quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Pequeno estudo sobre a duração amorosa"

Mapa do País de Tendre (Carte du Pays de Tendre), século XVII,
atribuído a François Chauveau

Este é o último poema sonoro que fiz, em algum momento da semana passada. Chama-se "Pequeno estudo sobre a duração amorosa", em inglês o chamei de "Short study on love´s lifespan". Pedirei primeiro que vocês o ouçam, caso se interessem. Abaixo, incluo uma nota a respeito. Recomendo sua audição com fones de ouvido.


Ricardo Domeneck - "Pequeno estudo sobre a duração amorosa" by Modo de Usar & Co.


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Nota: o poema foi composto através da apropriação e distorção de dois materiais sonoros já existentes. Um deles, eu creio, será imediatamente reconhecido: trata-se da vinheta catastrófica do Plantão do Jornal da Globo. O segundo material, ao que parece, eu distorci tanto que se tornou para vários amigos irreconhecível, mas trata-se da canção "I will always love you", da Whitney Houston. O resto do material vocal é minha oralização de um verso (partido) meu em português e inglês: "Houve / guerras mais duradouras / que você" e "Wars / have lasted longer / than you", do poema "Texto em que o poeta celebra o amante de vinte e cinco anos".

Bem, quem acompanha meu trabalho sabe que eu adoro abusar da tênue linha que separa a ironia do mais puro e descarado melodrama. Eu sou uma critura meio douglassirkada. Fazer o quê? Como Hilda Hilst terminou um dos poemas que mais amo na vida, "esta sou eu / poeta e mula".

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domingo, 26 de junho de 2011

Amigos em revistas: Marília Garcia e outros poetas brasileiros em uma antologia da revista francesa "Action Poétique"

Capa do número da Action Poétique com a antologia de poesia brasileira contemporânea



Action Poétique é uma das mais antigas revistas de poesia em atividade na França, fundada em 1950 em Marselha. Seu editor-chefe é o poeta Henri Deluy (n. 1931). O último número traz uma pequena antologia de poesia brasileira contemporânea, Poètes du Brésil aujourd´hui, e inclui poemas de Marília Garcia, Ricardo Aleixo, Márcio-André, Fabrício Carpinejar, Marcelo Ariel, Simone Brantes, Paula Glenadel, Karinna Gulias, Nora Fortunato e Eduardo Sterzi. Alguns deles são verdadeiramente poetas que respeito.


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Marília Garcia



Como celebração, deixo vocês com dois dos meus poemas favoritos de Marília Garcia, que está entre os vários poetas que respeito na lista acima, mas também por ser uma poeta com quem tenho muitas afinidades est-É-ticas. O trabalho dela sempre me pareceu um representante corajoso na poesia contemporânea, tão obcecada por precisões, daquilo que Marjorie Perloff chamou de "poética da indeterminação". Sempre tive esta afinidade com seu trabalho, este seu questionamento da objetividade fictícia dos dogmas crítico-poéticos brasileiros das últimas décadas, através desta exposição e desnudamento do que eu chamaria de uma realidade editável.

Nós compartilhamos várias escolhas críticas. Amigos muito sérios e inteligentemente preocupados com parâmetros infalíveis de qualidade literária talvez dissessem que nós dois somos apenas indulgentes com os mesmos autores. Talvez. Será um equívoco o prazer que encontramos em livros como Un Test de Solitude (2001), de Emmanuel Hocquard? Nosso interesse por poetas como Charles Pennequin, Nathalie Quintane e Pierre Alferi? Esta insistência que compartilhamos em encontrar implicações poéticas em tautologias e listagens absurdamente cotidianas? Por nos emocionarmos com o que há de impreciso na observação da experiência?

Nós captamos parcialmente. O poeta é a antena seletiva e ligeiramente distraída da raça. A nós só é dado ver em parte. Conhecemos apenas fragmentos das pessoas, como nos poemas de Marília, em que somos expostos a vislumbres de biografias alheias, vivas, talvez fictícias, editáveis. Nossa vida é editada pela memória, pela atenção.

Foi durante uma das edições do Festival de Cinema de Berlim que espalharam pela cidade um cartaz, trazendo uma frase de um cineasta (já não me lembro do nome), que dizia que a diferença entre o cinema e a vida é que a vida não se pode editar. Era algo assim, cito de memória. Eu entendo o que ele quer dizer, mas sempre me pareceu ligeiramente falsa esta proposição, pois nós editamos sim a vida, pela nossa atenção deficitária que dá tanta importância a uma única pessoa em meio à multidão, pelo foco do nosso desejo, pelas prioridades das nossas expectativas.

O trabalho de Marília Garcia me emociona pois, para mim (trata-se de visão muito subjetiva e pessoal), demonstra esta aceitação da impossibilidade da ambição de abarcar a existência e sua experiência de maneira, digamos, imperialista ou totalitária. Trata-se de uma poesia que aceita o contextual, o limitado, a visão parcial. Sabe que atrás de nossos corpos, logo à nuca, há ainda paisagem, paisagem não vista.

Neste aspecto, o título do primeiro poema é muito apropriado: trata-se da tradução francesa do título de um poema de Jack Spicer (1925 - 1965), "The territory is not the map". Eu sorrio muito com as implicações deste título. Sim, Marília e eu, ouso dizer, compartilhamos deste desejo por uma poética de implicações. Daí talvez nossa indulgência, diriam os que são mais prudentes que a gente, nossa indulgência inocente com tautologias. Jack Spicer entendia bem disso.

Eu viria a dialogar com este poema de Marília (que eu lera em manuscrito) e com o de Spicer em um dos fragmentos do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em minha segunda coletânea, a cadela sem Logos, lançada juntamente com o livro de Angélica Freitas e o de Marília (na coleção Ás de Colete da Cosac Naify), 20 poemas para o seu walkman (2007). Trata-se do seguinte fragmento:


o real é a
decoração do momento
& a cidade não é o
mapa mas o mapa
está correto
pois entre os sujeitos
que o
parto consagra estão
apenas os sujeitos com
corpo
do centro da fertilidade
da mãe do acaso
o ensinamento necessário
da devastação completa
da decepção do
salto no escuro na
crença dos
braços abertos do
chão do colo
a diferença básica
entre
abraão medéia
o Logos já não
me procura
mais meu
filho


(fragmento de "Dedicatória do joelhos", fragmento que dediquei a Marília Garcia,
incluído em a cadela sem Logos, São Paulo: Cosac Naify, 2007)


Estas preocupações, que acredito compartilhar com ela, talvez levem nosso trabalho a parecer demasiado oblíquo para algumas pessoas. É que enquanto muitos se preocupam prudente e exclusivamente com a concretude do signo, em muitos textos sinto-me compartilhar com Marília Garcia justamente o interesse pela opacidade da linguagem. Nós somos mesmo muito imprudentes.



