles (1901 – 1964), que criou uma bela versão de “A Canção de Amor e Morte do Porta-Estandarte Cristovão Rilke” (“Die Weise von Liebe und Tod des Cornets Christoph Rilke”), geralmente publicada com aquela que se tornou a versão brasileira oficial para as Cartas a um jovem poeta. As “Elegias de Duíno” foram traduzidas mais tarde por Dora Ferreira da Silva (1918 – 2006).

No entanto, é na década de 50 que se vê surgir o maior diálogo entre as culturas poéticas brasileira e alemã até então, com a fundação bilíngue do Movimento Internacional da Poesia Concreta, a partir do trabalho do Grupo Noigandres de São Paulo (Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos) e o trabalho de Eugen Gomringer e Max Bense na língua alemã, entre outros. O movimento poético brotou delas e ramificou-se pelas artes visuais dos dois países, em artistas como Waldemar Cordeiro e Max Bill, que vencera o Grande Prêmio da primeira Bienal de São Paulo em 1951. A influência do Movimento foi gigantesca no Brasil, maior que na Alemanha, e sua leitura crítica, privilegiando os aspectos construtivistas das primeiras vanguardas históricas, assim como a de poetas do passado tais como Oswald de Andrade (1890 – 1954) e João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999), ainda pode ser sentida. Entre os concretos, a veia satírica e as implicações políticas mesmo dos dadaístas ficariam a segundo plano, a atenção voltada a seus métodos de composição, diferentemente do que veríamos em outros grupos de retomada das estratégias das vanguardas a partir dos anos 1950, como entre os Léttristes de Paris (Isidore Isou, Maurice Lemaître, Gil J. Wolman), o Grupo de Viena (H.C. Artmann, Gerhard Rühm, Konrad Bayer) ou o Dau al Set de Barcelona (Joan Brossa, Juan Eduardo Cirlot, Arnau Puig). Uma exceção seria Décio Pignatari (1927 – 2012), um dos grandes poetas satíricos no Brasil do pós-guerra.

A partir da década de 60, estes diálogos, ainda que seguidos pelos artistas concretos, diminuiriam como um todo, não apenas com a poesia alemã, mas com a poesia europeia em geral, substituídos, como se pôde presenciar em várias partes do mundo, por um diálogo com a poesia norte-americana. Seria na década de 90 que outro poeta de língua alemã se tornaria influente no debate poético brasileiro, com traduções de Paul Celan chegando ao país, influência temperada por dois outros poetas estrangeiros publicados no país à mesma época: o norte-americano Robert Creeley e o português Herberto Helder. Após a influência de Heine e sua poética telúrica no século XIX, a poesia alemã que pareceu interessar a muitos poetas brasileiros durante o século XX foi a que poderíamos chamar de ala órfica da poesia em língua alemã, com Hoelderlin, Rilke, Trakl e Celan. Poetas como Brecht, Hans Arp, Unica Zürn, H.C. Artmann ou Thomas Brasch permaneceriam praticamente invisíveis.

Mas os diálogos entre as poesias de dois países podem muitas vezes ser conduzidos como espécies de monólogos paralelos. O maior exemplo neste aspecto seria o trabalho de Augusto dos Anjos (1884 – 1914). Seu único livro publicado em vida, intitulado Eu (1912), é ainda hoje um dos livros de poesia mais populares do Brasil. Os paralelos estilísticos entre seu trabalho e o de Gottfried Benn, em seu livro também de estreia e publicado no mesmo 1912 – Morgue, são muito interessantes. Mesmo que Augusto dos Anjos tenha permanecido fiel à métrica e a certas formas fixas como o soneto, diferentemente de Trakl e o primeiro Benn, há uma conjunção estética clara entre seu trabalho e o dos expressionistas germânicos, ainda maior quando pensamos em poetas como Jakob van Hoddis, Georg Heym e Ernst Stadler. Os grandes poemas de Augusto dos Anjos, como “Monólogo de uma sombra” e “As cismas do destino”, são testamentos das convulsões existencias e políticas que levariam à Grande Guerra na Europa e às revoltas políticas e de modernização no Brasil, culminando na década seguinte com a queda da República de Weimar na Alemanha e o fim da Primeira República no Brasil, quando os dois países mergulham nas ditaduras comandadas por Adolf Hitler e Getúlio Vargas. Tais paralelos foram traçados no Brasil, anteriormente, por Anatol Rosenfeld (1912 - 1973), um dos intelectuais germânicos a emigrar para o Brasil por causa da perseguição nazista, tornando-se um crítico importante do País, especialmente para o Teatro. Ao mesmo tempo que intelectuais alemães abandonavam o país, escritores brasileiros também emigravam, como Jorge Amado (1912 – 2001), ou eram encarcerados, como Graciliano Ramos (1892 – 1953). Após sua passagem por prisões da ditadura de Vargas, este último comporia seu importante Memórias do Cárcere, publicado postumamente, em 1953. Outra presença germânica importantíssima para a abertura da cultura brasileira à mesma época foi a chegada do intelectual judeu austríaco Otto Maria Carpeaux (1900 – 1978), que aprenderia o português e se tornaria um dos maiores críticos e intelectuais do País, muito respeitado ainda hoje.