Marília Garcia lê os poemas "plano b" e "39°34´13.26´´N 2°20´49.50´´E (diz em catalão)"

O segundo poema dela que mostro aqui chama-se "Classificação da secura" e é também um de meus favoritos. Não consigo deixar de ler em parte deste poema uma sátira à precisão objetivizante dos cabralinos e seus desertos e pedras e sequidões.

Eu continuo vendo como uma espécie de sabedoria – que me comove, a de poetas que parecem aceitar, de forma tão cândida, que "Vivianne est Vivianne", como escreveu Hocquard em um poema de amor. Que "o nível do mar / é um engano" e que "a voz esconde o que realmente quer dizer", como escreveu Marília Garcia.

E ela talvez mal saiba como me comove quando escreve no poema "plano b" (Deus meu, as implicações deste título!):

"saber se está triste há um ano / ou há 24 horas // (de volta, passa a colecionar / objetos. a vingança começa num / aquário / é como furar a realidade com a / realidade, dizia, ficar no quarto medindo o / nível do mar para descobrir / onde pôr os peixes)".


Marília, eu estou em espírito neste exato momento em Santa Teresa, sussurrando em seu ouvido: "Vivianne est Vivianne".


§


DOIS POEMAS DE MARÍLIA GARCIA
extraídos do livro 20 poemas para o seu walkman (SP: Cosac Naify, 2007)



Le pays n´est pas la carte,


pensa bem mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a cidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metro, não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real
diz com cílios erguidos
procurando um mapa


II


não é o avião em rasante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo — não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)


III


de lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com frequência
(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)


§


Classificação da secura
Marília Garcia

I


agora já é quase amanhã mas queria
dizer apenas que é muito
tarde: acrescentar quatro horas ao relógio
indica que já é depois. lá é sempre
depois. parecia um nome
italiano com aquele som ecoando e a
resposta em outra língua mostrava
a cor das linhas no mapa, "é lilás", para
não dizer algo preciso
para não terminar: com ela
saio cedo todos os dias. fico de
vez em quando escondido
no porto. tomarei
o transmediterrâneo e comerei
calçots,
até chegar o instante antes
do instante, momento em que vê o relógio
e diz: não. já conhece todos os erros
do sistema e a retina derretendo
sempre que levanta
para sair dali.
(precisão é o retângulo do degrau
inferior.)


II


alguém que não consegue se mover
e uma semana de vozes cortadas, deve
se acostumar aos movimentos em câmera
lenta, à descida pela escada em
espiral:
recorta os sons de cada
quarto e apaga as perguntas que
mais detesta responder. como aquela
noite no ônibus, ruídos do rádio e
pedaços de frases atiradas,
sempre girando as horas.
ver a paisagem
sem ela e precisar o tamanho da ausência
com poucos dados — sabe que as baleares ficam
do outro lado do mar, que custa chegar
anos depois e dizer. ergue os olhos para
fixar o que tem ali e não perder
de vista a secura.





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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Discotecando poesia sonora - minha intervenção no projeto Dichtraum/Denkraum

Autorretrato perante o Mural das Celebrações (e às vezes Lamentações), 22 de junho de 2011.


Ontem, terça-feira, fiz minha segunda e última apresentação no Festival de Poesia de Berlim. Tomei parte do projeto "Dichtraum/Denkraum", no qual o festival apoderou-se de um espaço na estação de metrô do Portão de Brandemburgo e convidou 22 poetas residentes em Berlim para intervenções no local. O que quiséssemos fazer para interagir com os viajantes subterrâneos.

Eu preparei um programa de poesia sonora e li alguns poemas favoritos. Foi como uma discotecagem de poesia. Foi meio louco, mas divertido. Deixo vocês com minha setlist. A ordem foi mais ou menos esta. O que pude encontrar na Rede está aí. Subi várias coisas que não estavam disponíveis. Não tive tempo e energia para subir tudo, peço perdão. Deu um trabalho que me esgotou e hoje à noite (é quarta-feira), tenho que discotecar no nosso evento semanal. Espero que vocês curtam.


Minha setlist de poesia sonora para uma intervenção
na estação de metrô do Portão de Brandemburgo,
projeto do Festival de Poesia de Berlim.


"Schlimmer Traum", Thomas Brasch - leitura minha.

"Ode auf N", Ernst Jandl - arquivo sonoro.

Ernst Jandl - "Ode auf N" by Modo de Usar & Co.

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"Wie es früher war", Michael Lentz - vídeo de uma performance em Barcelona.



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"Die Seeräuber-Jenny", Kurt Weill & Bertolt Brecht - arquivo sonoro de uma gravação da Ópera dos Três Vinténs. Abaixo, a versão de Lotte Lenya, na versão cinematográfica de Pabst.




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"Testament", Otto Muehl - arquivo sonoro.



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"Faltung 2", Elke Schipper - arquivo sonoro.

Elke Schipper - "Faltung 2" by Modo de Usar & Co.

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"ich und mein körper", Konrad Bayer - leitura minha.

"Wasbla ichbla willbla", Armand & Bruno sobre poema de Dieter Roth, arquivo sonoro.

Armand & Bruno - "Wasbla ichbla willbla" by Modo de Usar & Co.


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"Maybe manifesto", Jörg Piringer - vídeo de uma performance em Barcelona.



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"Karawane", Jerome Rothenberg sobre poema fonético de Hugo Ball, arquivo sonoro.

"Schwarze Puppen", Klaus Kinski - arquivo sonoro.



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"Residue", Amanda Stewart - arquivo sonoro.

"Bouche d´eau/En nombre d´impossibilités particulières", Alexandre St-Onge - arquivo sonoro.

"Lo ferm voler qu'el cor m'intra", Arnaut Daniel - arquivo sonoro de uma interpretação musical da primeira sextina.



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"What About Performance, Herr Wittgenstein?", David Moss - arquivo sonoro.

David Moss - "What About Performance, Herr Wittgenstein" by Modo de Usar & Co.

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"Tellurgie", Arthur Petronio - arquivo sonoro.

"I Want to Tell You About Myself", Kathy Acker - arquivo sonoro.

Kathy Acker - "I Want to Tell You About Myself" by Modo de Usar & Co.

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"Mirares veteres, Vacerra", Marco Valério Marcial - leitura minha da tradução alemã de Niklas Holzberg.

Trata-se do epigrama que eu traduzi para o português como:

Admiras velhotes, Vacerra, só
fazes elogios a poetas mortos.
Peço desculpas, Vacerra, não
hei-de morrer para te agradar.

Tradução livre do epigrama: "Miraris veteres, Vacerra, solos / Nec laudas nisi mortuos poetas. / Ignoscas petimus, Vacerra: tanti / Non est, ut placeam tibi, perire."

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"Laughter notebook", Brandon Labelle- arquivo sonoro.

"Le mort", Charles Pennequin - arquivo sonoro.



o morto
Charles Pennequin em tradução de Marília Garcia.


por quanto tempo mais eu vou ficar aqui no jardim me fingindo de morto / por quanto tempo mais eu vou ficar me fingindo de morto aqui no sótão ou então no quarto / eu já não sei se estou no sótão ou no quarto / eu vejo daqui o respiradouro ou então é a janela eu já não sei se eu vejo bem pode ser que eu esteja vendo bem até demais / se eu continuar assim eu verei ainda melhor e então poderei dizer se vou continuar a me fingir de morto / será que eu devo continuar por muito tempo a me fingir de morto pelo menos até que eles cheguem / e se eu continuo como morto assim será que eles virão aqui me ver virão ver se eu estou morto de verdade / talvez eles venham aqui me ver e me desejar um feliz aniversário / é seu aniversário você tem dez anos daqui a pouco vai fazer quinze anos que você tem 10 anos / agora você precisa parar de fingir que está morto você vai sair do quarto / e vai passear e vai brincar e vai para perto do canal /e vai cair no canal / e vai brincar com seu amigo / seu amigo vai achar que você foi embora e esqueceu a bicicleta e ele vai trazer sua bicicleta de volta e você estará no canal / você estará mergulhado ali dentro querendo pegar os peixes e você não vai sair do canal / você queria pegar os peixes e acabou caindo no canal e seu amiguinho voltará / ele vai dizer que não te encontrou / e eles vão dizer que você deve estar fingindo de morto em algum lugar

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"Evasion, or How to perform a tongue evasion in public", Christof Migone - arquivo sonoro.

"Falling", Delia Derbyshire - arquivo sonoro.



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"Blabbermouth", Erik Belgum - arquivo sonoro.

Erik Belgum - "Blabbermouth" by Modo de Usar & Co.

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"Brothers and sisters, let´s sing a Hymn", Fabienne Audéoud - arquivo sonoro.

Fabienne Audéoud - "Brothers and sisters, let s sing a Hymn" by Modo de Usar & Co.

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"Ursonate (Zweiter Teil)", Kurt Schwitters - arquivo sonoro.



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"If I told him: a complete portrait of Picasso", Gertrude Stein - arquivo sonoro.




Se eu lhe contasse: um retrato acabado de Picasso
Gertrude Stein em tradução de Augusto de Campos

Se eu lhe contasse ele gostaria. Ele gostaria se eu lhe contasse.
Ele gostaria se Napoleão se Napoleão gostasse gostaria ele gostaria.
Se Napoleão se eu lhe contasse se eu lhe contasse se Napoleão. Gostaria se eu lhe contasse se eu lhe contasse se Napoleão. Gostaria se Napoleão se Napoleão se eu lhe contasse. Se eu lhe contasse se Napoleão se Napoleão se eu lhe contasse. Se eu lhe contasse ele gostaria ele gostaria se eu lhe contasse.
Já.
Não já.
E já.
Já.
Exatamente como como reis.
Tão totalmente tanto.
Exatidão como reis.
Para te suplicar tanto quanto.
Exatamente ou como reis.
Fechaduras fecham e abrem e assim rainhas. Fechaduras fecham e fechaduras e assim fechaduras fecham e fechaduras e assim e assim fechaduras e assim fechaduras fecham e assim fechaduras fecham e fechaduras e assim. E assim fechaduras fecham e assim e assado.
Exata semelhança e exata semelhança e exata semelhança como exata como uma semelhança, exatamente como assemelhar-se, exatamente assemelhar-se, exatamente em semelhança exatamente uma semelhança, exatamente a semelhança. Pois é assim a ação. Porque.
Repita prontamente afinal, repita prontamente afinal, repita prontamente afinal.
Pulse forte e ouça, repita prontamente afinal.
Juízo o juiz.
Como uma semelhança a ele.
Quem vem primeiro. Napoleão primeiro.
Quem vem também vindo vindo também, quem vem lá, quem vier virá, quem toma lá dá cá, cá e como lá tal qual tal ou tal qual.
Agora para dar data para dar data. Agora e agora e data e a data.
Quem veio primeiro Napoleão de primeiro. Quem veio primeiro. Napoleão primeiro. Quem veio primeiro, Napoleão primeiro.
Presentemente.
Exatamente eles vão bem.
Primeiro exatamente.
Exatamente eles vão bem também.
Primeiro exatamente.
E primeiro exatamente.
Exatamente eles vão bem.
E primeiro exatamente e exatamente.
E eles vão bem.
E primeiro exatamente e primeiro exatamente e eles vão bem.
O primeiro exatamente.
E eles vão bem.
O primeiro exatamente.
De primeiro exatamente.
Primeiro como exatamente.
De primeiro como exatamente.
Presentemente.
Como presentemente.
Como como presentemente.
Se se se se e se e se e e se e se e se e e como e como se e como se e se. Se é e como se é, e como se é e se é, se é e como se e se e como se é e se e se e e se e se.
Cachos roubam anéis cachos fiam, fiéis.
Como presentemente.
Como exatidão.
Como trens.
Tomo trens.
Tomo trens.
Como trens.
Como trens.
Presentemente.
Proporções.
Presentemente.
Como proporções como presentemente.
Pais e pois.
Era rei ou rês.
Pois e vez.
Uma vez uma vez uma vez era uma vez o que era uma vez uma vez uma vez era uma vez vez uma vez.
Vez e em vez.
E assim se fez.
Um.
Eu aterro.
Dois.
Aterro.
Três.
A terra.
Três.
A terra.
Três.
A terra.
Dois.
Aterro.
Um.
Eu aterro.
Dois.
Eu te erro.
Como um tão.
Eles não vão.
Uma nota.
Eles não notam.
Uma bota.
Eles não anotam.
Eles dotam.
Eles não dão.
Eles como denotam.
Milagres dão-se.
Dão-se bem.
Dão-se muito bem.
Um bem.
Tão bem.
Como ou como presentemente.
Vou recitar o que a história ensina. A história ensina.