Brasil na Alemanha

Quanto à presença da Literatura brasileira na Alemanha, ela experimentou algumas décadas de força, após decair fortemente com a Queda do Muro. O período em questão não é casual. Primeiramente na Alemanha Oriental, a partir do fim da década de 1940 e impulsionada pelo viés político de autores como Jorge Amado, e então a partir dos anos 60 na Alemanha Ocidental, desta vez impulsionada pelo sucesso comercial do mesmo Jorge Amado e pelo chamado Boom Latinoamericano, autores como João Guimarães Rosa (1908 – 1967) e Clarice Lispector (1920 - 1977) tiveram suas primeiras traduções para o alemão e marcaram o momento mais intenso da presença brasileira nas livrarias do país. Muitas delas preparadas por Curt Meyer-Clason (1910 – 2012), o maior tradutor alemão do português naquelas décadas, alguns poetas brasileiros chegariam à língua alemã também através de suas mãos, com antologias de Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) e João Cabral de Melo Neto, por exemplo, lançadas pela Suhrkamp mas há anos fora de catálogo.

Logo antes da Queda do Muro, quando a atenção literária da Alemanha se voltaria para os países do Bloco do Leste, autores como o romancista João Ubaldo Ribeiro e o poeta Ferreria Gullar veriam seus maiores trabalhos traduzidos e editados aqui, como foi o caso do romance Viva o Povo Brasileiro! (1984), de Ubaldo, e o Poema Sujo (1976), de Gullar. Mas, a partir daí, mesmo se poetas como Haroldo de Campos e Décio Pignatari mantinham-se no debate através de revistas especializadas, a maior parte dos poetas brasileiros do pós-guerra não chegaria a ser traduzida. Poetas importantes e influentes dos últimos 20 anos, como Hilda Hilst (1930 – 2004) e Roberto Piva (1936 – 2010), mesmo que venerados hoje no Brasil e com suas Obras Completas disponíveis (apesar de décadas de ostracismo), são completamente desconhecidos na Alemanha. O mesmo pode ser dito de alguns dos melhores poetas brasileiros ainda vivos, como Manoel de Barros (n. 1916), Leonardo Fróes (n. 1941) ou Elisabeth Veiga (n. 1941).


Paralelos


Paralelos históricos podem sempre ser traçados entre países, ainda que por vezes pareçam artificiosos. Separados por línguas que possuem raízes tão distintas, talvez o Brasil e a Alemanha repartam alguns traumas de natureza semelhante em seu horror. Formados por movimentos políticos centralizadores, os dois países possuíram em seu passado a marca da organização tribal e do plurilinguísmo, aos poucos derrotados por um Governo Central e uma Língua Oficial. Ambos, tais quais os reconhecemos hoje como Estados-Nação, são jovens: o Brasil ligeiramente mais velho, com sua Independência centralizante em 1822, e a Alemanha com a unificação de 1871. Acredita-se que as primeiras tribos germânicas chegaram à região na Idade do Bronze, entre 1300-700 a.C.. Os restos humanos mais antigos encontrados no Brasil, sendo também os mais antigos das Américas e com idade estimada entre 11.400 a 16.400 anos, são de uma mulher que, para estudiosos, não parece pertencer aos grupos étnicos dos indígenas no território quando houve a Invasão Portuguesa. Entre invasões e migrações, os dois países foram se formando, com sua poesia marcada pela tradição oral: na Alemanha pelos Minnesänger germânicos e no Brasil pelos trovadores galego-portugueses. Só mais tarde a cultura literarizante iria aos poucos impondo a norma de uma tradição poética nacional unificada, construção dos poetas românticos de ambos países. O Império Brasileiro foi o primeiro a cair, com a instituição da Primeira República em 1889. O Império Alemão resistiria até 1918, quando se institui a República de Weimar e se dissolve a monarquia. As convoluções políticas daqueles anos marcariam os dois territórios, com a adesão de tantos intelectuais aos ideais da Revolução Russa dos dois lados do Atlântico, como Bertolt Brecht e tantos outros, na Alemanha, ou Graciliano Ramos e vários no Brasil. Na década de 30, os dois países caem sob o peso de ditaduras, que acabam no mesmo ano de 1945. As divisões da Guerra Fria fazem vítimas dos dois lados, mergulhando a Alemanha, que encarna esta batalha tão concretamente no Muro de Berlim e com a ditadura comunista em metade de seu território, e a Ditadura Militar Brasileira (1964 – 1985), financiada e idealizada pelos Estados Unidos e a elite conservadora do país.