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"Rilke shake", Angélica Freitas - leitura minha da tradução alemã de Odile Kennel.

"Resumé", Dorothy Parker - leitura minha. Trata-se do famoso:

Résumé
Dorothy Parker

Razors pain you;
Rivers are damp;
Acids stain you;
And drugs cause cramp.
Guns aren't lawful;
Nooses give;
Gas smells awful;
You might as well live.


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"Espaces et gestes", Henri Chopin - arquivo sonoro.

Henri Chopin - "Espaces et gestes" by Modo de Usar & Co.

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"Rivièra", Paul de Vree - arquivo sonoro.

"Bitch", Patti Smith - arquivo sonoro.

Patti Smith - "Bitch" by Modo de Usar & Co.

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"Voice of America (excerto)", Ferdinand Kriwet, arquivo sonoro.

"Audience and transformation", Achim Wollscheid - arquivo sonoro.

"Kleiner Stapel aus Christinas Küche", George Nussbaumer - arquivo sonoro.

"Passionement", Ghérasim Luca - arquivo sonoro.



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"Anglet", Hans Unstern - arquivo sonoro.



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"Sashimi", Angélica Freitas - leitura minha da tradução alemã de Odile Kennel.

"Kré nachtmerrie", Jaap Blonk - arquivo sonoro.

Jaap Blonk - "Kré nachtmerrie" by Modo de Usar & Co.

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"Russian Roulette", Tetine - arquivo sonoro.

Tetine - "Russian Roulette" by Modo de Usar & Co.


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"Sun in my mouth", Björk sobre poema de e.e. cummings - arquivo sonoro.




Poema de e.e. cummings no qual Björk baseou a canção:


i will wade out / till my thighs are steeped in burning flowers / I will take the sun in my mouth / and leap into the ripe air / Alive / with closed eyes / to dash against darkness / in the sleeping curves of my body / Shall enter fingers of smooth mastery / with chasteness of sea-girls / Will i complete the mystery / of my flesh / I will rise / After a thousand years / lipping / flowers / And set my teeth in the silver of the moon


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"Cidade City Cité", Augusto De Campos - arquivo sonoro.



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"Not What the Siren Sang but What the Frag Ment", bpNichol - arquivo sonoro.

"I Am That I Am", Brion Gysin - arquivo sonoro.

Brion Gysin - "I Am That I Am" by Modo de Usar & Co.


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"Lifting Belly" (fragmento), Gertrude Stein - leitura minha.

"Having a coke with you", Frank O´Hara - leitura minha.

"Beba Coca Cola", Décio Pignatari - arquivo sonoro da composição de Gilberto Mendes.

Décio Pignatari / Gilberto Mendes - "Beba Coca-Cola" by Modo de Usar & Co.


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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Os poemas que li este sábado no Festival de Poesia de Berlim

Autorretrato como anfíbio (2006)


Começou na sexta-feira a edição 2011 do Festival de Poesia de Berlim. Escrevi uma pequena nota para a franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., com poemas e vídeos de alguns dos principais convidados, como o francês Yves Bonnefoy, o americano Billy Collins, o cubano Silvio Rodríguez, o catalão Bartomeu Ferrando, entre outros. Nos próximos dias, prepararei postagens individuais sobre alguns deles. Acabei de postar exemplos de trabalhos da poeta vocal Iva Bittová (República Tcheca, 1958), com um trabalho que a aproxima de mulheres como Joan La Barbara, Meredith Monk e Diamanda Galás. Quando terminar o festival, escreverei aqui um pequeno artigo crítico a respeito, com o que houve de melhor.

Quis compartilhar agora, nesta postagem, os poemas que li neste sábado no Festival, durante o tradicional Poets´ Corner, que sempre ocorre no sábado posterior à abertura, e no qual poetas residentes em Berlim são convidados para ler em locais de seus próprios bairros. Eu li em um pequeno centro cultural na Prenzlauer Allee, em frente à pequena igreja chamada Immanuelkirche, com outros poetas vivendo em Pankow, região onde fica meu bairro, Prenzlauer Berg. Li ao lado de 7 poetas alemães: o querido Timo Berger, poeta, tradutor de poesia hispano-americana e brasileira (traduziu um livro de Laura Erber), além de organizador do Festival de Poesia Latino-americana de Berlim; o ótimo Hendrik Jackson (n. 1971), poeta e tradutor do russo; meu conhecido de vida noturna Björn Schäffer (n. 1981), o mais jovem dentre os poetas; uma poeta muito divertida e irônica chamada Anne Krüger (n. 1975), que eu não conhecia; e ainda Carsten Zimmermann (n. 1968), Ron Winkler, jovem poeta premiado alemão, nascido em 1973 e Lars-Arvid Brischke (n. 1972).

Eu li pela primeira vez na vida quase completamente em alemão, com a exceção de dois textos escritos originalmente em inglês. Todos os poemas haviam sido traduzidos por Odile Kennel. Foi uma experiência divertida, assim que controlei meus nervos. Li também um dos meus poemas favoritos de Frank O´Hara, "Having a coke with you". Deixo vocês com meu setlist, todos os poemas que li naquela tarde, nos originais em português, é claro. A ordem é a mesma da leitura.



POEMAS LIDOS NO FESTIVAL DE POESIA DE BERLIM
a 18 de junho de 2011.



Texto em que o poeta celebra
o amante de vinte e cinco anos



Houve
guerras mais duradouras
que você.
Parabenizo-o pelo sucesso
hoje
de sobreviver a expectativa
de vida
de uma girafa ou morcego,
vaca
velha ou jiboia-constritora,
coruja.
Penguins, ao redor do mundo,
e porcos
com você concebidos, morrem.
Saturno,
desde que se fechou seu óvulo,
não
circundou o Sol uma vez única.
Stalker
que me guia pelas mil veredas
à Zona,
engatinha ainda outro inverno,
escondo
minha cara no seu peito glabro.
Fosse
possível, assinaria um contrato
com Lem
ou com os irmãos Strugatsky,
roteiristas
de nossos dias, noites futuras;
por trilha
sonora, Diamanda Galás muge
e bale,
crocita e ronrona, forniquemos.
Celebro
a mente sob os seus cabelos,
ereto,
anexado ao seu corpo, o pênis.
Algures,
um porco, seu contemporâneo,
chega
ao cimo de seu existir rotundo,
pergunto,
exausto em suor, se amantes,
de cílios
afinal unidos, contam ovelhas
antes
do sono, eufóricas e prenhas.


(Inédito em livro, a ser incluído na minha próxima coletânea. Publicado originalmente
no segundo número impresso da Modo de Usar & Co.)


§


Poema

Enfim aurora-me na cachola,
Jonas das férias em baleias,
por que os deuses desaprovam
o incesto, esse advertisement
ou entertainment em família,
tal reciclagem ad aeternitatem
ou sexo homogêneo à margem
(e sua homenagem a soi-même)
como o cúmulo da economia.
Leis de veto a fellatio in toilets
e virilha em público, ilegíveis,
como Coca-Cola, cocaína & Cia.
ou outros substantivos ilegais
para nossa literatura ou lírica.
Teu Ricardo sabe que o peixe
morre pela fome, boca em pênis
de moçoilos é o anzol de sempre
e eis que pé no rabo eu vos nego.
Pedicabo ego vos et irrumabo.
Seguirei sendo nota de pontapé
no apêndice de vossos cérebros
ou até que me canse, escravo
paciente e devoto, das horas-
-extras de chicote e chacota
sobre vossas gretas garbosas.


(Inédito em livro, a ser incluído na minha próxima coletânea. Publicado originalmente
no segundo número impresso da Modo de Usar & Co.)


NOTA: Se você quer saber a origem (de onde o roubei, em outras palavras) e o significado
do verso "Pedicabo ego vos et irrumabo", clique
AQUI, querido.


§


Breviário de secreções

A um canto do quarto, meu corpo
...............operava sua fábrica
.......................de relações
Decisões não são auto-explicativas,
..................resistem ao questionário
..........do prazer
..................e são
.....obrigadas a ignorar
..................conseqüências de causas,
...........como movimento e encontro
As mãos em concha erguem-se
.........ao rosto ao mesmo tempo
.....que este dirige-se a elas
...............sem que se percam
no caminho

....................Respirando pela boca, sem
tempo a perder entre a
........oxigenação do próprio
...........cérebro e a
...............do ambiente
......em geral, ele
..falou alto e preciso:
o teso súbito que percorre
...............a linha da boca
.....do peixe à mão
do pescador, anzol:
...........isca, peixe

Mas esta imagem não
........encontra equivalência
..........em meu organismo e
.......volto a olhar
...........meus pés

................Sozinho e vazio
................como quem acaba
................de parir como quem
................acaba de ejacular
................vazio e sozinho

e só me acalmei
.........ao repetir duração duração
....................duração movimento

passe as cartas por baixo
da porta se as há

Infelizmente não poderei
ir a São Paulo por
enquanto mas com
certeza nos veremos
antes da sua
partida beijos

em vigas de partir
nas vias do por vir

O esvaziamento progressivo
...dos pulmões e recomeçar
em seguida

Não há transição mais
................sutil que a esquecida
.......à meia-noite

e entre epiderme
derme músculo
osso esperam
todos
uma gradação
dos espetáculos
do mundo

apague a luz cavaleiro digo cavalheiro

Breviário das secreções
................da manhã:

§.........salivação comum mesmo
em meio à
desidratação recente
§.........ejaculação de hábito
antes do desjejum
§.........sangramento normal
à pia do banheiro
colore-me a boca
sensação de frescor e medo


(publicado em meu livro de estreia,
Carta aos anfíbios
, Rio de Janeiro, Bem-Te-vi, 2005)



§


Sempre o exílio


a.

.........surpreso a quanta terra
.........não me pertence, que
.........engraçado descobrir (mais
.........uma vez) que trocar de país
.........não significa trocar de corpo
.........e a mudança
.........de língua
.........é acompanhada pela permanência
.........da produção da
.........mesma saliva.

b.

.........esta ilegalidade do meu corpo
.........desaloja-me a comida no
.........estômago
.........que permanece em ângulo
.........suspeito, a boca
.........arqueia-se, tesa –
.........e o barbante frouxo dos braços
.........a nenhum peito estreita-me,
.........esta pele estrangeira,
.........este cheiro novo.

c.

.........a certeza finalmente
.........de que a mão é incapaz
.........da linha reta,
.........os ouvidos mais atentos,
.........as pontas dos dedos
.........mais ativas, despertas,
.........os ombros caídos, menos
.........por cansaço que por pesos
.........acumulados ao longo
.........de outros sonos;
.........quando as noções
.........de segurança
.........e cidadania
.........desaparecem e resta-nos
.........a condição.


(publicado em meu livro de estreia,
Carta aos anfíbios
, Rio de Janeiro, Bem-Te-vi, 2005)


§


falar hoje exige
elidir a própria
voz as transações
inventivas entre
interno e externo
demandam
que a base venha
à tona e a
superfície seja
da profundidade da
história ímpeto
denotando o
centrífugo
o corpo público
que exibo como
palco fruto
da ansiedade
do remetente
o interno ao longo
da epiderme
como emily
dickinson terminando
uma carta de minúcias
com “forgive
me the personality“


(fragmento do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em meu segundo livro,
a cadela sem Logos
, São Paulo, Cosac Naify, 2007)


§


inveja das cartas a que
basta dedilhar um
nome completo e sempre
conseguem a atenção
do destinatário e
enquanto ele e
ele abrem
a boca permitem
a visita ao estômago
alheio minha garganta
de mão dupla abre
a passagem mais
uma vez devo bastar
-me limito-me
a olhar sua
boca limítrofe o
álcool realmente não
auxilia a
confusão de
estômagos entre
interno e externo


(fragmento do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em meu segundo livro,
a cadela sem Logos, São Paulo, Cosac Naify, 2007)



§


o que é uma língua
perdida se
encontra saliva
em estranhos como se
vai de são paulo a
berlim nomear esta
relevância morta
vício de memória horror
à memória horror do
esquecimento uma foto
é irrespirável a catedral
da cidade do méxico
afundando no antigo
lago bombeie bombeie
concreto até reter as
águas é preciso
cruzar o oceano
para ousar
falar de
água