Efeitos

Com o processo de redemocratização iniciado nos dois países no fim da década de 80, os traumas das divisões e entrincheiramentos políticos das últimas décadas se fazem sentir nas duas tradições. Após anos em que o posicionamento político era esperado de seus escritores, seja dos alemães em resistência a uma ditadura de esquerda ou dos brasileiros em resistência a uma ditadura de direita, um retorno ao discurso da autonomia estética da obra de arte parece ditar os parâmetros de qualidade nos dois países durante a última década do século XX. No Brasil, tal ideologia seria expressa por Haroldo de Campos em seu influente ensaio de 1984, “Da morte da arte à constelação: o poema pós-utópico”. Sua defesa da “trans-historicidade” do trabalho poético é indissociável da produção crítica brasileira naqueles anos. Uma desconfiança do aspecto utópico de certas vanguardas leva ao retorno a práticas antes tidas como tabu pelos Modernistas, apesar do caráter claramente anti-distópico de vanguardas históricas como a dos artistas ligados à revista DADA ou dos próprios expressionistas, embate que já havia marcado, por exemplo, o interessante debate entre Lukács e Bloch na imprensa alemã da década de 1930. Tal ideologia tem se esgarçado nos últimos anos, e a discussão sobre o contexto histórico da produção poética recente voltou a tomar força no Brasil. Poetas alemães distantes no tempo, como Heine (em tradução de André Vallias) e Enzensberger (em tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan) voltaram a circular. Com esta antologia, esperamos que alguns poetas brasileiros possam voltar também ao diálogo poético na Alemanha.



in VERSschmuggel/TransVERSal 
(Heidelberg/Rio de Janeiro: Wunderhorn/7Letras, 2013).

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domingo, 18 de agosto de 2013

Dos satyricus. Poema.

Vida de poeta de sucesso: 
paguei a dívida no puteiro,
reabriu-se-me o crédito,
tem shampoo no banheiro
pros meninos em oferta.

Ricardo Domeneck. 2013. Agosto. Foto: Philip-Lorca diCorcia, da série "Hustlers".




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sábado, 17 de agosto de 2013

Da lírica jurisprudente


eu, teu
premorto
nesta sucessão
ilegítima, ó meu
cônjuge meeiro,
prefiro falecimento
à falência
de ser teu supérstite,
dulcíloquo de cujus,
ainda que o espúrio
beneficie-se da partilha
dos nossos bens
por cabeça e estirpe,
já que o Grande Juiz
não nos legou
a comoriência,
vem, sentença
definitiva e doa
a ele, o Moço
que fez de mim o
não-facultativo,
a bem-aventurança
de todas as heranças.


Ricardo Domeneck. Berlim, 17 de agosto de 2013

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sábado, 10 de agosto de 2013

O mestre Pier Paolo Pasolini (1922 - 1975): trecho de entrevista e documentário.



"A recusa sempre foi o gesto mais importante. Santos, eremitas, intelectuais... a História foi feita por aqueles poucos que disseram `não´, não pelos cortesãos e conselheiros, não pelos `cardeais cinzentos´. Mas por uma recusa a fazer sentido, tem que ser principal, não secundária; tem que ser total, não em meros pontos individuais; tem que ser absurda e desafiar o senso comum. Eichmann estava cheio de senso comum. O que lhe faltava? Faltava-lhe a habilidade de dizer `não´ à coisa principal imediatamente, quando ele ainda era um administrador, um burocrata comum. Talvez ele até mesmo tenha dito a outros a seu redor no escritório: `Eu não gosto daquele Himmler´. Talvez ele o tenha murmurado, da forma como se murmura em editoras, jornais, em grupos do governo, na televisão. E talvez ele até tenha protestado contra o fato de que alguns trens paravam apenas uma vez por dia para que os prisioneiros pudessem ir ao banheiro, comer um pouco de pão, beber um pouco de água, quando na verdade teria sido mais sensato parar algumas vezes. Mas ele nunca pisou nos freios da máquina fascista. Então você precisa fazer três perguntas: qual é a `situação´; por que ela deve ser detida; e como?" --- Pier Paolo Pasolini, em sua última entrevista, na semana em que foi brutalmente assassinado. 