(fragmento do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em meu segundo livro,
a cadela sem Logos
, São Paulo, Cosac Naify, 2007)



§


what a shock
to acknowledge
even silence
could be
misunderstood
as no yes depend
on your questions
of hunting & running
undistinguished
or the way
we may name
the dissipation of heat
coldness spreading
& is it a matter
of syntax or coccyx
to measure reality
& probability & expectation
much in the way he said
decompose me
but I understood
don´t come close to me
& insisted chance
is not
simply a proclivity
gone askew
although all
persist on calling
my purple sweater
brown


(escrito originalmente em inglês, publicado na plaquete
When they spoke / I confused cortex / for context, mini-edição numerada e assinada,
lançada com uma edição da revista Pablo Internacional Magazine,
editada pelo curador mexicano Pablo León de la Barra, 2006, Londres)

§


I
wish
my tooth
ached in
your mouth
every year
this time
of the year
the equinox
of equidistant
separations &
equine pain
if you
insist on breathing
as rhythm
for speech
oh my longing
lungs relating
sphinx & asphyxia
as expectation plus
reality or fake
orgasms in the day
light


(escrito originalmente em inglês, publicado na plaquete
When they spoke / I confused cortex / for context
, mini-edição numerada e assinada,
lançada com uma edição da revista Pablo Internacional Magazine,
editada pelo curador mexicano Pablo León de la Barra, 2006, Londres)


§


Corpo

cor.po
subst m corpo ['korpu]. pl. corpos. De nem
um. Massa
e peso
(favor não confundir)
anexados a superfícies
de código binário
aka masculino e feminino.
1. a. Geografia do posicionar-se. Área com fronteiras definidas; porção de espaço a sonhar
com dicionários.
1. b. Locus de focus em terror, hocus pocus da lógica em orifícios úmidos.
1. c. Carcaça. "De volta à realidade!".
Diz-se
que o mesmo ar
não pode circundar
dois ao mesmo
tempo.
2. a. Padrão de aparência perigosa para a mecânica da pureza; a ilusão da higiene.
2. b. Não uma árvore.
Cores são encomendadas de acordo com o gosto.
Entrega segue regras de fabricação genética. Exemplares ruivos
anexados a um pênis
são uma iguaria.
3. a. Não confiável em impermeáveis. Temporário e de oscilações frequentes. "Quase lá."
3. b. Um grupo de erros e equívocos reputados como uma sanidade; uma Corporação S.A.
Mas a esfera
privada
é também um pesadelo.
4. a. Estabelecimento comercial. Para instruções, referir-se ao manual, ao oral.
Som
conhecido como voz
causa a aderência
à sua definição.
5. a. Geringonça que não sua em fotografias:
5. b. Anal tomia. A maior peça da fricção.
5. c. Maquinaria para a produção de líquidos.
5. d. Exclusivo para índices e apêndices.
5. e. Destinado a lubrificantes.
Se cortado ou perfurado, tende a tornar-se mais atento.
6. Massa do tangível e matéria de farrapos.
Dê-lhe água,
faça-o celeste.
7. a. Uma coletânea ou quantidade, como de material ou informação: a evidência
de sua inflação.
VOCÊ ESTÁ AQUI
em um mapa.
8. Mobília confortável que requer manutenção.


(publicado originalmente em inglês na plaquete Corps / Körper,
do fotógrafo alemão Heinz Peter Knes, Paris, Parasite Book, 2009)


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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Vídeo novo da fotógrafa Adelaide Ivánova, seguido de um poema seu

Adelaide Ivánova, fotografada em Berlim por Breno Rotatori.


Este é o último vídeo de Adelaide Ivánova, fotógrafa e escritora recifense, minha amiga, no qual ela intercala imagens em vídeo e fotografias de suas duas paixões que rimam, o rapaz chamado Armin e a cidade chamada Berlin.



"Horses", vídeo e fotos de Adelaide Ivánova, criado originalmente para uma edição da revista brasileira Aurora,
número dedicado àquela coisa que a gente chama de "amor".



Que bonito ter paixões que rimam. Que triste estar distante delas. Que saudades de você, Ivi, querida. Eu estou aqui, é madrugada de sexta para sábado em Berlim, está chovendo, eu estou escutando canções do Dimitri Rebello, do Jeff Buckley e do Tom Krell, mais conhecido como How to Dress Well. Você já ouviu How to Dress Well, Ivi? São muito tristes as canções do How to Dress Well. Nós sabemos que é muito mais fácil estar bem vestido do que bem acompanhado, não é, Ivi? Se você estivesse aqui, eu não teria que estar bancando o tempo todo o cavalheiro contido, poderia lagartear-me com você ao sol ou na chuva e fazer o que fazemos melhor: almodovaricar.

Deixo meus leitores com um poema da Ivi, Adelaide Ivánova para vocês:


tulipas
Adelaide Ivánova


meu parapeito
não tem flores,
meu apartamento
não tem geladeira,
ponho os saquinhos
de mussarela do lado
de fora da janela
para não estragarem
e assim prescindo
de tulipas.




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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Uma canção de Dimitri Rebello, mais conhecido como Dimitri BR, seguida de um poema recente seu.

Dimitri Rebello, mais conhecido como Dimitri BR


Eu acordei muito cedo esta manhã aqui na cidade de Berlim, mas com uma vontade muito grande de poder ter acordado na cidade do Rio de Janeiro. É que se eu tivesse acordado na cidade do Rio de Janeiro, eu poderia agora fazer um telefonema para meu amigo Dimi, o poeta Dimitri Rebello e o cantor mais conhecido por vocês como Dimitri BR, para tomar café-da-manhã juntos, talvez ir à praia, e conversar, conversar. Acordei com uma vontade muito grande de conversar com o Dimitri. No entanto, como eu estou na cidade de Berlim e Dimitri está na cidade do Rio de Janeiro, eu faço o que posso e tomo um café aqui, em meu quarto na cidade de Berlim, escutando uma das canções mais bonitas do Dimitri, chamada "o tamanho do caminho" e composta e gravada na cidade do Rio de Janeiro, e esta canção, que me parece uma das mais bonitas dentre as compostas no Brasil nos últimos X anos, me faz um bem muito grande e chega quase a substituir o que Dimitri poderia ter-me dito neste nosso suposto e desejado café-da-manhã na cidade do Rio de Janeiro, através desta canção que me parece ter nascido já clássica, mesmo sabendo que Dimitri tem canções muito mais elaboradas, mas sabendo também que artistas às vezes produzem pequenos artefatos à própria revelia, como se dissessem: "Eis esta pequena coisa, é o melhor de mim, pertence desde já ao domínio público". Sim, esta canção, que imagino ter sido composta há pouco tempo por Dimitri Rebello, o Dimitri BR, o Dimi querido Dimi, nasceu já dentro do domínio público, e as divas da MPB devem estar surdas ou loucas se ainda não descobriram o cancioneiro de Dimitri BR.

Aqui, neste meu quarto na cidade de Berlim, esta canção de Dimitri BR me mostra um dos possíveis caminhos: o que nos cabe.




Dimitri BR - participação especial de Silvia BR - "o tamanho do caminho" (2010)



o tamanho do caminho
[Dimitri BR]

neste mundo imenso só posso desejar
que o caminho tenha o tamanho do caminhar
só um desejo tenho neste mundinho
que o meu caminhar caiba no caminho

que o meu caminhar caiba no caminho
que o caminho tenha o tamanho do caminhar




§


Eu encerro esta postagem, em que tento me aproximar de alguma maneira do meu amigo Dimitri, o poeta e cantor, que está provavelmente neste momento dormindo o sono dos justos na cidade do Rio de Janeiro, compartilhando com vocês esta canção tão bonita, que já não pertence a Dimitri BR (quem mandou compor um born-classic digno do domínio público?), e também o poema "perdi o sono", que ele publicou em seu espaço há pouco.

Estamos tomando café-da-manhã juntos, Dimi. Você percebeu? Quer açúcar no seu café? Você retomou o sono ou está insone na cidade do Rio de Janeiro? Sofrendo a insônia dos justos? Eu estive insone esta noite na cidade de Berlim. Agora tomo um café forte e com açúcar para despertar e tentar ser digno da vigília dos justos.



perdi o sono
Dimitri Rebello

perdi o sono
foi em 1987
em 1994
ou 2006
atrás da estante
embaixo da geladeira
no vão do sofá
(lápis moeda poeira
grampo de cabelo
sono que é bom nada)
não lembro bem
não sei dizer
alguém me empreste
um guarda-chuva
eu gosto de chuva
e queria dormir.


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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Vídeo novo e composição de Uli Buder, mais conhecido como Akia

Uli Buder, também conhecido como Akia


"Leopold" é a composição nova e vídeo do meu querido Uli Buder, mais conhecido como Akia. Já escrevi várias vezes sobre ele aqui. O menino é um compêndio de talento e charme. Colaboramos em algumas coisas e ele discoteca e toca com frequência no nosso clube às quartas-feiras. É um dos meus xodós. Gosto demais dele. E como eu gosto de divulgar o trabalho dos meus amigos, porque eu (não sei quanto a vocês) tento cercar-me dos melhores, aqui vai, para os queridos e generosos leitores deste espaço, o vídeo e faixa para "Leopold", em sua versão curta. Tudo feito por ele. Gravado em Berlim, nesta primavera de 2011, a que voltou a me lembrar de certos versos que escrevi em 2003 sobre "os anos ímpares". Quem quiser escutar a versão longa e outras coisas do rapaz, é só visitar sua página, deixo o link logo depois do vídeo::: .



"Leopold", vídeo e composição de Uli Buder, mais conhecido como Akia.


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Uli Buder, mais conhecido como Akia,
em retrato de Eugen Braeunig.



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domingo, 12 de junho de 2011

Celebrando os heróis dos meus olhos: Édouard Boubat (1923 - 1999), fotógrafo

Édouard Boubat - "Autorretrato com Lella" (1951), sua musa.


Eu não sei muita coisa sobre a vida de Édouard Boubat, conheço apenas suas fotos. Não há muita informação na Rede. A primeira menção a seu nome que eu ouvi em minha vida veio do grande mestre das citações Jean-Luc Godard, no filme Éloge de l´amour (2001), um dos filmes mais importantes da minha vida, no qual uma das personagens, um senhor de idade, ao tentar descrever uma moça por quem foi apaixonado na juventude, diz: "Ela era como aquela moça da fotografia de Boubat, na praia, vestida com uma blusa branca e sutiã preto."


Édouard Boubat - "Lella, Bretanha" (1947)


Ninguém celebra aqueles que admira com tanta propriedade e respeito quanto Godard. O que se encontra na Rede sobre Boubat é que nasceu em 1923, no bairro de Montmartre, em Paris. Morreu em 1999, na mesma cidade. Estudou fotogravura na Escola Superior de Artes e Indústrias Gráficas (École Supérieure des Arts et Industries Graphiques - École Estienne), entre 1938 e 1942. Em 1947, ganhou o prêmio Kodak, do qual confesso desconhecer a importância. Foi repórter durante a Segunda Guerra. Dizem que, depois desta experiência, teria jurado nunca mais fotografar a destruição, apenas a celebração. Olhando para suas fotos, esta história, lenda ou não, faz todo sentido. Quis compartilhar estas celebrações.


(clique nas imagens para aumentá-las)










quinta-feira, 9 de junho de 2011

Uma canção para o momento em que se respeita a maré alta da raiva em legítima defesa

Violeta Parra (1917 - 1967)


Tive uma conversa muito boa ontem com o artista chileno Pablo Zuleta Zahr no nosso clube Neue Berliner Initiative, durante a SHADE inc. Foi durante esta conversa que ele me falou desta canção da Violeta Parra (1917 - 1967), chamada "Maldigo del alto cielo". Fácil imaginar sobre o que girava a conversa. Eu não conhecia a canção. Foi gravada logo antes do suicídio da poeta chilena, lançada em seu álbum Las Últimas Composiciones (1966), pouco tempo antes de meter uma bala na cabeça – após ser abandonada pelo homem que amava e que não nomearemos aqui porque machos que vão embora merecem o esquecimento e o anonimato. Como Pablo e eu concordamos ontem, há também o momento certo em que, por legítima defesa, se deve aceitar a maré alta da raiva. Este texto é um dos poemas mais potentes que passaram por meus ouvidos e olhos nos últimos tempos.