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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Justaposições: Khlebnikov & Kilkerry


Justaposições 

Khlebnikov & Kilkerry 

ambos nascidos em 1885 
(Rússia/Brasil) 
mortos 1922/1917



[Uma vez mais]
Velimir Khlebnikov

Uma vez mais, uma vez mais
Sou para você
Uma estrela.
Ai do marujo que tomar
O ângulo errado de marear
Por uma estrela:
Ele se despedaçará nas rochas,
Nos bancos sob o mar.
Ai de você, por tomar
O ângulo errado de amar
Comigo: você
Vai se despedaçar nas rochas
E as rochas hão de rir
Por fim
Como você riu
De mim.

(tradução de Augusto de Campos)

:

O verme e a estrela
Pedro Kilkerry

Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme...
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!

E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser...
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?

Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! ceguei da tua luz?

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Justaposição ocorre ainda na figura do tradutor/redescobridor Augusto de Campos.

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Dedicado a Carlito Azevedo.

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terça-feira, 6 de agosto de 2013

Poema-billboard em Denver, Colorado (EUA), para a Bienal das Américas.


"Continental Scar Issue" (2013), poema-billboard em Denver, Colorado (EUA), 

Sandy creeks around Denver   Under the asphalt of São Paulo
A trail of tears from Araweté  At ski resorts and beer parlors
Centennials for the Americas  Now an urban dance of ghosts
Trail of bones from Arapaho   Dammed rivers and Super Bowl
Dead Emerson and Thoreau  No more tickets to the funeral





Do catálogo:

Ricardo Domeneck, "Continental Scar Issue" (2013) 

Both formally precise and musically rich, Ricardo Domeneck’s poems are never afraid to tackle politics, philosophy, the body, and history. Written in English, Domeneck’s poem follows a precise measure like downtown Denver’s city grid. It traces both the geography and history of the Americas, mixing the current locale with his native Brazil, illustrating subtle tensions. In the first two stanzas, Domeneck jumps from one location to the other, juxtaposing landscapes, histories, and cultures. With this hopping from one to the other, the trail of tears from the Arawaté tribe can be located in São Paolo as well as in Colorado ski resorts—central conjunction between the two, as if this violence can be seen and felt just about everywhere. Indeed, one of the poem’s strengths is its ability to entwine loss and celebration. By the time we reach “Centennials for the Americas,” the poem slowly drifts out of a specific location to the idea of America, claiming that the transcendentalist thinkers Emerson and Thoreau are dead (and not only in a literal sense). In claiming “No more tickets to the funeral,” Domeneck is making an injunction against morbidity but also suggesting that the event is, perhaps morbidly, sold out.


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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Como eu me vejo / Como os alemães me veem

Como eu me vejo na Alemanha.
How I see myself in Germany.
  
   
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 Como os alemães me veem.
How Germans see me.

 

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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Extrato de sardas (poema inédito).

(fotografia: Adelaide Ivánova)


Extrato de sardas

Ele chega 
sempre com nada
mais que seu corpo,
alto, rijo e magro,
o qual tira de dentro
de roupas e mostra
seus pelos loiros,
negros, castanhos,
ruivos, ou tão-só
ausentes, e exibe
o seu orgulho
ereto e perpétuo.

Eu o recebo 
como o projeto 
urbanístico 
de Brasília recebe 
o céu do cerrado.
Eu plano, ele pilota.

Não sabe conversar,
apenas convergir,
não possui discursos
além do descorçoo,
não sabe debater
senão como verbo
reflexivo. 

Minha juventude
acabou enfim,
rest in peace,
mas como esta
que ele esbanja
parece perene,
renovável, eterna.

É certo, pensa
que Wittgenstein, 
Huizinga, Agamben,
Fustel de Coulanges 
são 
marcas de remédio,
diz que meus filmes
em preto e branco
são só-tão soníferos,
e se na casa soam
gravações de Arnaut,
Bertran ou Marcabru,
pergunta se é o caso
de minha conversão
a uma seita New Age.
Uc de la Bacalaria?
Ele não come peixe.

Mas deita-se manso
quando quer
ou feroz se convém
e chega a hora
de tocaia e estocada,
e nisso nunca falha
o seu instinto imberbe
nas termas do contexto.

Não me basta a leitura
de Estratão de Sardes
se insistem em proibir
a vasão do meu corpo
introvertido ao avesso
nesse extrato de sardas.

Se vigoram os textos
de Konstantínos Kaváfis
em minha mente
e outras glândulas
é porque tenho dedos
a cavar fios nos côncavos
e convexos de corpos
mui alexandrinamente.

Nem vão me saciar só
poemas de Frank O´Hara
sem poder ser franco
e dizer: "esse é o cara!,
é com esse que eu vou,
agora, e agora, e agora."

Por que, ora, esperar
mais que a dádiva
de sermos ao menos
por alguns minutos
erastés e erômenos
na acrópole-e-abismo
dessa ativa e passiva
gangorra
da Musa Puerilis?

Entre e fique, menino.
A casa não é minha
mas, como sói
ser, sua.

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