Maldigo del alto cielo
Violeta Parra



Maldigo del alto cielo
la estrella con su reflejo,
maldigo los azulejos
destellos del arroyuelo,
maldigo del bajo suelo
la piedra con su contorno,
maldigo el fuego del horno
porque mi alma está de luto,
maldigo los estatutos
del tiempo
con sus bochornos,
cuánto será mi dolor.

Maldigo la cordillera
de los Andes y La Costa,
maldigo, señor, la angosta
y larga faja de tierra,
también la paz y la guerra,
lo franco y lo veleidoso,
maldigo lo perfumoso
porque mi anhelo está muerto,
maldigo todo lo cierto
y lo falso con lo dudoso,
cuánto será mi dolor.

Maldigo la primavera
con sus jardines en flor
y del otoño el color
yo lo maldigo de veras;
a la nube pasajera
la maldigo tanto y tanto
porque me asiste un quebranto.
Maldigo el invierno entero
con el verano embustero,
maldigo profano y santo,
cuánto será mi dolor.

Maldigo a la solitaria
figura de la bandera,
maldigo cualquier emblema,
la Venus y la Araucaria,
el trino de la canaria,
el cosmos y sus planetas,
la tierra y todas sus grietas
porque me aqueja un pesar,
maldigo del ancho mar
sus puertos y sus caletas,
cuánto será mi dolor.

Maldigo luna y paisaje,
los valles y los desiertos,
maldigo muerto por muerto
y el vivo de rey a paje,
el ave con su plumaje
yo la maldigo a porfía,
las aulas, las sacristías
porque me aflige un dolor,
maldigo el vocablo amor
con toda su porquería,
cuánto será mi dolor.

Maldigo por fin lo blanco,
lo negro con lo amarillo,
obispos y monaguillos,
ministros y predicandos
yo los maldigo llorando;
lo libre y lo prisionero,
lo dulce y lo pendenciero
le pongo mi maldición
en griego y en español
por culpa de un traicionero,
cuánto será mi dolor.


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quarta-feira, 8 de junho de 2011

Três poemas de Fabiano Calixto, no dia de seu aniversário

Fabiano Calixto


Eu encontrei meu companheiro coeditor da revista Modo de Usar & Co. uma única vez: na noite de 8 de fevereiro de 2006, quando organizei na Casa das Rosas uma leitura para receber os poetas argentinos Cristian De Nápoli e Lucía Bianco. Na época, o hábito de leituras públicas de poetas em São Paulo ainda não havia tomado muita força, o que começaria a acontecer, eu diria, justamente pelo contato com os companheiros latino-americanos da Argentina e Chile, onde sempre houve uma tradição mais forte neste aspecto. Naquela leitura, leram ainda os poetas Heitor Ferraz, Tarso de Melo, Marília Garcia e Angélica Freitas. Creio que fora a segunda ou talvez terceira vez que encontrei Marília Garcia, e a primeira vez que conversei de fato com Angélica Freitas. Foi, ainda, a única vez em que os quatro editores da Modo de Usar & Co. estiveram sob o mesmo teto.

Eu já conhecia o trabalho de Calixto, a partir de alguns de seus poemas publicados na revista Inimigo Rumor, que fariam parte mais tarde, creio, dos livros Algum (1998) e Fábrica (2000). Trabalhando na linhagem do minimalismo que marcou algo poesia na virada do século, guiado pela presença luminar das poéticas de João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999) e Robert Creeley (1926 - 2005), eu sempre apreciei a forma com que Calixto, assim como em muitos poemas o saudoso Leonardo Martinelli (1973 - 2008), não fazia deste minimalismo qualquer instância de antilirismo de cartilha. Era como uma lírica pontiaguda, nos seus melhores momentos.

Naquele mesmo ano da leitura, Calixto lançaria o livro Música possível (São Paulo: Cosac Naify, 2006), em que ficaria claro que seu espírito é mesmo de poeta lírico. No ano seguinte, veio Sangüínea (São Paulo: Editora 34, 2007). Hoje, seu aniversário, envio meu abraço desde Berlim ao companheiro lá em São Paulo, e meu respeito, acima de todas as nossas inúmeras discordâncias e em meio aos nossos vários caminhos comuns, convidando os leitores deste espaço a lerem comigo três dos meus poemas favoritos do companheiro.


Três poemas de Fabiano Calixto


Em torno de

um disco repetindo-se
uniforme
a dor presente
um salmo
esquecido na página
consumada de um baseado

e continua
redemoinho melódico
não de poeira
vento
com agulha riscando o escuro
da luz apagada
dos sulcos mínimos

um molusco carregando a parede
como um código

uma mosca decorando
a paz do prato sujo

continua a agonia
do futuro

rezando em mim
como um relógio

Fabiano Calixto, Música Possível (São Paulo: Cosac Naify, 2006)


§


Quanto,

entre noites
melancólicas,
ruas sem saída,
dia após dia
piorando a ferida
aberta,
custou-me,
nuvens
perdidas,
passeios
só,
suor a contragosto,
frio,
no fundo do poço,
catarata cobrindo
o corpo
todo,
contas sem pagar,
falta de ar,
febre amarela,
febre de rato,
tifóide,
deixando de lado
o amor,
sopro
cosmo
humano,
disenteria
erros calculados,
a poesia?


Fabiano Calixto, Música Possível (São Paulo: Cosac Naify, 2006)


§


Obituário literário com figuras de gatos e ratos

os ratos roeram a vida dos poetas
– livres do peso das letras, os estetas

em outras esferas escreverão, pois,
no cavo, vácuo profundo, sem voz, à foice

(esta persiana a zerar o ar dos distraídos),
não mais poemas, já que lidos os labirintos,

nada mais resta, nada, nem a quem se
amar ou refutar, não esfria, nem aquece,

a luta com palavras já não faz parte de
paixões ou razões puras, nenhum alarde,

nada de metáforas, nenhuma metonímia
– a menina de lá não dá mesmo a mínima.

os ratos, rudes e arrogantes orates,
gorjeiam na goela os corpos dos vates

e, ainda assim, nas estantes, talhados,
ficam os poemas – como nos telhados

gatos de gostos e colmilhos afiados, à leitura
nasal do rastro dos ratos, vigiam venturas.

de um pulo a outro salto, uma gangue
de gatos retalha a noite com sangue

de restos de ratos que das tripas, as tropas
de versos, vazam as mais soberbas sopas.


Fabiano Calixto, Sangüínea (São Paulo: Editora 34, 2007)


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